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As obras de arte que marcam ‘Ainda Estou Aqui’
Ainda Estou Aqui usa arte como narrativa, destacando Oiticica e Katz para reforçar o contexto político e cultural do filme.
Por Donjorge Almeida em Parceria com Carolinna Amorim
O filme “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles, não apenas narra a comovente história da família Paiva durante a ditadura militar brasileira, mas também utiliza a arte como elemento central para enriquecer sua narrativa e ambientação. Muito se fala sobre as músicas como um grande pano de fundo para contextualizar a época, impossível não ficar com a música de Erasmo Carlos na cabeça quando você termina de assistir o filme, mas uma coisa me chamou mais atenção, que são as obras de arte que aparecem em toda a casa durante o filme.
“Metaesquema” de Hélio Oiticica
Não foi fácil identificar todas as obras que aparecem no filme. Há poucos registros das obras que foram utilizadas no cenário. Mas, a sala de jantar da família Paiva abriga uma pequena, porém significativa, pintura da série “Metaesquema” de Hélio Oiticica. A obra é um estudo que, posteriormente, deu origem a duas obras do artista: Bilaterais (1959) e os Penetráveis (1961-1980).
Hélio Oiticica (1937–1980) foi um dos mais importantes artistas brasileiros do século XX, conhecido por sua atuação no movimento neoconcreto e pela criação do conceito de “Tropicália”, que influenciou a música, a arte e a cultura brasileira no mesmo período em que o Brasil vivia um dos recortes mais duros e obscuros da sua história. Seu trabalho explora a interação entre o público e a obra, rompendo com a ideia tradicional da arte como objeto estático.
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Amizade com Renina Katz
Uma das peças que também chamou minha atenção no filme, pertence à renomada artista brasileira Renina Katz. A obra de serigrafia, de 1970, que não tem título, aparece na cena em que Rubens Paiva assiste ao noticiário sobre o sequestro do embaixador holandês. Nascida em 30 de dezembro de 1925, no Rio de Janeiro, Renina foi uma gravurista, desenhista, aquarelista, ilustradora e professora que iniciou sua carreira nos anos 1940. Ao longo de sua trajetória, transitou do realismo social para a abstração, explorando técnicas como xilogravura, serigrafia e litografia.
A obra não aparece no filme à toa, já que Eunice e Renina eram “amigas inseparáveis” desde quando Eunice ainda morava no Rio de Janeiro, como descreveu Marcelo Rubens Paiva em matéria da Veja São Paulo. Relação que, segundo a sobrinha da artista, Patricia Motta, em depoimento na mesma matéria, se estreitou após a mudança de Eunice para São Paulo.
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Arte como Resistência
O movimento artístico no Brasil teve um grande papel de resistência no período da ditadura militar. O tropicalismo defendeu uma posição crítica ao regime militar e os grandes festivais de música foram palco não só de expressão artística, mas também política. Logo, a integração dessas obras de arte no cenário de “Ainda Estou Aqui” não serve apenas como pano de fundo estético, mas enriquece a narrativa ao refletir as convicções e o contexto histórico dos personagens.
Através dessa cuidadosa direção de arte, o filme oferece ao público uma imersão profunda na atmosfera cultural e política do período retratado, bem como da intimidade da família, ressaltando a importância da memória e da identidade cultural na construção da história brasileira.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.