Por Juliana Gomes

A presença de Ainda Estou Aqui no Oscar 2025, na categoria de Melhor Filme Internacional, reforça um padrão recorrente: o cinema como ferramenta de memória e resistência. O longa se une a outras produções nacionais e latino-americanas que levaram ao palco da maior premiação do cinema histórias marcadas pela repressão e pelas cicatrizes deixadas por regimes autoritários.

O Brasil já havia alcançado essa vitrine com O Que É Isso, Companheiro? (1997), dirigido por Bruno Barreto. Inspirado no livro homônimo de Fernando Gabeira, o filme dramatiza o sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick em 1969, uma ação protagonizada por militantes que resistiam à ditadura militar. Com um tom mais direto e dinâmico, o longa enfatiza a tensão política e os bastidores da luta armada, refletindo um momento em que o cinema ainda explorava o tema sob a ótica do conflito direto entre guerrilha e repressão.

Ainda Estou Aqui, lançado quase três décadas depois, se diferencia por uma abordagem mais subjetiva, centrando-se na memória e nas consequências emocionais do regime. Essa mudança reflete uma tendência observada não só no cinema brasileiro, mas também em outras cinematografias latino-americanas que revisitam suas ditaduras.

A Ditadura no Cinema Latino-Americano e o Reconhecimento no Oscar

O Brasil não está sozinho nessa narrativa. A América Latina tem um histórico marcante de filmes que resgatam memórias das ditaduras do século XX, e muitos deles chegaram ao Oscar.

Em 1985, a Argentina venceu seu primeiro Oscar com A História Oficial, de Luis Puenzo. O filme expõe a busca de uma mãe por respostas sobre a origem de sua filha adotiva, em um contexto de repressão e desaparecimentos forçados durante a ditadura militar argentina. A produção trouxe uma perspectiva feminina e íntima da violência do Estado, algo que também ressoa em Ainda Estou Aqui.

Quase quatro décadas depois, a Argentina voltou a ser premiada com Argentina, 1985 (2022), de Santiago Mitre. O filme aborda o julgamento dos responsáveis pelo regime militar argentino, mostrando a batalha judicial para levar os crimes da ditadura à justiça. Esse olhar sobre a necessidade de responsabilização do passado também dialoga com o tom de Ainda Estou Aqui, que não apenas revisita as feridas da repressão, mas questiona a forma como a sociedade lida com elas.

Outro exemplo forte vem do Chile, com No (2012), de Pablo Larraín. O filme retrata a campanha publicitária que ajudou a derrubar a ditadura de Augusto Pinochet no plebiscito de 1988. Com um olhar documental e um estilo visual que remete aos registros televisivos da época, No mostra o poder da comunicação na luta política. Diferente de Ainda Estou Aqui, que foca nos impactos emocionais da ditadura, No traz uma visão mais estratégica da resistência.

Já no Brasil, outras obras como Batismo de Sangue (2006) e Zuzu Angel (2006) também exploraram as cicatrizes da ditadura, mas sem alcançar a mesma projeção internacional. A nomeação de Ainda Estou Aqui ao Oscar pode representar um novo momento para o cinema brasileiro no resgate dessa memória.

O Cinema como Ferramenta de Resistência

O Oscar tem sido uma plataforma onde histórias sobre ditaduras latino-americanas encontram visibilidade global. A evolução dessas narrativas reflete mudanças na forma como a sociedade lida com esse passado: se antes a abordagem era mais centrada em eventos políticos e confrontos diretos, hoje há um movimento crescente para explorar os impactos emocionais e individuais.

A presença de Ainda Estou Aqui na premiação reforça essa tendência, trazendo um olhar mais sensível e profundo sobre o que significa sobreviver a um regime de repressão. Mais do que recordar o passado, o filme provoca um questionamento essencial: como as marcas da ditadura ainda reverberam na nossa sociedade?

Com essa indicação, o Brasil reafirma o papel do cinema na preservação da memória e na construção de um debate necessário para que essas histórias nunca sejam esquecidas.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.