Por Rodrigo Liborio

A categoria de Melhor Filme Internacional nos prêmios Oscar foi criada em 1957, com o objetivo de destacar e premiar grandes êxitos da produção audiovisual mundial fora do eixo dos países com o inglês como língua oficial. O padrinho da categoria é o italiano Federico Fellini, com seu filme Noites de Cabíria.

E não é que, na noite da 32ª edição da cerimônia, em 4 de abril de 1960, direto dos estúdios Pantages Theatre da RKO, o povo brasileiro foi reverenciado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas com o prêmio de Melhor Filme Internacional? Em uma produção francesa falada em inglês, mas com roteiro inspirado em uma peça de teatro de um legítimo patriota e cuja ação se desenrola durante o Carnaval no Rio de Janeiro, o filme Orfeu Negro, de Marcel Camus, levou para casa a estatueta.

O filme de Marcel Camus foi rodado em Eastmancolor, pronto para ser exibido em telas ultrapanorâmicas de película 70mm. Além da ambientação nos morros cariocas, onde se desenvolve toda a trama, o roteiro tem as mãos, a ideia e a cabeça do poeta Vinícius de Moraes, já em sua ilustre magistratura como embaixador pelo Ministério das Relações Exteriores, cargo que assumiu em 1942 após concurso público.

O roteiro do filme é baseado na peça de teatro Orfeu da Conceição. Depois de publicar a peça (em 1954, vencendo um concurso do quarto centenário da cidade de São Paulo), o autor começou a buscar parcerias para encenar o conteúdo. Uma delas se revelaria produtiva e duraria até o fim da vida do poetinha: Vinícius conheceu Tom Jobim, então com 29 anos, e juntos compuseram a trilha sonora para a peça, em fonogramas que são reproduzidos até hoje (como “Se todos fossem iguais a você”, “Lamento do morro” e “Eu e você”). A história é uma adaptação do mito grego de Orfeu, que não mede esforços para resgatar sua amada Eurídice. Na peça e no filme, a trama se passa na modernidade dos dias de hoje, e Orfeu é condutor de bonde na antiga capital federal brasileira. O grande barato é que toda a história acontece durante o Carnaval!

Falado completamente em inglês, o filme se passa nas ruas do centro e dos morros cariocas. Retratando a festa nacional mais conhecida no exterior, o samba está presente em cada momento da obra. Em alguns trechos, há diálogos entre os personagens no bom e velho português do Brasil, que também ecoa nos rádios e nas ruas, mas a maior parte do filme é falada em inglês. Conhecemos Orfeu (Breno Mello) e descobrimos que, além de condutor de bonde, o rapaz é extremamente mulherengo e uma referência musical desde as praias do Leme até o Pontal. Depois de se casar no civil com Mira (Lourdes de Oliveira), ele conhece a jovem Eurídice (Marpessa Dawn), recém-chegada à cidade. Eurídice nem veio para o Carnaval: ela está fugindo de um misterioso perseguidor, revelando que o medo do feminicídio é um tema antigo no cotidiano brasileiro. E, nessa fuga, a ajuda de Orfeu será crucial.

A produção e o investimento vieram de fora. Um filme é, em sua essência, o dinheiro que o financiou, e, nessa brincadeira de fazer cinema, vai muito tempo e muito dinheiro. Os recursos foram atribuídos à companhia Dispat Films & Gemma Cinematografica, de Paris… por isso, a película é gringa, e não tupiniquim, por assim dizer. É por isso também que a estatueta de Melhor Filme Internacional está creditada à França, mesmo sua genealogia ser essencialmente brasileira.


As filmagens aconteceram na antiga capital federal, entre agosto e dezembro de 1958. Já em maio de 1959, estreou no Festival de Cannes, arrebatando a premiação principal diante de outros dois pilares da cinematografia francesa: Hiroshima, Meu Amor (de Alain Resnais) e Os Incompreendidos (de François Truffaut). No júri do festival, estavam presentes, entre outros, o ator estadunidense Gene Kelly e o megaprodutor italiano Carlo Ponti – dois nomes que já eram devotos ao ritmo musical forjado por João Gilberto e Dorival Caymmi, que ganhava força plena em terras estrangeiras, principalmente nos EUA: a bossa nova.

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Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.