Cura gay não é liberdade, é violência disfarçada de cuidado!
Qualquer proposta de legalização dessas “terapias de conversão” é, além de inconstitucional, antiética e desumana.
Por Renata Souza (Psol/RJ) e Guilherme Cortez (Psol/SP)*
Por todo o país, estamos vendo movimentações legislativas que buscam ressuscitar um discurso extremamente perigoso da chamada “cura gay”. São projetos de lei que tentam permitir terapias de reversão sexual, ignorando décadas de avanços científicos e jurídicos, o que é uma ameaça direta à saúde, à dignidade e aos direitos fundamentais da população LGBTQIAPN+.
É fundamental dizer com todas as letras: orientação sexual não é doença. Identidade de gênero não é patologia. Não existe cura para o que não é enfermidade. O que existe e precisa ser enfrentado é a LGBTIfobia e todas as formas de preconceito.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da sua Classificação Internacional de Doenças há mais de 30 anos. O Conselho Federal de Psicologia, respaldado pela ciência e pela ética profissional, proíbe expressamente qualquer prática que proponha alterar a orientação sexual ou a identidade de gênero de alguém. Portanto, qualquer proposta de legalização dessas “terapias de conversão” é, além de inconstitucional, antiética e desumana.
Do ponto de vista constitucional, essas iniciativas violam o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da Constituição Federal), comprometem a liberdade individual e contrariam entendimentos consolidados do Supremo Tribunal Federal, que reconhece os direitos das pessoas LGBTQIAPN+ como direitos fundamentais.
Esses projetos não protegem, eles ferem. Não salvam, adoecem. E fazem isso com um verniz de legitimidade, ao proporem supostos “cuidados” que, na prática, são formas estruturadas de tortura emocional e psicológica. Vários estudos evidenciam que as chamadas “terapias de reversão” estão diretamente associadas a depressão, ansiedade, automutilação e em muitos casos, suicídio. O que se vende como “cura” é, na verdade, a produção de sofrimento e dor.
É nesse cenário que se insere com urgência o Projeto de Lei apresentado pelo deputado estadual Guilherme Cortez na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e pela deputada estadual Renata Souza na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. O PL propõe coibir a prática da “terapia de conversão sexual”, dispondo sobre a respondabilização administrativa em caso de práticas de conversão da orientação sexual e identidade e / ou expressão de gênero.
Trata-se de uma medida fundamental para garantir os direitos humanos, proteger a integridade psicológica de jovens e adultos LGBTQIAPN+ e reafirmar que o Estado deve proteger a diversidade não combatê-la.
O PL Contra a Cura Gay, portanto, é uma resposta afirmativa a tentativa de retrocesso no legislativo. Ele representa um marco ético, jurídico e civilizatório no combate a LGBTIfobia institucional. Ao invés de ceder ao moralismo disfarçado de liberdade religiosa, propõe uma política pública que reconhece a pluralidade das existências e protege a existência da população LGBTI+.
A sociedade brasileira precisa urgentemente escolher de que lado quer estar: Do lado da ciência, dos direitos humanos e da vida, ou ao lado da intolerância que instrumentaliza o sofrimento para fins políticos.
É tempo de legislar com responsabilidade. Em vez de projetos que alimentam o preconceito, precisamos de políticas públicas de acolhimento, saúde integral, educação inclusiva, formação cidadã e segurança para a população LGBTQIAPN+.
Repitamos sem medo:
Não existe cura para o que não é doença.
O que precisa de cura é a LGBTIFOBIA.
E o que precisa de políticas públicas é a diversidade.
—
* Guilherme Cortez é advogado e professor de cursinho. Eleito deputado estadual em 2022 pelo PSOL, é bissexual e compõe a bancada LGBTI+ da ALESP. É presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População LGBTI+ e membro da Comissão de Direitos Humanos. Entre seus projetos estão a punição de terapias de conversão (“cura gay”) e a criação de cotas para alunos transgêneros em universidades estaduais.