
Conheça Milena Manfredini, cineasta e antropóloga que transforma arte em resistência
Ancestralidade, religiosidade e território se entrelaçam em seus filmes como forma de intervenção social
Por Milene de Souza de Espindula
Milena Manfredini, uma figura multifacetada: cineasta, antropóloga, pesquisadora — uma voz muito importante no cinema brasileiro atual. A proposta aqui é explorar um pouco da trajetória dela, focando nessa mistura que ela constrói entre arte, política e ancestralidade. O trabalho audiovisual de Milena funciona como uma ferramenta de representação e resistência.
É uma proposta muito interessante, que não se limita à arte pela arte — tem um propósito claro de transformação social e de amplificação de vozes. E, para começar, a formação dela já sinaliza esse caminho: Antropologia na PUC-Rio e Cinema na Escola Darcy Ribeiro. Duas instituições fortes. Mas é fundamental dar um destaque especial para uma experiência anterior, na Escola de Cinema Livre de Nova Iguaçu, fundada em 2006 — a primeira escola de audiovisual da Baixada Fluminense. Uma região com muitos desafios, mas também culturalmente muito rica.
Essa vivência solidifica a ideia de que é preciso levar o cinema para outros lugares, fora do eixo tradicional. E mais do que levar, trata-se de incentivar que as próprias comunidades contem suas histórias, rompendo estereótipos. É sobre quebrar a visão imposta de fora, dar autonomia à narrativa. Essa perspectiva — e essa convicção — transparece intensamente na filmografia de Milena.
Em “Camelôs” (2018), por exemplo, ela foca na resistência cotidiana. Não se trata apenas de mostrar o trabalho, mas de evidenciar as táticas de sobrevivência, a criatividade do dia a dia como forma de política. Uma leitura potente da resistência que se constrói na rotina.
Já em “Guardião dos Caminhos” (2019), Milena explora a conexão entre o Rio de Janeiro e a espiritualidade, revelando camadas que normalmente não aparecem no planejamento urbano. Espaços com outros significados, outras presenças.
E “Mãe Selina de Xangô” (2021) é uma homenagem clara a uma ialorixá muito importante. Ao fazer isso, o filme afirma a beleza, a liberdade e a relevância das religiões de matriz africana — que, tantas vezes, são marginalizadas e ainda sofrem profundamente com o preconceito e a intolerância religiosa no Brasil. O ato político está aí: dar centralidade, dignidade e visibilidade a essas narrativas e cosmologias que historicamente foram silenciadas — ou pior, estigmatizadas.
A atuação de Milena vai além da direção e produção. Ela também é pesquisadora, professora, curadora — ela faz tudo! Um exemplo disso é a mostra de cinema de narrativas negras, que demonstra seu compromisso em abrir espaço para outras vozes.
A ideia do cinema de Milena Manfredini é mostrar certos corpos, certos lugares, certas histórias que ajudam a repensar as narrativas sobre nossa ancestralidade e espiritualidade. Juntando tudo isso, a mensagem é clara: fazer arte é político. O trabalho de Milena é a prova viva disso. Não se trata de uma política partidária óbvia, mas está presente na escolha do que mostrar, de quem mostrar, de onde filmar. Está na decisão de quais histórias merecem ser contadas.
Ao levar o audiovisual para a periferia, ao iluminar trajetórias à margem, ao celebrar a cultura afro-brasileira, Milena usa a arte como ferramenta de intervenção. Não se limita a refletir a realidade — ela tenta transformá-la. A arte e o cinema surgem como motores para imaginar e, quem sabe, construir um mundo diferente. Especialmente em um país marcado por tantas desigualdades como o nosso.
É um convite para ver diferente, sentir diferente — talvez, agir diferente.
Milena Manfredini emerge como uma artista que usa o cinema de forma consciente, potente, como uma ferramenta de impacto social e cultural para construir outras narrativas.
Se o audiovisual tem esse poder todo nas mãos dela, de que outras formas podemos usar as artes? A música, o teatro, a literatura, as artes visuais — como elas podem, a partir dos nossos lugares, resgatar memórias, desafiar fronteiras simbólicas e dar voz a quem historicamente não teve?
Para conhecer mais do trabalho revolucionário de Milena Manfredini, acompanhe-a no Instagram e Vimeo.