Quando abrimos uma rede social, temos a ilusão de estar no controle: escolhemos o que ver, com quem interagir e sobre o que pensar. Mas essa sensação de autonomia é, em grande medida, uma miragem meticulosamente construída — ou melhor, programada.

Ao longo das últimas décadas, acumulou-se uma robusta produção acadêmica, tanto na filosofia quanto na psicologia, que desmonta a ideia de uma autonomia humana plena. Jos de Mul, filósofo holandês da Escola de Filosofia Erasmus, argumenta que somos, desde sempre, governados por forças biológicas, sociais e, também, tecnológicas. A introdução das redes sociais, governadas por algoritmos opacos e moldadas por modelos de negócios que exploram nossa atenção, levou esse debate a um novo patamar.

O design das plataformas digitais não é neutro. Ele foi desenvolvido intencionalmente para capturar e reter nossa atenção pelo maior tempo possível. Para isso, esses sistemas se apoiam em mecanismos de manipulação do comportamento humano que são conhecidos pela psicologia behaviorista desde o século passado, especialmente através dos estudos do controverso psicólogo B.F. Skinner. Max Fisher, em A Máquina do Caos, explica que um dos mecanismos mais eficientes da psicologia comportamental utilizados pelas plataformas de redes sociais é o reforço intermitente de intervalo variável. Na prática, embora pareça complexo, o conceito basicamente explica o funcionamento de uma máquina caça-níquel: nunca sabemos exatamente quando uma recompensa, ou uma curtida, um comentário ou um novo conteúdo interessante aparecerá — e isso nos mantém presos no cassino e nas redes, interagindo, apostando e rolando infinitamente.

Mais grave, esse sistema não serve apenas para nosso entretenimento. Ele alimenta um mercado bilionário de publicidade digital, que extrai dados, cria perfis comportamentais e distribui anúncios de forma hipersegmentada. Hoje, mais de 90% da receita da Meta (controladora de Facebook, Instagram e WhatsApp) e 76% da receita da Alphabet (dona do Google e do YouTube) vêm da venda de publicidade. Ou seja, nós não somos clientes dessas plataformas — somos o produto.

Diante desse cenário, cresce no mundo todo o debate sobre como regular as big techs para proteger direitos fundamentais e garantir um ambiente digital mais saudável. A União Europeia deu um passo decisivo nesse sentido com o Digital Services Act (DSA) e o Digital Markets Act (DMA), que impõem regras para aumentar a transparência dos algoritmos, oferecer controle ao usuário sobre os sistemas de recomendação e garantir a interoperabilidade entre plataformas.

No Brasil, o governo federal realiza discussões para a criação de uma Lei de Serviços Digitais, inspirada em parte nos modelos europeus. Ao longo dos últimos anos, no Sleeping Giants Brasil, temos defendido a importância de que sejam revistos o regime de responsabilidade dos provedores, bem como que sejam criadas obrigações de transparência para a publicidade e deveres de cuidado para esses serviços. No entanto, creio que este também é o momento de assegurar que outras obrigações importantes sejam incluídas no escopo das regulações vindouras, especialmente com vistas a aprimorar a interação dos sujeitos com as novas tecnologias privilegiando-se um ambiente de maior liberdade.

Transparência dos algoritmos: usuários têm o direito de saber como funcionam os sistemas que definem o que aparece (ou não) em suas telas. Isso inclui entender os critérios, os pesos, os parâmetros e, principalmente, os interesses econômicos por trás de cada decisão algorítmica.

Alterabilidade dos sistemas de recomendação: deve ser garantido o direito de optar por modos de exibição de conteúdo que não dependam da coleta e processamento de dados pessoais. Por exemplo, a opção de visualizar publicações em ordem cronológica, sem intervenção algorítmica.

Interoperabilidade: o usuário não pode ser refém de um único ambiente digital. Assim como podemos enviar e-mails de qualquer provedor para qualquer outro, deveríamos poder interagir com diferentes redes sociais, mensageiros e serviços, independentemente de quem os controla.

Essa não é uma proposta que visa impedir o avanço da tecnologia. Muito pelo contrário. A história da humanidade sempre foi uma história de mediação tecnológica. A questão central é: em quais circunstâncias a mediação tecnológica das redes sociais privilegia ou ameaça a autonomia, a liberdade e a agência humanas?

Marco Antônio Alves, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, defende que precisamos abandonar tanto o otimismo ingênuo de que a tecnologia, sozinha, resolverá nossos problemas quanto o pessimismo tecnofóbico que vê nos algoritmos a destruição da liberdade. A saída está no caminho do meio: reconhecer que somos seres mediados, sim, mas que podemos e devemos disputar as condições dessas mediações.

Humberto Ribeiro é advogado, cofundador e diretor jurídico do Sleeping Giants Brasil