Ver de pertinho como uma tia querida teve mais qualidade de vida ao utilizar a Cannabis durante o tratamento de um câncer fez Ligia Rodrigues Spedaletti, 28, encontrar um propósito maior para seguir. A experiência em família incentivou a massoterapeuta a se aprofundar nos recursos terapêuticos da maconha.

Hoje, Ligia é pesquisadora dos efeitos da Cannabis em uso tópico em tratamentos de massagem, trabalha na Associação Terapêutica de Cannabis Medicinal Flor da Vida, e possui experiência em atendimentos a crianças diagnosticadas com autismo e mães atípicas. A pesquisadora é pós-graduanda no uso medicinal da Cannabis e em Transtorno do Espectro Autista (TEA).


REPERCUSSÃO

Por causa de um paciente famoso, Eduardo Suplicy, 83, a massoterapeuta chamou a atenção nas redes sociais. O deputado estadual compartilhou no Instagram parte do tratamento do câncer linfático, cuja rotina teve massoterapia domiciliar com extrato de cannabis da Flor da Vida.

Desde o ano passado, Suplicy trata o Parkinson com óleo de Cannabis na associação de pacientes sediada em Franca, São Paulo. As gotinhas deram sumiço nos tremores e nas dores musculares típicas da doença.

Até que não deu mais para seguir apenas com o óleo. Um reforço por outra forma de uso foi o caminho para manter o tratamento canábico. A quimioterapia para combater o câncer gera vômitos recorrentes que dificultam a absorção dos canabinoides pela via oral. Com a imunidade em baixa devido ao quadro, os sintomas relacionados ao Parkinson aumentam, como a disfagia.


À FLOR DA PELE

Foi nessa hora que utilizar a Cannabis por outras vias fez a diferença. 

Afinal, quem disse que é só tomando o óleo que se aproveita os benefícios da planta?! Bem servida de receptores endocanabinoides, a pele é uma opção eficaz para absorver os fitocanabinoides por meio de massagens à base de cremes com extrato. E sem o risco de perder as propriedades terapêuticas por conta de vômitos: quando o extrato é absorvido pela pele, não é necessário passar pelo sistema digestivo. 

Após uma queda na imunidade do deputado, a massoterapia foi indicada.

Para não comprometer os ótimos resultados que o extrato de maconha gerou na diminuição dos tremores [do Parkinson], a associação sugeriu a massagem canábica para complementar o tratamento. Ao utilizar um creme com THC, a técnica também foi recomendada para estimular o apetite abalado pelas sessões de quimioterapia. A massoterapia também agiu no controle da ansiedade ao promover o equilíbrio emocional durante o tratamento do linfoma”, afirma a especialista.

ASSOCIAÇÕES SALVAM

Durante a última edição da Expocannabis (2024), o deputado compartilhou a notícia da remissão do câncer. A quimioterapia e a imunoterapia cessaram. A Cannabis foi um diferencial no combate à doença por causa do atendimento interdisciplinar oferecido pela Flor da Vida.

Além de promover o acesso à planta, a instituição tem médicos prescritores que trabalham com psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, equoterapeutas, assistentes sociais e massoterapeuta.

Em conjunto, os profissionais da saúde trocam informações sobre o avanço terapêutico e criam as melhores estratégias baseadas na experiência de cada um com o paciente.

Dessa forma, os resultados são otimizados. Se não fosse o espaço dado para a massoterapia na Flor da Vida, talvez Suplicy não tivesse recebido tão bem as propriedades da Cannabis.

Por isso é tão importante incentivar políticas sociais que protegem as associações no Brasil. As outras formas de acesso à Cannabis, como via importação de produtos ou aquisição pela farmácia, por exemplo, não proporcionam cuidado humanizado.

Essa rede de profissionais da saúde pode ser fundamental para melhorias significativas de crianças autistas ou pacientes oncológicos.

As comunidades canábicas ainda geram uma base de dados positivos do acompanhamento de grupos de pessoas com as mesmas patologias. O resultado: informação para respaldar cientificamente a eficácia terapêutica de uma planta marginalizada.


MASSOTERAPIA E AUTISMO

Uma iniciativa que representa esse poder na geração de conhecimento é o estudo observacional que está sendo produzido por Ligia e será publicado. O artigo vai mostrar os efeitos da massoterapia associada ao uso tópico de creme corporal com extrato canábico da Flor da Vida para tratar os sintomas decorrentes de Transtorno de Ansiedade Generalizada em mães de crianças atípicas.

Conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), existem cerca de 70 milhões de pessoas com TEA em todo o mundo. Só no Brasil, estima-se 2 milhões de pessoas.

Devido ao proibicionismo, a quantidade de brasileiros com acesso aos benefícios da planta é muito pequena.

Estudos já demonstraram que os produtos de cannabis reduziram a quantidade e intensidade de diferentes sintomas do TEA, como hiperatividade, ataques de automutilação e raiva, problemas de sono, ansiedade, inquietação, agitação psicomotora, irritabilidade, agressividade, perseverança e depressão.

Além disso, observaram melhora na cognição, sensibilidade sensorial, atenção, interação social e linguagem, como é possível verificar em um levantamento feito por especialistas do Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

A massoterapia canábica se mostrou uma alternativa promissora para crianças cujos sintomas não permitem que elas consigam tomar o óleo. 

Confira o bate-papo com a massoterapeuta especialista em Cannabis, que fez um intercâmbio na China, um dos lugares no mundo onde se têm os primeiros registros históricos do uso da verdinha documentados na medicina.

1- Como você se tornou massoterapeuta e por que optou pelo uso terapêutico da cannabis?

No segundo ano da graduação em Linguística na UNICAMP, eu comecei a estudar mandarim. Após um ano, tive a oportunidade de realizar um intercâmbio gratuito na Universidade de Pequim, na China.

Ao longo da minha experiência no país, entrei em contato com a Medicina Tradicional Chinesa, a massagem e a acupuntura. Já nutria grande interesse por terapias integrativas. Quando voltei ao Brasil, eu me formei em Massoterapia e Naturopatia pela Humaniversidade Holística de São Paulo e, na sequência, comecei a realizar atendimentos de massagem domiciliares.

Logo depois, aluguei um espaço em Campinas, em São Paulo, para realizar as sessões.

No mesmo período, uma tia muito querida, residente na Califórnia, foi diagnosticada com câncer em metástase. Além das sessões de quimioterapia, ela fez uso de produtos à base de cannabis para auxiliar no tratamento.

Tive a oportunidade de acompanhá-la durante essa fase. Observei de perto como a cannabis melhorou sua qualidade de vida ao aumentar a disposição e diminuir os enjoos causados pela quimioterapia.

Após seu falecimento, motivada a entender melhor os benefícios da cannabis, ingressei no curso de extensão O Uso Terapêutico da Cannabis Sativa L., promovido pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em parceria com o Movimento pela Regulamentação da Cannabis (MovReCam), criado pelo Padre Ticão e o Dr. Elisaldo Carlini.

A conclusão da atividade exigia a elaboração de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) naquela época. Como já realizava atendimentos de massagem, eu decidi estudar os efeitos da cannabis em uso tópico nos tratamentos de massoterapia.

Desenvolvi um projeto e contatei a Associação Flor da Vida, que se prontificou a fornecer o extrato da planta para o estudo.

Em 2021, em Franca, no laboratório da associação, produzimos o creme utilizado na pesquisa, que contou com a participação de 21 pessoas com ansiedade.

Após a conclusão do projeto piloto, a associação fez um convite e fui morar na sede da Flor da Vida para atender pacientes com massagem canábica no núcleo social de terapias e desenvolver novos projetos de pesquisa.

Desde 2022, atendo pacientes com diversas patologias. Utilizo creme de massagem à base de extrato de cannabis com espectro completo (todos os canabinóides da planta).

2- Você tem um trabalho impactante com crianças autistas. Como é atuar nessa frente?

Ao iniciar os atendimentos no núcleo social da associação, meu público-alvo eram mães de crianças atípicas, cuja maioria sofria de ansiedade.

Enquanto os filhos eram atendidos por outros profissionais no núcleo terapêutico (psicólogo, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, nutricionista e fisioterapeuta), as mães realizavam sessões de massagem comigo. Nessa época, também atendi diversos pacientes com fibromialgia.

Em determinado momento, uma mãe sentiu os benefícios da massagem em si mesma e solicitou que eu atendesse seu filho autista de oito anos.

Embora sem experiência prévia com autismo ou massagem infantil, os resultados do primeiro atendimento foram surpreendentes. A criança respondeu muito bem à terapia, demonstrando grande receptividade ao toque, o que me motivou a atendê-la semanalmente.

Ao observar os efeitos positivos na criança, outra mãe, de um menino autista de 10 anos com nível 3 de suporte, solicitou meus serviços.

No entanto, encontrei dificuldades em atendê-lo devido às crises de agressividade e resistência ao toque. Foram necessários meses para estabelecer uma conexão e, por vezes, senti que não conseguiria ajudá-lo. Mas persisti.

Com o tempo, percebi que precisava atendê-lo em completo silêncio, comunicando-me apenas por gestos quando necessário. A partir daí, ele passou a responder positivamente às sessões de massagem.

Nos dias de terapia, a mãe relatava que ele dormia ao chegar em casa, mantinha-se tranquilo sem agressões. Como resultado, ela teve um tempo para si mesma.

Fiquei contente pelos resultados. Atendi essas duas crianças semanalmente e aprofundei meus conhecimentos sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Em seguida, o presidente da Associação Flor da Vida, Enor Machado, encaminhou outro caso de uma criança com TEA, nível 3 de suporte, que já utilizava óleo de cannabis da associação há alguns anos, mas ainda apresentava graves crises de agressividade.

Iniciei o atendimento com massagem canábica e, logo após as primeiras sessões, o garoto sentou no sofá da recepção para aguardar a próxima terapia. Isso nunca tinha acontecido. Comecei a atendê-lo três vezes por semana e a mãe relatou melhoras significativas.

As sessões eram desafiadoras, com necessidade de contenção de agressividade, beliscões e mordidas. Mas a conexão com o paciente se fortaleceu e, por meio dele, aprendi muito sobre como a massagem com extrato de cannabis poderia ser benéfica para crianças autistas.

Compreendi que a massagem, para crianças autistas com Transtorno do Processamento Sensorial, auxilia na regulação sensorial, promovendo a integração sensorial.

Comecei a entender que para cada criança autista que eu atendesse eu precisaria encontrar uma maneira específica de adaptação para me conectar com cada uma. 

Mas foi a partir desse último paciente que entendi que a via de absorção da cannabis pela pele poderia ser uma excelente alternativa para esse público.

Uma característica comum no autismo é a inflamação intestinal, decorrente da seletividade alimentar e da ingestão de alimentos não saudáveis ou objetos não comestíveis. Com dificuldade de manter uma dieta adequada, essas crianças, às vezes, não conseguem absorver tão bem o óleo de cannabis via ingestão oral.

Consequentemente, ao aplicar o extrato de cannabis de forma tópica, em conjunto com massagem, é possível a absorção sistêmica do composto e a absorção local pelos receptores endocanabinoides presentes em toda a pele. 

Ao perceber isso, direcionei meu trabalho a crianças autistas. Ainda atendo outros públicos, mas meu foco se mantém, e estou finalizando uma pós-graduação em Transtorno do Espectro Autista.

3- A massoterapia pode auxiliar outros casos de crianças neurodivergentes, como portadores de TDAH? De que forma?

Prefiro não fazer afirmações sobre os resultados da massagem canábica  para públicos com os quais tenho pouca experiência. Trabalhei com alguns pacientes TDAH, que muitas vezes acompanha o autismo.

Além de crianças com TEA, já atendi crianças com Síndrome de Rett, Agenesia do Corpo Caloso, Paralisia Cerebral, Transtorno Opositor Desafiador (TOD), Transtorno Bipolar e Síndrome de Brad-Williams. Posso afirmar os benefícios da massagem canábica para esses grupos.

Crianças neurodivergentes se beneficiam da cannabis por diferentes vias. A planta gera homeostase, então atua de acordo com o que é necessário para cada um. A cannabis, em conjunto com a massagem, potencializa o relaxamento físico.

No caso de crianças não verbais [não se comunicam pela fala], esse tratamento age em dores ou desconfortos que às vezes não conseguem expressar aos cuidadores. Mas podem ser sinalizadas durante a interação promovida nas sessões.

O toque, por si só, estimula o sistema endocanabinoide e potencializa os efeitos da planta.

Além disso, o cuidado e a atenção proporcionados pela massagem são fundamentais para essas crianças, que necessitam de acolhimento e compreensão.

A aplicação de cannabis na pele pode complementar o uso do extrato por outras vias. Pode ser uma alternativa em casos de pessoas com problemas gastrointestinais que impedem uma resposta eficaz pela via oral.

A via tópica tem ação dérmica e temos receptores de Cannabis espalhados por toda nossa pele. A depender do veículo utilizado e do método de extração feito com a planta, também tem ação sistêmica/transdermal.

A massagem aumenta a permeabilidade cutânea do creme, além de promover a integração sensorial por meio do tato.

Portanto, para as crianças com os diagnósticos mencionados, a massagem canábica promove:

-Regulação sensorial
– Relaxamento físico com diminuição de dores
-Redução da ansiedade
-Regulação do humor
-Melhora da qualidade do sono
-Auxílio no combate à atrofia muscular.

É importante destacar a importância do uso de um creme com extrato full spectrum, que oferece os benefícios de todos os componentes da planta. Por conta do creme de massagem canábico ter uma cor, textura e cheiro característicos, muitas vezes é preciso tratar a dessensibilização deste composto com as crianças que têm questões sensoriais e seletividade alimentar. Com o tempo, esse processo pode auxiliar na superação da seletividade e das dificuldades sensoriais.

O trabalho com massagem também envolve a troca de roupa para fazer a atividade, o que pode ser um desafio para crianças com diferentes diagnósticos, por questões sensoriais ou comportamentais, e isto pode – a longo prazo – ser trabalhado ao longo dos atendimentos.

4- “Corpo Canábico” é um projeto? Conte mais!

Corpo Canábico” é uma expressão de minhas vivências como profissional. Acredito que só cheguei onde estou pelas pessoas que cruzaram meu caminho e pelos ensinamentos de cada paciente e cada criança, tanto sobre a planta quanto sobre acolhimento, paciência e não julgamento.

Meu objetivo é divulgar informações sobre o uso da cannabis por meio da pele em conjunto com a massagem, especialmente para famílias atípicas.

Infelizmente, o uso da planta ainda sofre muito preconceito. Por isso, acredito que divulgar informações sobre o uso da cannabis por meio da pele em conjunto com a massagem pode ajudar a quebrar barreiras e desmistificar a maconha.

Vejo o uso tópico da cannabis como uma porta de entrada para a discussão do uso por outras vias de administração.

5- O Suplicy já utilizava o óleo de cannabis via oral. Por que a associação indicou a massagem como complemento?

Suplicy já utilizava o óleo de cannabis da Flor da Vida via oral há meses, com resultados positivos na redução dos tremores decorrentes do Parkinson.

No entanto, durante o tratamento do câncer, as sessões de imunoterapia e quimioterapia acarretam uma série de efeitos colaterais. Por isso, a imunidade ficou comprometida e as vias respiratórias fragilizadas.

Como consequência, Suplicy apresentou quadros de vômito e, portanto, estava com dificuldade de manter o óleo de cannabis em seu corpo pela via de ingestão oral.

Para não comprometer os ótimos resultados que o extrato de maconha gerou na diminuição dos tremores, a associação indicou a massagem canábica para complementar o tratamento.

A massagem também foi recomendada para auxiliar no controle da ansiedade, estimular o apetite afetado pelas sessões de quimioterapia, e promover o equilíbrio emocional durante o tratamento do linfoma.

Os resultados mais notáveis foram a melhora do apetite, que estava quase nulo devido às sessões de quimioterapia, a regulação do intestino, a redução das crises de tosse, o aumento da disposição e a diminuição da fadiga, o que é ideal para enfrentar um câncer. 

6- Como a massoterapia aliada à terapia auricular auxiliou no tratamento do deputado? Quais os benefícios específicos que essas técnicas aliadas oferecem no combate aos efeitos colaterais da quimioterapia?

A terapia auricular potencializa e prolonga os efeitos do tratamento com a massoterapia. Baseadas na Medicina Chinesa, essas técnicas atuam juntas no corpo emocional e físico.

Os principais efeitos colaterais da quimioterapia observados no senador Suplicy foram a falta de apetite, a fadiga e a baixa imunidade, que o tornou mais suscetível a problemas respiratórios.

Somente após várias sessões [de quimioterapia], o senador Suplicy apresentou maior indisposição. Mas ele seguiu impressionando a cada semana, sempre mantendo em dia os compromissos profissionais e pessoais, inclusive os horários semanais com a fonoaudióloga e ginástica, para além da massagem.

7- Isso influencia no tratamento do Parkinson? Existe correlação da aplicação da massoterapia nesse caso também?

Sim, o  tratamento da massagem também influencia no tratamento do Parkinson, tanto na manutenção da dosagem necessária de extrato de Cannabis no corpo quanto em relação ao trabalho que fazemos para evitar disfagia, que é um sintoma comum da doença e também acarreta em vômitos. 

8- A Flor da Vida tem um papel fundamental nesse processo ao explorar o cuidado interdisciplinar de forma enriquecedora para ampliar os efeitos positivos da planta. De que forma a associação auxilia pacientes oncológicos de quadros semelhantes ao do deputado Suplicy?

A equipe da instituição tem mais de 28 médicos prescritores parceiros. As consultas são presenciais e online. A instituição auxilia diversos pacientes oncológicos quando fornece produtos com extrato de cannabis para uso por diferentes vias, mediante prescrição médica. 

Na sede em Franca, os pacientes associados têm acesso gratuito a mais de 10 especialidades no núcleo social: psicologia adulta e infantil, nutrição, fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, enfermagem, ducha terapia, acupuntura, massoterapia e equoterapia.

Essas terapias complementam o uso do óleo de cannabis potencializando os resultados do tratamento.

A associação oferece transporte gratuito para pacientes que necessitam de locomoção até o núcleo social.

Temos uma equipe de assistentes sociais na avaliação de hiposuficiência (socioeconômica) para famílias que necessitam de tratamento.

Outro destaque são as acolhedoras chamadas de terapeutas canábicas, que acompanham e oferecem suporte a todos os pacientes desde o início do uso do óleo de cannabis. Ou seja, ao se tornar um associado, você terá disponível um especialista com o conhecimento necessário e contato direto com os médicos para tirar suas dúvidas e acompanhar o seu caso.

9- Qual é o papel da associação no acesso ao tratamento com cannabis, o apoio que oferece aos pacientes e a importância da comunidade no processo de cura?

Hoje, a atuação das associações é fundamental no Brasil porque é uma das maneiras mais acessíveis para o paciente garantir o tratamento canábico.

Por meio do SUS, o acesso à Cannabis é apenas para patologias específicas, no momento. Ainda sim, é necessária a apresentação de diversos exames (para além da receita médica).

Poucos conseguem a importação autorizada pela ANVISA por conta do custo elevado e da burocracia envolvida no processo.

Em farmácias, o custo é absurdamente alto e os produtos encontrados são na maioria de CBD isolado [menos eficaz do que a versão full-spectrum]

Também é possível fazer o remédio em casa, com autorização jurídica concedida por meio do Habeas Corpus, mas é um processo no qual diferentes gastos e os conhecimentos de plantio e produção restringem essa possibilidade.

No caso das associações, além de cultivar e produzir em território nacional, é mantido contato próximo com os pacientes e, portanto, é possível fornecer a todos um trabalho humanizado.

A possibilidade de diálogo com as acolhedoras, terapeutas, equipe médica somada à qualidade dos serviços e das terapias faz toda diferença na experiência do paciente no enfrentamento de um diagnóstico, seja qual for. Nada disso é possível quando se obtem a Cannabis por outros meios.

As trocas de informação e experiência entre os funcionários e profissionais de terapias interdisciplinares, que lidam com diversos pacientes e diagnósticos, enriquece não só o ambiente de trabalho, mas também definitivamente aumenta a eficácia do tratamento.

Cada pessoa é avaliada de acordo com diferentes perspectivas que consideram suas individualidades, contextos e capacidades.

Diferentes ações da comunidade como campanhas de divulgação, arrecadação e participação em eventos fortalecem a capacidade de atendimento. Desta maneira, a associação também segue com diversos projetos sociais. 

Em Franca, a Flor da Vida faz entrega de pães para a comunidade, mantém uma escola de futebol e de capoeira para crianças em situação de vulnerabilidade, além da entrega de cestas básicas para diversos pacientes.

Recentemente, a Associação também inaugurou a primeira clínica pública de Cannabis Medicinal do país, em parceria com a prefeitura de Ribeirão Pires, no ABC Paulista.

10- Quais são os maiores desafios para quem é mulher e deseja atuar na massoterapia como trabalho de pesquisa e ação social, como no seu caso?

Em uma sociedade patriarcal, as mulheres enfrentam dificuldades para conquistar espaços no mercado de trabalho, independentemente da área de atuação.

Ser pesquisadora e atuar em projetos sociais exige disciplina, comprometimento e coragem porque pesquisar sobre a planta e se dedicar à uma causa é quebrar diversas barreiras nacionais e internacionais. O impacto e o desafio é ainda maior para uma mulher.

A maioria das mulheres com quem já conversei e trabalha com massagem concorda que é preciso tomar cuidado com pessoas mal intencionadas e que ainda sexualizam a profissão.


11- Qual é a sensação de estar ajudando no tratamento de uma figura pública tão importante para a luta pela diminuição das desigualdades sociais no país como o deputado Suplicy?

Ajudar no tratamento de uma pessoa tão importante para a luta pela diminuição das desigualdades sociais no país proporciona uma mistura de sentimentos.

Em primeiro lugar, ele é meu paciente e, como tal, recebe o mesmo cuidado e atenção que dedico a qualquer outro.

O acolhimento e o apoio são fundamentais durante o tratamento do câncer e para que estes sentimentos geram força no outro é preciso que venham de um lugar de amor, e não de dó nem de pesar.

Conhecer o senador Suplicy e sua trajetória é uma honra e um privilégio. Poder auxiliá-lo nesse momento desafiador me enche de gratidão e poder auxiliar em um momento tão complexo me faz sentir muita gratidão. Acima de tudo, quando atendo e cuido do Suplicy, sinto que não estou apenas cuidando dele como pessoa, mas do que ele representa para os brasileiros e brasileiras. 

Como ele próprio afirmou, sua luta só terminará com a implantação da Renda Básica de Cidadania no Brasil e no mundo. Espero poder contribuir para que ele alcance esse objetivo, em benefício de toda a população.

12- Imagino que você tenha muitas histórias lindas de pacientes, mas quais casos mais a emocionaram e serviram de motivação para seguir em frente com seu trabalho?

Sim, são muitas histórias inspiradoras que transformaram minha vida. Tem uma que marcou profundamente minha trajetória profissional, foi uma virada de chave para eu dedicar meu trabalho integralmente a crianças com TEA.

Em uma visita domiciliar, a última que realizei com um pequeno paciente autista com quem havia criado um vínculo muito forte, vivenciei um episódio marcante.

Após um momento de grande afeto, fui surpreendida por uma mordida que deixou uma marca física e emocional profunda. Naquele instante, a dor física era intensa, mas a angústia psicológica era ainda maior.

Naquele momento, não compreendi o que estava acontecendo e gritei por ajuda. Quando uma criança morde, não devemos empurrá-la, pois isso pode piorar a lesão. Na hora meu braço já ficou roxo e verde e todo inchado.

A família veio em meu auxílio e a criança entrou em crise, sendo necessário contê-la com um cobertor. Após se acalmar, ele se sentou na sala, sem se despedir ou olhar para mim.

Passei dias refletindo sobre o ocorrido. Embora soubesse que a mordida não tinha sido intencional, a dor e o hematoma eram reais.

A mordida que recebi era um evento corriqueiro para a família da criança.

Compreendi a natureza não intencional da agressão, mas a experiência me fez refletir sobre as dificuldades enfrentadas pelas famílias de crianças com autismo.

Aquele episódio me sensibilizou para a importância da inteligência emocional e do amor incondicional. Percebi a necessidade de conscientizar cada vez mais a sociedade sobre o autismo e os desafios enfrentados por essas famílias.

Em um grupo de apoio à mães de autistas que coordenei por um tempo na associação, as mães compartilharam histórias comoventes, revelando seus sonhos e frustrações. Muitas desejavam apenas uma noite de sono tranquilo ou uma mesa intacta. Essas frases, mais do que qualquer narrativa, expressam a realidade de muitas famílias que lidam com a rotina desafiadora do cuidado de um filho com autismo.

Na casa do paciente citado na história, havia um blindex instalado na frente da televisão, porque a criança já havia quebrado o aparelho diversas vezes, inclusive com cabeçadas.

Alguns desejos que as mães expressaram no grupo eram “que meu filho assista televisão”, “meu filho fale”, “meu filho ande”, “poder viajar com minha família”, “dormir uma noite toda”, “não me sentir culpada”. Acho que essas frases dizem mais do que qualquer história que eu jamais poderia contar.

Essa é a realidade de muitas mães atípicas que, na maioria das vezes, lutam sozinhas, sem muita ou qualquer rede de apoio.

Elas seguem cuidando e amando os filhos mesmo sendo constantemente agredidas por eles e mesmo que eles quebrem toda a casa.

Toda essa experiência me ensinou a importância do não julgamento. Essas famílias precisam de apoio, compreensão e empatia, e não de críticas. A jornada de cuidar de uma criança com autismo é árdua, e o apoio da comunidade é fundamental para que essas famílias possam encontrar forças para seguir em frente.

13-Que mensagem você deixa para as pessoas que estão enfrentando doenças graves e que buscam alternativas para melhorar sua qualidade de vida?

Para aqueles que estão enfrentando doenças graves e buscam alternativas para melhorar sua qualidade de vida: em primeiro lugar, considerem usar a Cannabis.

Muitos pacientes que atendi, devido ao preconceito, começaram a usar a planta tardiamente.

Acredito que a gravidade de muitos sintomas poderia ter sido evitada se tivessem começado o tratamento com a maconha mais cedo.

A Cannabis tem baixa toxicidade especialmente quando comparada a remédios sintéticos com diversos efeitos colaterais.

E além dessa mensagem, gostaria de poder dizer aos cuidadores dessas pessoas que também busquem cuidado e busquem tratamento com a planta, inclusive em prol da pessoa enferma.

Quando não estamos bem, é muito mais difícil cuidar de alguém.

E ainda gostaria de dizer aos cuidadores que sigam olhando para a pessoa com a doença como uma pessoa, e não como o diagnóstico que possui.

Quando minha tia enfrentou o câncer ela também enfrentou um quadro grave de depressão. Antes de morrer, ela me disse que eu tinha salvo a vida dela.

E sei que ela quis dizer que, quando nos aproximamos durante esse período de depressão, ela se sentiu viva comigo porque eu ignorava diversos sintomas da depressão que ela apresentava, e lidava com eles com naturalidade, ao invés de lidar com repressão ou com vergonha. Então hoje sei o quanto isso é transformador.