Por Lucas de Paula

Com direção de fotografia assinada por Michal Dymek, “A Garota da Agulha” (2024) surpreende com a utilização do preto e branco e chama atenção pela atmosfera que cria por meio dessa escolha, refletindo o sentimento de desesperança de toda uma época. Karoline (Vic Carmen Sonne) é uma operária que vive o pós-Primeira Guerra Mundial sem o marido e precisa colocar seu bebê para adoção, sem saber que a mulher que a recebe é uma serial killer de crianças. Toda a dor e angústia sentidas pela personagem podem ser refletidas pela escolha bicromática nas imagens, tão sem vida quanto a personagem.

Há ainda a influência da trilha sonora de Frederikke Hoffmeier, que utiliza de elementos que conversam não só com o preto e branco como com a cenografia crua da época. Aliás, não só conversam como, em alguns momentos, contrastam, a exemplo da escolha de batidas eletrônicas lá por volta dos 30 minutos finais, quando Karoline descobre o segredo de Dagmar (Trine Dyrholm). Esse contraste do atual com o antigo reflete o desejo de mostrar que os temas ali abordados continuam, na verdade, tão presentes quanto na época em que o filme se passa. 

Apesar de ser uma história sobre uma serial killer, “A Garota da Agulha” é também muito mais do que isso: é o retrato da miséria de um período histórico. A emoção dos atores em cada cena é potencializada pela escolha do preto e branco, já que, sem cores, o público se vê obrigado a estar ainda mais atento aos detalhes, que estão em todos os lugares, seja nos enquadramentos cuidadosamente escolhidos ou na iluminação meticulosamente pensada.

A história se passa no século XX, mas as dores e dilemas de uma mulher em vulnerabilidade podem facilmente também serem sentidas hoje. Os problemas sociais enfrentados ali deixam de ser apenas pano de fundo para uma assassina e se tornam protagonistas quando percebidos com profundidade. Fugindo de uma ótica dualista, “A Garota da Agulha” vai muito além do preto no branco.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.