Por Jonas Moura

Na última quinta-feira (10), a Netflix estreou a 7ª temporada da série antológica Black Mirror. Desde 2017, a produção é um sucesso de crítica e audiência. E, dessa vez, retorna com um primeiro episódio bastante impactante e com o reconhecido estilo sombrio que a fez ganhar milhares de fãs ao redor do mundo. De fato, um capítulo “raiz”, que já pode ser considerado um dos melhores de todos os já produzidos por Charlie Brooker.

Intitulado Common People — ou, em português, Pessoas Comuns — o episódio nos conta a história de Mike (Chris O’Dowd) e Amanda (Rashida Jones). Ele é um operário metalúrgico; ela, uma professora primária. Duas pessoas comuns, com seus trabalhos estáveis e rendas modestas. Os dois são felizes e, anualmente, comemoram o aniversário de casamento no mesmo lugar: a pousada San Juniper — um nome que, propositalmente, nos remete a outro episódio celebrado: San Junipero. O casal vive bem junto e, há algum tempo, tenta ter um filho, mas não consegue. Até que, um dia, Amanda passa mal e acaba entrando em um quadro clínico (quase) irreversível.

A situação é considerada quase irreversível porque uma médica avisa a Mike que ainda existe uma possibilidade. Essa chance se chama Rivermind, uma empresa de tecnologia médica especializada em neurologia. Então, Mike é apresentado a uma representante da Rivermind, que lhe oferece um serviço experimental capaz de trazer Amanda de volta à vida. A tecnologia consiste em implantar um dispositivo que regenera o cérebro das pessoas. Porém, é necessário o pagamento de um plano mensal para que isso funcione de forma eficaz.

É a partir daí que somos catapultados a uma reflexão profunda sobre os limites humanos, os contratos das empresas modernas e, até mesmo, sobre o amor. Isso porque acompanhamos Mike e Amanda passando por um momento de instabilidade financeira em prol da manutenção do programa, enquanto a empresa não está preocupada com a questão social e econômica dos protagonistas. Além disso, o capítulo também revela o lado nocivo de um fenômeno atual: as NPCs — aquelas conhecidas lives em que pessoas pagam para que outras façam coisas estranhas ou pratiquem a automutilação em troca de dinheiro.

Neste contexto, Pessoas Comuns é uma jornada que leva o espectador ao fundo do poço, observando um homem obstinado a salvar sua esposa, mas que se torna refém de um sistema cruel e desmoralizante. Até onde somos capazes de ir para salvar quem amamos? Será que estamos preparados para aceitar que a morte é o destino natural de todos e que não há o que fazer?

O episódio também é uma crítica ao próprio modelo de negócios das plataformas de streaming. E, mais ainda, um exposed dos planos de saúde que hierarquizam os seus serviços de acordo com a capacidade econômica do usuário, desprezando as suas reais necessidades e desumanizando um produto que, na prática, deveria ser humanizado. Um espelho do quanto nos tornamos mercadorias do capitalismo desenfreado.

Por fim, dispensando um final feliz, a abertura da 7ª temporada de Black Mirror é exatamente o que se espera de uma série tão relevante e pragmática. É impossível não explodir a mente ou ficar dias pensando sobre o que acabamos de assistir. Uma assustadora realidade de uma ficção que se aproxima demasiadamente do que vivemos. Tanto que podemos nos confundir: aquilo seria a arte imitando a vida ou a vida imitando a arte? No entanto, uma coisa é certa: um sinal de alerta ilumina nossa capacidade intelectual. Afinal, se já somos capazes de pensar sobre o futuro que nos assombra, o que falta para tentarmos construí-lo de uma maneira diferente?

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine Ninja. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine Ninja ou Mídia NINJA.