O alinhamento dos plutocratas das BigTechs ao manipulador presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reacendeu a necessidade de pensarmos alternativas tecnológicas para serviços como Facebook, Instagram, Whatsapp, X, entre outros. O Brasil vive hoje uma dependência digital, econômica e cultural que se agravou nos últimos anos e contribui para a desestabilização da nossa democracia. O que fazer diante disso? 

Nas últimas semanas, uma profusão de posicionamentos emergiu. Agentes do governo, parlamentares, ativistas da sociedade civil e empreendedores estão se movendo em busca de respostas. No Congresso Nacional, volta à pauta a discussão sobre regulação das BigTechs. Vários ativistas, empreendedores e gestores públicos têm buscado entender melhor a potência do fediverso, de redes como a Mastodon

Em dois artigos do último mês, aqui na Mídia Ninja, evoquei a importância da visão brasileira de cultura digital, a qual marcou a primeira década do século 21 e promoveu uma aliança improvável entre hackers e gestores públicos. Também defendi a importância da construção de alternativas soberanas baseadas em software livre, como é o caso da DeepSeek chinesa. Nesses dois textos, eu estava falando da potência dos comuns digitais.

Essa ideia-força, a dos comuns digitais, pode nos auxiliar a organizar a luta por um ecossistema digital democrático, soberano e criativo. Contra o novo pacto pós-neoliberal, que une super ricos à extrema direita, se torna ainda mais necessário agir em defesa dos comuns, em todas as dimensões da vida. Contra a privatização generalizada, a aposta deve ser a afirmação do protagonismo das maiorias subalternizadas, organizadas em comunidades capazes de se autogovernar. 

Fazer o comum, no mundo digital, significa articular comunidades criativas em torno de tecnologias e/ou serviços baseados na informação e no conhecimento, as quais alimentem a coletividade e se mantenham como um bem de todos e de ninguém. Em um ambiente digital organizado para o bem comum, a tecnologia e os serviços de redes sociais não são controlados como mercadoria, ainda que possam ser explorados economicamente. Um exemplo clássico de comum digital é a Wikipedia. Mas existem muitos outros. 

A essa altura da leitura você pode estar pensando: legal, mas isso aí não passa de uma utopia. Ok, não deixa de ser. Mas não é só. Os comuns digitais são defendidos, por exemplo, pelo governo francês, no âmbito da União Europeia, e estão na base da nova aliança pelos bens públicos digitais promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). De certa forma, portanto, já estão se tornando aquilo que defendo aqui: uma ideia-força capaz de unificar nossas ações de construção de um mundo digital democrático. 

Em um artigo traduzido pelo Outras Palavras, a economista Mariana Mazzucato, autora do livro O Estado Empreendedor e que esteve novamente no Brasil esta semana, defende a criação de um “ecossistema de inovação descentralizado que sirva ao bem público”. É isso que defendo. E mais: penso que esse ecossistema deve ser indutor de tecnologias e serviços que beneficiem o bem comum e não que sirvam para o super enriquecimento de super ricos neofascistas. Há uma outra economia para ser construída e esse é o papel de uma esquerda contemporânea digna desse nome. 

“Não se trata de escolher entre inovação e regulamentação, nem se trata de gerenciar o desenvolvimento tecnológico de cima para baixo. Trata-se de criar incentivos e condições para direcionar os mercados a entregar os resultados que desejamos como sociedade”, escreve Mazzucato. Quando analisamos a atuação das forças que se opõem às BigTechs, parece haver um peso excessivo na articulação de uma resposta regulatória que impeça e/ou condicione o comportamento desses atores globais. Mas o que escreveu Mazzucato sobre a Inteligência Artificial deve ser aplicado também às demais tecnologias de informação e comunicação. 

O caminho é um e outro, regular e fomentar, para construir comuns digitais.