Cannabis medicinal: a batalha decisiva de 2025 pela regulamentação das associações de pacientes
Estamos mobilizando uma estratégia interministerial sem precedentes para garantir que essa oportunidade não seja desperdiçada.
O momento históricio que pode mudar tudo
Estamos vivendo um momento histórico para a Cannabis medicinal no Brasil. Após anos de luta, mobilização e resistência, chegamos a uma janela de oportunidade única que pode finalmente garantir o acesso digno e legal à Cannabis medicinal para milhares de pacientes brasileiros. Mas essa janela tem prazo para fechar: 30 de setembro de 2025.
A decisão do Superior Tribunal de Justiça no Incidente de Assunção de Competência (IAC) nº 16 não apenas reconheceu a legitimidade do uso medicinal da Cannabis, mas também determinou a criação de um Plano de Ação para regulamentação que inclui expressamente o “regime associativo”, ou seja, as associações de pacientes que há anos lutam por reconhecimento e segurança jurídica.
Agora, estamos mobilizando uma estratégia interministerial sem precedentes para garantir que essa oportunidade não seja desperdiçada. É uma corrida contra o tempo, mas também uma chance real de transformar a vida de centenas de milhares de brasileiros que dependem da Cannabis para tratar suas condições de saúde.
A estratégia interministerial: cinco ministérios, uma causa
Nossa proposta não é pequena nem tímida. Estamos articulando uma ação coordenada que envolve cinco ministérios do governo federal, cada um com responsabilidades específicas para criar um marco regulatório completo e inovador para as associações de pacientes de Cannabis medicinal.
Ao Ministério da Saúde assume a coordenação geral da ação, sendo responsável por elaborar a Portaria Geral que criará os Centros de Especialidades Complementares em Terapia Canábica no SUS. Além disso, a Anvisa deverá publicar uma RDC específica para associações de pacientes, com base na RDC das Farmácias Vivas, e sem as limitações artificiais de concentração de canabinoides que hoje prejudicam a eficácia dos tratamentos. A integração ao Programa de Medicamentos de Alto Custo (PMAE) garantirá acesso gratuito para pacientes de baixa renda.
Já ao Ministério da Agricultura (MAPA), será fundamental para implementar o Sistema Participativo de Garantia (SPG) específico para Cannabis medicinal, reconhecendo sementes crioulas e variedades adaptadas desenvolvidas pelas próprias associações. Isso representa uma revolução na forma como pensamos controle de qualidade: não mais apenas fiscalização vertical, mas participação social ativa na garantia da qualidade.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública, em conjunto com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, deverá estabelecer diretrizes firmes para garantir o controle social, a transparência e a proteção efetiva dos direitos dos pacientes. Entre as medidas, estão a criação de protocolos claros para evitar que pacientes e dirigentes de associações sejam criminalizados injustamente, além da implementação de programas de reparação social que reconheçam e enfrentem os impactos históricos causados pela proibiçã.
Ministério do Desenvolvimento Agrário deverá incluir as associações na Política Nacional da Agricultura Familiar, garantindo acesso ao PRONAF e outras linhas de fomento específicas para o cultivo de Cannabis medicinal.
Ministério da Educação estabelecerá diretrizes curriculares nacionais obrigatórias sobre sistema endocanabinoide e medicina canábica nos cursos de saúde, além de criar programas de residência médica especializados e fomentar pesquisa científica na área. A proposta inclui ainda editais de fomento à pesquisa (CAPES e CNPq) e programas de extensão que conectem universidades às associações, garantindo troca real entre academia e sociedade. Essa proposta vai além da Cannabis, ela é sobre formar profissionais mais humanos, atualizados e comprometidos com o direito à saúde baseada em evidências.
Estamos atuando de forma articulada, levando aos ministérios responsáveis uma série de documentos que apontam caminhos claros e viáveis para a efetivação de políticas públicas voltadas à Cannabis medicinal no Brasil.
Cada pasta do governo está recebendo requerimentos específicos, dirigidos nominalmente aos ministros, com solicitações pontuais que respeitam o âmbito de suas competências legais. Esses requerimentos não são simples pedidos, são construídos com base na Constituição Federal, nas normativas que regem cada ministério e respaldados por evidências científicas que atestam a eficácia da Cannabis no tratamento de diversas condições de saúde.
Mas não paramos por aí. Sabemos que o tempo urge e que a burocracia não pode ser desculpa para a inércia. Por isso, estamos entregando sugestões de Portarias e Instruções Normativas já prontas para serem adotadas. São propostas alinhadas com a legislação vigente e com as melhores práticas internacionais, sendo na realidade, um verdadeiro convite à ação imediata.
E no que diz respeito à Anvisa, apresentamos uma minuta de Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) que propõe uma virada histórica, qual seja o reconhecimento formal do direito ao uso da planta de Cannabis em sua forma integral. Chega de limitações arbitrárias baseadas no teor de THC. O que deve nortear o acesso à saúde é a ciência, a clínica e a liberdade terapêutica do médico e do paciente.
Essa atuação não é isolada. É um movimento coordenado, comprometido com a justiça social, com os direitos humanos e com a saúde pública. Não pedimos favores e sim oferecemos soluções.
Todos esses documentos foram elaborados em total conformidade com o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Lei 13.019/2014) e com a estrutura oficial do Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES), garantindo viabilidade jurídica e operacional.
O Plano de Ação decorrente do IAC 16 abriu uma janela rara e decisiva para influenciar a construção do marco regulatório sobre a Cannabis medicinal no Brasil. Em diversas etapas distribuídas entre os principais órgãos do governo federal, estão sendo definidas regras que podem determinar o futuro das associações de pacientes, o acesso democrático aos tratamentos e a segurança jurídica de quem hoje atua com base na solidariedade. Trata-se de um processo técnico e político que exige articulação, participação social e firmeza argumentativa. Se essas fases forem negligenciadas ou dominadas por interesses contrários à saúde pública e à justiça social, os retrocessos poderão ser severos e de longa duração. O momento é de atenção total e ação coordenada, pois as decisões tomadas agora terão impacto duradouro para toda a sociedade.
O QUE ESTAMOS PEDINDO: APOIO CONCRETO E MOBILIZAÇÃO
Nossa luta não pode ser vencida apenas com documentos técnicos, por mais bem fundamentados que sejam. Precisamos de mobilização social, pressão política e apoio concreto de diversos setores da sociedade.
Das organizações da sociedade civil, pedimos articulação e amplificação da nossa mensagem. Cada entidade que se posicionar publicamente a favor da regulamentação das associações fortalece nossa posição nos espaços de decisão.
Dos profissionais de saúde, solicitamos manifestações técnicas e científicas que reforcem a importância da Cannabis medicinal e da necessidade de marcos regulatórios adequados. Cartas abertas, notas técnicas e posicionamentos de conselhos profissionais têm peso significativo no processo.
Dos pacientes e familiares, pedimos que compartilhem suas histórias e participem ativamente das consultas públicas que acontecerão em agosto. Cada relato pessoal humaniza nossa causa e demonstra a urgência das medidas que propomos.
Dos parlamentares, solicitamos apoio político através de requerimentos de informação, audiências públicas e pressão junto ao Executivo. O Congresso Nacional tem papel fundamental em cobrar a implementação adequada do Plano de Ação IAC 16.
Da mídia independente, pedimos cobertura qualificada que vá além dos estereótipos e preconceitos, focando nos aspectos de saúde pública, direitos humanos e justiça social envolvidos na questão.
AS INOVAÇÕES QUE PROPOMOS
Nossa proposta não é apenas sobre legalizar, é sobre inovar. Ela representa um avanço capaz de transformar o Brasil em referência internacional por sua abordagem integrada, socialmente justa e cientificamente embasada. Ao aplicar o Sistema Participativo de Garantia (SPG) à Cannabis medicinal, rompemos com modelos baseados apenas na fiscalização punitiva, propondo um controle de qualidade construído com base na confiança, no diálogo e na corresponsabilidade entre Estado, sociedade e associações. A criação de Centros de Especialidades Complementares em Terapia Canábica no SUS inaugura uma nova categoria de cuidado, qual seja uma saúde que acolhe a complexidade do paciente e oferece suporte especializado sem competir com outras áreas médicas, mas somando forças a elas. Com a incorporação da Cannabis medicinal ao Programa de Medicamentos de Alto Custo (PMAE), avançamos rumo a um SUS mais justo, garantindo que o acesso não seja um privilégio de poucos, mas um direito universal com potencial de reduzir drasticamente os custos do Estado com tratamentos importados.
Defendemos ainda o reconhecimento pleno da planta, sem limitações arbitrárias sobre seus componentes. Isso significa respeitar as evidências científicas que apontam para a eficácia terapêutica da planta integral, valorizando o chamado “efeito entourage”. E, acima de tudo, propomos um modelo regulatório onde o controle social é regra e não exceção, assegurando que a transparência, a participação cidadã e a governança democrática estejam no centro de todo o processo.
Trata-se, enfim, de uma proposta que une ciência, equidade e democracia para criar um novo paradigma de política pública em saúde.
OS DESAFIOS QUE ENFRENTAMOS
Estamos conscientes de que o caminho à frente não será simples. Décadas de proibicionismo deixaram marcas profundas que alimentaram resistências institucionais, consolidaram preconceitos e fortaleceram interesses econômicos contrários à democratização do acesso à Cannabis medicinal. O projeto que defendemos não nasce no conforto, ele enfrenta diretamente zonas de poder que preferem manter tudo como está.
Dentro do próprio governo, ainda há setores que resistem a qualquer mudança mais ousada. A burocracia, muitas vezes, se acomoda na manutenção do que já existe, evitando o esforço e a responsabilidade de construir marcos regulatórios inovadores. Do lado de fora, a pressão da indústria farmacêutica é constante. Associações de pacientes, que produzem com qualidade e distribuem com solidariedade, são vistas como ameaça a um modelo de negócio baseado em importações caras e acesso restrito.
Além disso, enfrentamos uma batalha cultural, pois, parte da sociedade ainda confunde o uso terapêutico da planta com o consumo recreativo, estigmatizando pacientes, famílias e profissionais que buscam ou prescrevem o tratamento. Há também limitações orçamentárias reais, mas frequentemente instrumentalizadas (através de judicialização da saúde) como argumento para não priorizar políticas públicas que desafiam paradigmas.
E como se não bastasse, a complexidade jurídica do processo exige articulação entre diversos ministérios, cada um com sua lógica, sua estrutura e sua cultura institucional. Unificar essas forças em torno de uma proposta inovadora, que rompe com velhos padrões, é uma tarefa árdua, mas necessária.
Sabemos dos desafios. Mas também sabemos que transformações reais nunca vêm sem resistência. E é justamente por isso que não vamos recuar.
2025: O MOMENTO DE VIRADA
Raramente na história brasileira tantas condições favoráveis se alinham em torno de uma mesma causa. O ano de 2025 se apresenta como um divisor de águas para a Cannabis medicinal no país. A decisão do Superior Tribunal de Justiça no Incidente de Assunção de Competência nº 16 não foi apenas simbólica, ela criou uma obrigação legal concreta para que o governo federal regulamente o tema de forma ampla e eficaz.
Mais do que isso, vivemos um momento político em que há maior sensibilidade do Estado para pautas ligadas aos direitos humanos, à saúde pública e à reparação histórica. Ao mesmo tempo, a sociedade civil se fortaleceu, pois nunca houve tanta articulação entre pacientes, familiares, profissionais da saúde, pesquisadores e entidades sociais comprometidas com o acesso justo e democrático ao tratamento com Cannabis.
Temos à disposição uma base sólida de evidências científicas, políticas públicas internacionais já testadas com sucesso e um movimento social amadurecido, informado e combativo. O cenário é, portanto, singularmente promissor, mas também urgente.
Até porque janelas de oportunidade não permanecem abertas para sempre. Se não conseguirmos avançar agora, o risco de retrocesso é real e o tempo para reconstruir outra chance pode ser longo. É por isso que a mobilização atual não é apenas necessária, ela é vital. Estamos diante de uma oportunidade histórica. E não há espaço para omissão.
Nossa proposta não se limita a regulamentar o uso da Cannabis medicinal. Ela nasce de uma visão mais ampla e profunda pois é necessário a construção de um novo paradigma de acesso à saúde no Brasil, criando um modelo que seja universal, equitativo, participativo e sustentado por evidências científicas.
Sonhamos com um país onde nenhum paciente seja forçado a escolher entre seguir a lei e cuidar de sua saúde. Onde mães, pais, idosos, jovens e profissionais da saúde possam caminhar sem medo, amparados por políticas públicas que reconhecem o valor terapêutico da planta e o direito inegociável à vida digna.
Imaginamos um sistema de saúde que acolhe as associações de pacientes como parceiras legítimas do SUS, capazes de ampliar o alcance do cuidado, fortalecer a rede e garantir que a Cannabis medicinal chegue a quem realmente precisa com qualidade, segurança e acompanhamento profissional.
Acreditamos que o Brasil tem tudo para liderar um modelo regulatório inovador, que una rigor científico com participação cidadã, controle de qualidade com acesso popular, segurança jurídica com flexibilidade operacional. Um modelo que inspire outras nações e mostre, com coragem e sensatez, que é possível fazer diferente e melhor.
COMO PARTICIPAR DA LUTA
A luta pela regulamentação das associações de pacientes de Cannabis medicinal não é de um grupo isolado, e sim uma causa coletiva. Se você acredita no direito à saúde, na justiça social e no fim do proibicionismo que criminaliza o cuidado, então esta batalha também é sua.
Participar começa com o acesso à informação, entender o que está em jogo, acompanhar os debates e estar atento às oportunidades de participação. As consultas públicas são momentos decisivos e nelas, cada manifestação conta. É ali que a sociedade pode se fazer ouvir de forma oficial, influenciando diretamente os rumos da regulamentação.
Mas a atuação não precisa (nem deve) parar aí. Compartilhar conteúdos confiáveis, relatos de pacientes e dados científicos nas redes sociais ajuda a combater a desinformação e a desconstruir preconceitos ainda arraigados. É assim que se muda o senso comum, uma conversa por vez.
Outro passo fundamental é pressionar parlamentares e gestores públicos. O Plano de Ação decorrente do IAC 16 tem prazos e obrigações claras, mas só será cumprido com vigilância social e pressão popular. Fale com seu deputado, cobre do Executivo, amplifique as demandas
Além disso, apoie as organizações que estão na linha de frente dessa transformação. Seja com uma doação, com trabalho voluntário, com presença em eventos ou simplesmente ajudando a divulgar suas ações, cada gesto fortalece o movimento.
E, por fim, eduque-se. Busque fontes confiáveis, leia, estude, escute os profissionais da saúde e os próprios pacientes. Informação é poder, e ninguém cala uma sociedade bem informada.
Essa luta é feita de muitas vozes. A sua é indispensável.
Estamos diante de um momento que será lembrado pelas próximas gerações. Temos, hoje, a responsabilidade histórica de agir em nome dos milhares de brasileiros que dependem da Cannabis medicinal para viver com dignidade. Mas essa responsabilidade vai além do presente. Devemos também às futuras gerações o compromisso de não deixar que herdem um país onde o acesso à saúde dependa do dinheiro no bolso ou da coragem de infringir leis ultrapassadas. O que está em jogo não é apenas uma política pública, é o próprio conceito de justiça, de cuidado e de humanidade. A história nos observará. E a pergunta que ficará será simples: o que fizemos quando tivemos a chance de mudar tudo?
Podemos ser lembrados como a geração que teve coragem, que rompeu com décadas de estigma e construiu um modelo regulatório ético, científico e inclusivo. Ou seremos lembrados como aqueles que se calaram quando era preciso agir?
O relógio está correndo. Cada dia que passa é um dia a menos para transformar essa oportunidade em realidade. De agora até a decisão final do governo federal, cada gesto conta, cada manifestação, cada documento, cada voz levantada. Não há tempo a perder. A janela está aberta e cabe a nós atravessá-la com coragem e convicção.
Convocamos todos os que acreditam na justiça, na ciência e no direito à saúde para se juntarem a esta luta. Não é apenas sobre Cannabis, é sobre que tipo de país queremos ser. Um país que criminaliza pacientes ou que garante acesso universal à saúde? Um país que ignora evidências científicas ou que baseia suas políticas no conhecimento? Um país que exclui ou que inclui? A resposta está em nossas mãos. E o tempo é agora.
SOBRE O AUTOR
Antônio Pinto Filho é coordenador jurídico da Associação Terapêutica de Cannabis Medicinal Flor da Vida e coordenador financeiro da Federação das Associações de Cannabis Terapêutica (FACT).