‘Centro Ilusão’: A potencialidade da harmonia geracional e a resistência da arte cearense
Filme foi exibido na programação da 28ª Mostra de Tiradentes
Por Lilianna Bernartt
“Fico com receio de dizer que o filme é um musical, porque estamos acostumados com um padrão hollywood de musical, em que tudo é muito grande, plastificado. ‘Centro Ilusão’ é um filme sobre música, arte e o humano, do jeito mais brasileiro possível”.
A frase dita por Bruno Kunk, ator, cantor e um dos protagonistas de “Centro Ilusão”, sabiamente sintetiza o novo filme de Pedro Diogenes, diretor de “Inferninho” (2018) e “A Filha do Palhaço” (2022).
“Centro Ilusão” é uma obra que transcende a convencionalidade do musical, trazendo à tona a magia e a crueza da realidade por meio de um chamamento sensorial profundo. O filme acompanha o encontro de Tuca (Fernando Catatau), um músico experiente, mas frustrado com sua carreira, e Kaio (Bruno Kunk), um jovem músico, ainda dotado do frescor da perspectiva. Ambos disputam por uma vaga em um laboratório de música na cidade de Fortaleza.
Ao invés de focar na análise geracional sob a ótica do conflito, Pedro Diogenes propõe a somatória de experiências. O encontro, ao invés de repelir as duas figuras centrais, acaba por aproximá-las e o filme se destaca pela forma como propõe uma fusão harmônica entre gerações, abordando os dilemas historicamente cíclicos da sobrevivência artística com uma sensibilidade real e humana que mescla a esperança e o desencanto.
Ao mergulhar na trajetória dos dois músicos, Diogenes constrói e expande uma jornada de reflexão sobre o processo criativo artístico, as concessões que ele exige e a luta pelo fazer artístico em um país que constantemente ignora a importância e história de sua arte.
A beleza de “Centro Ilusão” está na sua habilidade de respeitar a temporalidade: da música e da vida. O filme se apropria de algumas estruturas do gênero musical, mas com muita personalidade: sem pressa para que a história avance, dando o espaço e tempo para que a arte se manifeste. Planos longos e canções apresentadas na íntegra permitem a imersão do espectador na performance, de forma que a música passa de elemento de narrativa à narrativa em si.
No entanto, junto à poética e beleza da arte, caminham a solidão, a incerteza e a luta diária pela sobrevivência em um sistema capitalista e fugaz em que arte e cultura ocupam as últimas posições da lista de prioridades sócio econômicas.
“Revolto no mar eu lamento
As trevas do pensamento
É preciso mudar
É Preciso mudar”
A letra de “Luz do Fim de Tarde”, de Fernando Catatau, traduz bem a sensação de sua personagem no filme, já cansado de uma relação até por vezes tóxica com a música, ele se questiona quanto ao seu realizar.
A tensão entre a vida artística e a sobrevivência financeira, limitações e injustiças de um mercado musical díspar refletem diretamente na vontade de Tuca em continuar a fazer o que lhe move, performando. Assim como Tuca, o filme passa por diversas personagens que abdicaram – conscientes ou não – de seus sonhos por uma vida “mundana”.
Já Kaio é o frescor da juventude, que ainda acredita na arte como uma forma de emancipação.
A troca de experiências entre as duas personagens centrais resulta num terceiro ato/elemento, na proposição da esperança, perpetuação da resistência do fazer artístico, e identificação.
Identificação que também se concentra na forma como o filme exalta o cenário musical independente cearense. Pedro Diogenes destaca paisagens sonoras e concretas, muitas vezes marginalizadas na cena cultural nacional, que se reafirmam como um centro artístico autêntico e pulsante, que luta para ser reconhecido e respeitado. O filme também é um tributo a essa cena vibrante, que, mesmo diante da escassez de recursos, continua a produzir arte com um fervor e qualidade inabaláveis.
Em conversa com o diretor, Pedro contou que o filme partiu de sua própria frustração diante de negativas de aplicações de seus projetos cinematográficos em editais e festivais. A incerteza que rege a profissão. Ri empaticamente. Quem trabalha com arte não só sabe, como vivencia a força motora da resiliência. Assim como suas próprias personagens, com “Centro Ilusão”, Pedro Diogenes propõe, desafia e ressignifica constantemente seu fazer cinematográfico deixando com que as dificuldades sirvam de filtro para este elemento – fruto, o desconhecido e inexplicável que, no caso dele, continua resultando em ótimos filmes.