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30 anos da retomada: uma retrospectiva pelo cinema brasileiro
Em 2025, celebramos 30 anos do renascimento do cinema nacional e refletimos sobre as produções que marcaram essa fase.
Por Hyader Epaminondas
Com Fernanda Torres conquistando o marco histórico de se tornar a primeira atriz brasileira a ganhar o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama pelo filme ‘Ainda Estou Aqui’, o cinema nacional nunca esteve tão em destaque no cenário internacional. Agora, o filme acumula ainda mais prestígio com indicações ao Oscar 2025 nas categorias de Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz para Torres. Com a visibilidade ampliada nesta temporada de premiações, não há momento mais oportuno para valorizar e debater as produções brasileiras.
Além dos grandes sucessos que marcaram suas respectivas décadas como ‘Central do Brasil’, ‘Bacurau’ e o atual queridinho dos cinéfilos ‘Ainda Estou Aqui’, o nosso cinema possui um extenso currículo de obras desvalorizadas, mas igualmente valiosas. Essas produções, muitas vezes esquecidas, revelam a diversidade e a riqueza criativa do Brasil, demonstrando o potencial do nosso cinema para explorar novas narrativas.
Agora, imagine aquele momento em que você está apenas postergando tarefas importantes, rolando infinitamente o feed do Twitter enquanto o tempo foge pelos seus dedos. De repente, uma trend chama a sua atenção: uma lista dos melhores filmes brasileiros pelo ano de lançamento. Empolgado, você começa a anotar mentalmente alguns títulos, mas, antes que consiga salvar manualmente, o aplicativo atualiza sozinho e tudo desaparece.
Foi essa mistura de frustração e curiosidade que me motivou a escrever este texto. A ideia é destacar produções brasileiras que merecem mais atenção, aquelas que, apesar de sua qualidade evidente, ficaram fora do radar das redes sociais e do grande público.
Para tornar essa seleção mais interessante, decidi organizar os filmes por décadas, cobrindo três períodos principais: os anos 2000, 2010 e 2020 com as produções lançadas nos últimos quatro anos. Em cada período, escolhi três filmes de fácil acesso que atendem os seguintes critérios:
- sem repetições por ano: apenas um filme representará cada ano selecionado.
- sem repetição de diretores: cada filme destacado será de um diretor diferente, para oferecer maior diversidade.
- sem repetição de elenco: assim garantimos que os rostos e performances celebrados sejam tão diversos quanto as histórias narradas.
Menções honrosas
‘Casa de Areia’, o ‘Duna’ brasileiro, dirigido por Andrucha Waddington em 2005, trouxe um mergulho árido nas complexidades da resistência humana. Com atuações impressionantes de Fernanda Montenegro, Fernanda Torres e Seu Jorge, o filme narra a luta de duas gerações de mulheres contra o isolamento em meio a uma vasta paisagem de dunas, simbolizando o embate entre a fragilidade humana e a natureza implacável.
Já em 2022, ‘Fogaréu’, sob a direção de Flávia Neves, se destaca como uma obra carregada de simbolismo, investigando memórias e traumas familiares no interior do Brasil, apresentando a procissão do Fogaréu como plano de fundo no interior de Goiás. Com atuações arrebatadoras de Bárbara Colen e Nena Inoue, o filme combina beleza visual e narrativa para examinar feridas profundas e geracionais, mas infelizmente ainda aguarda sua estreia no circuito comercial, o que limita o acesso do público a essa jóia cinematográfica.
Em 2023, ‘Pedágio’, dirigido por Carolina Markowicz, apresenta uma reflexão afiada sobre relações familiares e escolhas éticas. A química entre Maeve Jinkings, com sua performance poderosa, e Kauan Alvarenga, com seu olhar de sensibilidade única, cria uma encruzilhada emocional profundamente impactante no conflito entre mãe e filho. O humor ácido da narrativa combinado com a autenticidade brasileira.
Com isso em mente, fique confortável e embarque nessa viagem pelo cinema brasileiro, e prepare-se para descobrir (ou redescobrir) pérolas que merecem um espaço na sua lista de prioridades e quem sabe postar no seu Letterboxd:
Os nostálgicos anos 2000
Vamos começar em 2001 com ‘Madame Satã’, dirigido por Karim Aïnouz em uma jornada pela biografia visceral de João Francisco dos Santos. O filme mergulha na intensidade da vida do protagonista, um artista que desafiava normas e se destacava na boêmia do Rio de Janeiro dos anos 1930. A atuação de Lázaro Ramos é o pilar da obra, transmitindo com profundidade as contradições e a força de um personagem inesquecível, em uma narrativa que alia beleza visual e impacto emocional. Karim também se destacou em ‘O Céu de Suely’ (2006), conduzindo Hermila Guedes no início de sua carreira a uma performance intensa. Mais recentemente, com o excelente ‘Motel Destino’ (2023), ele extraiu de Fábio Assunção uma das melhores atuações de sua carreira.
Em 2002, Cláudio Assis entregou ‘Amarelo Manga’, um retrato cru e denso da decadência urbana de Recife. A trama entrelaça personagens marcados por seus desejos e frustrações em um universo cinematográfico carregado de sensualidade e desespero existencial. Apesar de Leona Cavalli roubar o filme para si, são as atuações marcantes de Matheus Nachtergaele, Dira Paes e Chico Díaz que fazem o filme construir um mosaico humano poderoso, que evidencia as tensões e vulnerabilidades dos indivíduos enquanto escancara as feridas sociais de uma cidade à margem.
Já em 2006, Heitor Dhalia apresentou ‘O Cheiro do Ralo’, uma sátira ácida que desnuda a degradação moral e a obsessão pelo poder em meio ao grotesco e ao absurdo do cotidiano brasileiro. Selton Mello brilha com uma incrível falta de glamour proposital no papel de um protagonista completamente apodrecido, cuja trajetória é ao mesmo tempo cômica e perturbadora. Com diálogos afiados e uma estética que mistura o repulsivo e o fascinante.
A década de 2010, a era da pós-verdade
Em 2012, com ‘O Som ao Redor’, Kleber Mendonça Filho cria uma análise inquietante das tensões invisíveis que permeiam um bairro de classe média em Recife, onde o passado colonial se faz sentir em cada espaço e relação. Sei que falar de Kleber Mendonça Filho aqui pode parecer chover no molhado, mas ‘O Som ao Redor’ sempre me surpreende com aquele final inesperado. É um filme que transborda um desconforto silencioso, revelando como as dinâmicas sociais ainda são moldadas por hierarquias historicamente enraizadas.
Em 2017, veio a produção de terror ‘As Boas Maneiras’, com Juliana Rojas e Marco Dutra inovando os limites do cinema de gênero ao misturar fantasia e crítica social em uma história singular. Repleto de simbolismos, a obra aborda desigualdades sociais, maternidade e desejo, tudo envolto em uma atmosfera de terror e lirismo que subverte convenções narrativas.
Já no final da década, em 2018, ‘Paraíso Perdido’, de Monique Gardenberg, se destaca como uma celebração de amores não convencionais. Com performances musicais que tocam o coração, o filme transforma um bar numa travessa da Rua Augusta em São Paulo em um refúgio para almas marginalizadas. Gardenberg projeta dramas íntimos e narrativas de aceitação, reafirmando a força do afeto em tempos de incerteza.
No abismo social de 2020
Em 2022, ‘Propriedade’ chegava ao circuito comercial pela Sessão Vitrine Petrobras. Daniel Bandeira apresenta uma história provocativa que desnuda a violência estrutural e as tensões de classe no Brasil rural. Por meio de uma disputa por território, as personagens das atrizes Malu Galli e Zuleika Ferreira entram em um confronto pelo direito de viver, expondo camadas de opressão e resistência numa narrativa de duplo sentido proposital. É o retrato de um conflito que vai além do físico e atinge o cerne das desigualdades históricas do país.
No ano seguinte, ‘Tia Virgínia’, de Fábio Meira, trouxe um drama intimista que explora com delicadeza os segredos familiares e os conflitos entre gerações. Com uma atuação magistral de Vera Holtz, o filme revela a força transformadora do afeto em meio a ressentimentos silenciosos, compondo um retrato sensível de como as relações humanas podem ser simultaneamente frágeis e redentoras.
No começo de 2024 e encerrando este recorte, ‘Horizonte’, de Rafael Calomeni, apresenta uma visão poética e contemplativa sobre os ciclos da vida com uma interpretação sublime de Raymundo de Souza para dar vida a Rui. Entrelaçando histórias de busca e reconciliação, o filme é um convite a refletir sobre o tempo, a perda e a esperança com um olhar etéreo. Com um cenário de beleza melancólica, Calomeni traduz em imagens a profunda conexão entre o ser humano e o infinito, encerrando a trilogia temática com uma nota de rara introspecção.
E você que chegou até aqui, que tal compartilhar suas sugestões? Tem algum filme nacional imperdível para acompanhar as premiações do cinema em 2025?
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.