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Órgão de defesa do patrimônio diz que não foi informado sobre demolição do Teatro Ventoforte
Com espaço destruído por tratores da Prefeitura de SP, Ventoforte é um dos mais icônicos grupos teatrais do país
O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) informou que a prefeitura demoliu sem a autorização prévia o Teatro Ventoforte e a Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul, no último dia 13 de fevereiro.
O Parque do Povo, na zona oeste da cidade, onde o teatro é localizado, foi tombado em 1995 com o objetivo de garantir a preservação da base material para a realização de atividades culturais e de lazer. De acordo com a resolução de tombamento, qualquer modificação no espaço precisa de autorização prévia do Condephaat. Além disso, o espaço onde estavam o Teatro Ventoforte e a Escola de Capoeira também foi reconhecido como patrimônio cultural pela Secretaria Municipal de Cultura em 2016, na gestão de Fernando Haddad.
Uma liminar de demolição do Teatro Ventoforte foi emitida em 2023, mas a comunidade de artistas só tomou conhecimento após a demolição. Ainda assim, o Condephaat afirma, em nota, que “intervenções em imóveis tombados necessitam de deliberação, autorização e disponibilização dos documentos necessários para posterior execução pelo autor do pedido”.
A polêmica em torno da demolição mobilizou diversas esferas da sociedade e do poder público. Na última terça-feira (18), em audiência solicitada pelo deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP), o Ministério da Cultura (MinC) discutiu o caso e afirmou que estudará a reconstrução dos espaços destruídos.
“A magnitude dessa destruição reforça a necessidade de políticas públicas que tratem o patrimônio cultural com o respeito que ele merece. Estamos empenhados em ouvir as demandas, analisar a situação de forma jurídica e construir, junto com os parceiros, caminhos que protejam nossos equipamentos culturais,” ressaltou a ministra Margareth Menezes, em nota publicada pelo Ministério da Cultura.
Em nota, a comunidade de artistas que integram o Teatro Ventoforte também responsabiliza a atual administração da sede, que veio degradando e descaracterizando o espaço com a exploração de atividades comerciais em serviço próprio.
“Estamos falando, com inegável e reconhecida autoridade, em nome do grande criador Ilo Krugli, que dedicou toda a sua existência, não só à construção e formação de uma nova identidade revolucionária para o teatro dirigido à infância e juventude, mas também à dramaturgia como um todo”, escreveu o grupo.
Viva Ilo Krugli
O Teatro Ventoforte, cujo espaço foi demolido na manhã de 13 de fevereiro por tratores da Prefeitura de São Paulo, é um dos mais importantes grupos culturais do país, com mais de meio século de história. “Um patrimônio histórico e cultural erguido por diversos artistas hoje renomados onde tiveram a oportunidade de aprender a cultura. Sem avisar, sem preparar as pessoas o poder público destruiu a cultura brasileira hoje!”, escreveu em nota o perfil do Teatro Ventoforte, compartilhando as imagens da destruição.
O Teatro Ventoforte nasceu em 1974, no Rio de Janeiro, e migrou para São Paulo em 1984. Ocupou parte de um lixão, próximo da Marginal Pinheiros, e resistiu a inúmeras ameaças de desapropriação. Com o crescimento econômico da atual sede e do bairro Itaim Bibi, o teatro tem sido alvo constante da especulação imobiliária.
O grupo é conhecido especialmente por conta de seu fundador, o autor, diretor e ator de teatro Ilo Krugli. Sua expressividade na construção de espetáculos teatrais, cheios de simbologias, alicerçados na cultura popular, nas danças brasileiras, no diálogo com a criança, era a grande riqueza de Ilo Krugli e do Teatro Ventoforte. Filho de judeus poloneses que imigraram para a Argentina, nasceu e passou a adolescência em Buenos Aires.
Com forte influência do poeta e dramaturgo espanhol Federico Garcia Lorca, Ilo inaugurou no Brasil uma nova maneira de pensar e viver o teatro. Seu estilo se tornou referência para várias gerações de artistas e educadores.
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“Os primeiro integrantes do nosso grupo plantaram todas as árvores que ali estão e, com um projeto arquitetônico cuidadosamente elaborada de forma coletiva e orientado e assinado brilhantemennte por um arquiteto do grupo, conseguimos a cessão do terreno para nossas atividades culturais, a saber: montagem de espetáculos, oficinas de criação e formação de novos atores e núcleos teatrais, eventos, festivais e muitas outras ações”, escreveu o perfil do grupo Teatro Ventoforte. “Construímos três teatros: Teatro dos Pés, Teatro das Mãos, Teatro dos Olhos. Um coreto, uma fonte, quatro portões assinados por um grande artista plástico (Adão Pinheiro): Portão da Terra, da Água, do Fogo, do Ar”.
Com a morte de Ilo, em 2019, o grupo do Teatro Ventoforte deixou de usar o espaço no Parque do Povo, que permanceu abrigando todo o acervo cultural de Ilo Krugli. Uma das experiências culturais abrigadas pelo espaço é o tradicional cazuá de Capoeira da Associação Cruzeiro do Sul, dirigida por Mestre Meinha Santos, que também teve seu acervo destruído em 13 de fevereiro.