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Colman Domingo e a invisibilização de artistas negros no Oscar
Colman Domingo é indicado ao Oscar, mas sua trajetória reflete como Hollywood invisibiliza artistas negros por décadas.
Por Thiago Galdino
O nome de Colman Domingo figura entre os indicados ao Oscar 2025 na categoria de Melhor Ator por ‘Sing Sing’, longa que narra a história real de um grupo de detentos que vivenciam um processo de conversão pessoal através do teatro. O filme é influenciado pelo programa Rehabilitation Through the Arts (RTA), que existe, de fato, e tem mostrado resultados satisfatórios ao apostar no poder transformador da arte dentro do sistema carcerário.
Para muitos espectadores e até mesmo para a própria indústria, no entanto, a indicação de Domingo pode soar como uma recém “descoberta”. Contudo, para quem acompanha o cinema e, em particular, o teatro negro estadunidense, essa narrativa é absurdamente problemática. Colman Domingo não despontou agora. O mercado cinematográfico é que, por anos a fio, optou por não o enxergar.
Antes de ser apontado à edição atual, Domingo já acumulava um extenso e respeitável histórico no teatro, televisão e cinema. Ele se destacou pelo musical da Broadway ‘The Scottsboro Boys’, que lhe rendeu uma indicação ao Tony, e participou de produções de peso como ‘A Voz Suprema do Blues’, ao lado de Viola Davis e Chadwick Boseman. Conquistou, além disso, um Emmy por sua atuação em ‘Euphoria’.
Ainda assim, sua presença em grandes premiações sempre foi sutil, limitada às margens de Hollywood, para onde o show business insiste em conduzir artistas negros, independentemente de seu talento. Mais recentemente, em 2024, Colman Domingo também foi indicado ao Oscar por ‘Rustin’, tornando-se, depois de Denzel Washington, o segundo ator negro da história a ser indicado à categoria de Melhor Ator em anos consecutivos. À época, em entrevista à Vanity Fair, Colman afirmou: “Eu trabalho há 33 anos. Para mim, ter isso agora é porque as pessoas entenderam o que eu faço”.
Essa declaração parece comprovar o padrão recorrente da Academia: quando artistas negros são finalmente reconhecidos, são tratados como “enormes surpresas” ou “emergentes prodígios”, embora já possuam trajetórias de expressão. O mesmo aconteceu com a já citada Viola Davis em ‘Um Limite Entre Nós’ e com Regina King em “Se a Rua Beale Falasse’.
O apagamento se manifesta de diferentes formas: artistas negros recebem menos oportunidades para papeis de protagonismo, são excluídos de importantes premiações e só conseguem triunfo em interpretações altamente dramáticas ou que tenham ligação com o racismo e com a dor. Raramente vemos artistas negros indicados ao Oscar por comédias, romances ou ficção científica.
Se traçarmos um panorama desde a primeira cerimônia do Oscar, em 1929, a participação de artistas negros entre os indicados e vencedores tem sido acanhada. Sidney Poitier, memoravelmente, se tornou, em 1964, o primeiro artista negro a vencer o prêmio de Melhor Ator pelo filme ‘Uma Voz nas Sombras’. Passados quase um século, apenas outros cinco atores negros receberam o galardão: Denzel Washington, Jamie Foxx, Forest Whitaker e Will Smith. A situação é mais crítica na categoria de Melhor Atriz: Halle Berry permanece, até hoje, como a única mulher negra a vencer o prêmio de Melhor Atriz, em 2002, pela sua performance em ‘A Última Ceia’.
Outros casos notórios são os de Hattie McDaniel e Angela Basset: Em 1940, McDaniel tornou-se a primeira pessoa negra a ser vencedora de um Oscar como Melhor Atriz Coadjuvante por ‘E o vento levou’. Apesar desse marco, enfrentou discriminação e segregação, sendo frequentemente restrita a papeis estereotipados. Vale lembrar que a atriz e cantora sofreu racismo na própria premiação. Basset, por sua vez, mesmo com uma carreira prolífica e aclamada, recebeu há pouco tempo um Oscar Honorário, considerado por muitos como um reconhecimento tardio de sua contribuição ao cinema.
Retornando ao Domingo: o ator carrega não apenas o crédito de duas indicações históricas (2024/2025), mas também o de ser um homem negro assumidamente gay ocupando um espaço que por muito tempo foi negado a pessoas como ele. Sua presença no Oscar, mesmo que seja uma glória individual, é um símbolo para toda uma geração de artistas negros LGBTQIAPN+ que lutam por igualdade de oportunidade e visibilidade.
Não podemos, todavia, cair na armadilha de celebrar essas indicações como se fossem favores da Academia. O Oscar somente registra (por vezes, a contragosto) oficialmente aquilo que já era fato: Colman Domingo é um dos notáveis nomes do cinema contemporâneo.
A história nos lembra que, mesmo quando artistas negros vencem o Oscar, isso não significa necessariamente que suas carreiras darão forte salto automaticamente. A pergunta que ressoa é: o que a indústria fará com Domingo após a cerimônia, se premiado? O verdadeiro desafio não é unicamente laureá-lo, mas garantir que artistas negros continuem construindo caminhos sem depender da benevolência de um mercado cinematográfico míope.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.