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O silêncio que ecoa: a influência de ‘Ainda Estou Aqui’ no debate sobre saúde mental no cinema
A obra oferece um retrato sobre os efeitos psicológicos da repressão política e sua herança na memória coletiva.
Por Lohuama Alves
O cinema tem o poder de retratar histórias de maneira sensível e explorar temas complexos e impactantes que abordam a importância da saúde mental. Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, é um filme essencial que trata de assuntos relacionados à dor, ao luto e aos traumas gerados por períodos de repressão política que o mundo enfrentava.
A obra conta a história de Rubens Paiva, interpretado por Selton Mello, um deputado federal e militante que foi preso e desapareceu durante a ditadura militar brasileira nos anos 70. O filme relata o impacto desse desaparecimento não apenas para a família de Paiva, mas também para toda uma sociedade marcada pelo silêncio e pela opressão, e que ainda reflete nos dias atuais.
A trama fala sobre o sofrimento de uma família que perde um ente querido sem poder realizar um luto saudável, destacando também o impacto do silêncio imposto pela ditadura, quando milhares de famílias enfrentaram a dor do desaparecimento de seus entes sem respostas oficiais. Além disso, o silêncio governamental sobre os desaparecimentos forçados, aliado à censura e à repressão, criou um ambiente de constante ansiedade e incerteza, que afetou a saúde mental do país inteiro.
As cenas de ansiedade dos familiares, provocadas pela ausência de respostas sobre o destino do político e de muitos outros militantes, retratam um tipo de angústia existencial que deixou traumas ao longo da vida.
No filme, Eunice Paiva, esposa de Rubens Paiva, interpretada pela atriz Fernanda Torres, mostra o sofrimento psíquico causado pela impossibilidade de um luto completo. Sem saber o que aconteceu com seu marido, ela não pode sofrer a perda de forma natural, o que resulta em uma dor prolongada e, muitas vezes, incompreendida, criando um ciclo de sofrimento que se estende por décadas.
Além do luto individual, Ainda Estou Aqui também se aprofunda no conceito de trauma coletivo. O desaparecimento de Rubens Paiva e de outros opositores ao regime gerou um impacto psicológico profundo nas famílias, amigos e na sociedade em geral. As gerações seguintes não só herdaram esse trauma, mas também enfrentaram os desafios de viver em um contexto em que as feridas nunca foram cicatrizadas.
Com a repercussão do filme, foi possível conhecer outras histórias iguais ou piores que a do político, assim como relatos marcantes de uma época em que o autoritarismo sufocava foram ganhando visibilidade e, assim, aliviando a mente de quem se calou por tanto tempo.
O papel do cinema na saúde mental e na memória coletiva
Ainda Estou Aqui se insere em uma crescente produção de filmes que abordam os efeitos psicológicos da ditadura militar brasileira, colocando em evidência a necessidade de compreender o trauma individual e coletivo causado pela repressão política. Essa é uma das importâncias do cinema, como forma de arte, que tem a capacidade de tratar essas questões de maneira empática.
No contexto atual, em que questões de saúde mental estão se tornando cada vez mais centrais nas discussões sociais, filmes desse gênero são fundamentais para que possamos olhar para os danos históricos e psíquicos causados. A obra contribui para abrir um diálogo sobre como o trauma e o silêncio moldam a saúde mental das pessoas e das sociedades, e como a memória e a justiça têm um papel crucial na cura.
Em comparação com outros filmes recentes, como A Guerra que Não Vimos (2021) e O Poço (2019), Ainda Estou Aqui se insere em um movimento mais amplo do cinema que, em sua busca por retratar as complexidades da saúde mental, desafia os limites da dor humana. Enquanto A Guerra que Não Vimos coloca o luto coletivo como um dos pilares da narração, discutindo os traumas das guerras não narradas, O Poço explora uma alegoria da sociedade de classes e os efeitos psicológicos do isolamento e da privação.
Já Ainda Estou Aqui se distingue pela sua abordagem histórica e introspectiva, que revela não apenas a dor do desaparecimento de Rubens Paiva, mas também a impossibilidade de um fechamento emocional. Este filme oferece um retrato do impacto psicológico da repressão política e de como a memória coletiva molda a saúde mental das gerações seguintes. Ao lado de outros filmes que discutem os efeitos do trauma social, a obra de Walter Salles resgata uma narrativa que insiste na necessidade de justiça e memória, com uma sensibilidade única que ecoa naqueles que vivenciaram a dor da perda sem respostas.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.