
SOM indica: Arthur Potter e o som que faz a ballroom brasileira dançar e resistir
O DJ e produtor mergulha com beats que misturam tradição, pesquisa e brasilidade, e mostra que o Vogue Beat é manifesto.
Por Noé Pires
Foi numa noite de 2018, na Universidade de Brasília, que Arthur Potter (@r2potmesmo) entendeu que a pista também poderia ser altar. Uma ball da House of Caliandra — uma das primeiras do Distrito Federal — apresentou às pessoas não só a dança, mas uma cultura inteira que respira atitude, potência e ancestralidade.
Desde então, Arthur Potter foi chegando nas balls e absorvendo tudo: as batalhas, os rituais, os corpos em transe e a música que conduzia tudo — DJs, chanters, commentators e MCs transformando o salão num lugar de liberdade. Mas foi o som que mais pegou. O beat. A forma como a música e a palavra se fundiam no grito coletivo de quem resiste dançando.
Em 2019, ele produziu sua primeira ball: a Mamacita Ball, em parceria com a histórica Pioneer House of Hands Up. Um marco na cena do DF — e também o palco do lançamento do videoclipe Safada, da artista Caleba Brasil. Foi o começo da jornada que ele segue até hoje, agora não só como DJ, mas também como pesquisador, produtor e militante da cultura ballroom.
E quando falamos em militância, falamos também em manifesto:
“Em nome de todas as Femme Queens do Brasil, é urgente valorizar o autêntico hábito de criar Vogue Beats e sonoridades ballroom incorporando a cultura brasileira. O Brasil sempre foi potência e é preciso mostrar isso para o mundo. Agora são as nossas regras e queremos que vocês nos ouçam”, ressalta R2POT.
A frase poderia ser de qualquer artista que vive a cena — mas é também a linha que atravessa o trabalho do artista. Desde Pose, Legendary e o Ato I do Renaissance, a cultura ballroom ganhou hype e espaço no mercado. Mas aqui, longe do oportunismo, Arthur Potter entende o Vogue Beat como herança viva.
Em 2021, o encontro com Úrsula Zion foi o divisor de águas. Ela lhe apresentou uma imersão profunda sobre a história, a estética e a ética da sonoridade ballroom. Foi aí que ele compreendeu a importância do “go off”, do swing, da tradição. E, desde então, seu som carrega peso, respeito e brasilidade.
Hoje, ele é parte do Central Online Ballroom, coletivo que registra, fortalece e difunde a cena no Centro-Oeste. Além de DJ e produtor, é câmera nas coberturas e coordenador da COB.Records, distribuidora que ecoa as vozes e os beats da cultura ballroom.
É o Pottinho… na verdade, R2POT. O S.O.M — Sistema Operacional da Música — o canal de música da Mídia NINJA, bateu um papo com o DJ e produtor Arthur Potter.
SOM: Como foi o processo de entender que o Vogue Beat tem uma “tradição” sonora e estética? O que mudou na sua produção depois desse encontro com a Úrsula Zion?
Arthur Potter: Olha, de uma forma geral, para entender todos os elementos da cultura ballroom é necessário se aproximar da comunidade, ir às balls e fazer parte do movimento. No meu caso, na primeira vez que fui a uma ball, já me chamaram atenção as músicas e os sons.
De forma espontânea, me aproximei, comecei a frequentar as balls e estudava as sonoridades no meu trabalho enquanto produtor musical e DJ. A tradição de produzir Vogue Beat utilizando o ha crash para marcar o tempo da performance vem desde o século passado. No Brasil, quem trouxe esse estudo e essa pesquisa foi a produtora e DJ Úrsula Zion, de Brasília. Foi a primeira pessoa a estruturar uma pesquisa sobre a musicalidade que envolve a cultura ballroom. Então, acabei conhecendo e me aproximando dela, e foi assim que fui apresentado à pesquisa e ao trabalho dela.
Boa parte do que sei sobre cultura ballroom e Vogue Beat foi o contato com Úrsula que proporcionou.
SOM: Você afirma que o Vogue Beat é resistência e também herança viva. Como você equilibra tradição e inovação na sua produção musical?
Arthur Potter: Olha, como é algo muito novo, ainda não há — pelo menos no Brasil — um consenso sobre quais elementos são necessários para uma música ser um Vogue Beat. O que sabemos é que, na origem deste gênero musical, ele esteve muito associado à dança, à vogue performance. É como se fosse uma música feita para performar e, assim como a sonoridade, a dança também evoluiu muito de lá pra cá.
Equilibrar tradição e inovação deve ser um desafio geral dentro da comunidade, pois são duas demandas urgentes: valorizar, enaltecer as pessoas que vieram e fizeram antes de nós; e buscar sempre inovar. Encontrar o equilíbrio entre apresentar uma estética clássica ou uma estética mais moderna, ou ter uma Femme Queen pioneira como referência ou outra mais nova, e até ser mais shade ou mais acolhedora é uma constante dentro da comunidade. Nas minhas produções, busco misturar a tradição — que prefiro chamar de “cultura” — e a inovação.
Ouça agora!