Por Vanessa Santos e Gustavo Guterman, publicado originalmente no blog Comida RJ-CE

O futuro da gastronomia no Brasil é um chamado para todos que acreditam no poder transformador da comida. Cada prato, cada técnica e cada ingrediente carregam histórias e a possibilidade de mudar realidades. Seja na preservação dos biomas, no combate à fome ou na valorização das culturas alimentares, o papel dos cozinheiros e cozinheiras vai muito além da cozinha. É sobre criar pontes entre passado e futuro, inspirando uma sociedade mais consciente e conectada com suas raízes.

A gastronomia no Brasil vai muito além de receitas. Ela é um reflexo da nossa diversidade natural e cultural, que se manifesta de norte a sul do país. Ao considerar os biomas brasileiros, é possível enxergar a riqueza de insumos e histórias que moldaram nossa culinária e que podem ser a base para transformar a educação em gastronomia. No entanto, o desafio não é apenas valorizar esses recursos, mas integrá-los de forma estratégica aos currículos, conectando o saber técnico à valorização das culturas alimentares e à preservação ambiental.

Essa formação também precisa preparar profissionais para serem líderes, capazes de articular a riqueza natural do Brasil com práticas modernas e sustentáveis. Eles não devem apenas aprender a executar pratos, mas também a compreender os impactos sociais, econômicos e ambientais da comida. Quando a educação em gastronomia se alinha a esses princípios, ela transcende a sala de aula, tornando-se um verdadeiro agente de transformação para o mercado e a sociedade.

Você sabia que o Brasil abriga seis biomas incríveis – Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pantanal e Pampa – e que essa diversidade molda diretamente a nossa culinária? Cada um desses biomas contribui com ingredientes únicos, como o tucupi e o jambu da Amazônia, o pequi do Cerrado, o umbu da Caatinga e os queijos artesanais de Minas Gerais(ligados às regiões de Cerrado e Mata Atlântica). Esses insumos, além de darem sabor aos pratos, carregam histórias e tradições culturais que formam a base da gastronomia brasileira.

Mas será que as escolas de gastronomia têm aproveitado todo esse potencial? Para muitos estudantes e professores, a resposta ainda é um “não”. Apesar de a gastronomia brasileira ser uma das mais ricas do mundo, a educação na área ainda enfrenta desafios, como a falta de conexão entre o que é ensinado e a valorização da biodiversidade e das culturas regionais. Transformar esse cenário exige que as escolas incorporem o estudo dos biomas e suas cadeias produtivas no currículo. Só assim será possível formar profissionais que saibam unir técnica, inovação e respeito à natureza.

GASTRONOMIA COMO AGENTE DE TRANSFORMAÇÃO

Mais do que isso, a gastronomia tem o poder de influenciar os padrões culturais e econômicos da sociedade. Ao incorporar práticas éticas e sustentáveis, os profissionais da área podem fomentar novos hábitos de consumo que beneficiem não só o meio ambiente, mas também as comunidades envolvidas na produção de alimentos. Seja promovendo feiras de produtores familiares, incentivando o uso de ingredientes regionais ou criando projetos de inclusão social, o cozinheiro moderno tem a oportunidade de liderar uma revolução silenciosa em prol de um sistema alimentar mais justo e resiliente.

Aprender gastronomia vai muito além de cozinhar bem. É sobre entender como a comida conecta culturas, gera impacto social e econômico e pode até transformar a relação das pessoas com o meio ambiente. Para isso, as técnicas culinárias – como cortes, fermentação e métodos de cocção – são mais do que ferramentas; elas são pontes entre o passado e o futuro da alimentação. Trabalhar com ingredientes locais, como frutos do Cerrado ou peixes amazônicos, exige não só habilidade técnica, mas também conhecimento sobre sazonalidade e formas sustentáveis de produção.

A gastronomia também tem um papel importante no combate à fome. Profissionais bem formados podem ser agentes de mudança, criando cadeias alimentares mais justas e acessíveis. Ao trabalhar com produtores familiares e valorizar a biodiversidade, os cozinheiros ajudam a construir um sistema alimentar mais inclusivo. Além disso, quando dialogam com a sociedade, eles podem inspirar comportamentos mais conscientes sobre consumo e desperdício de alimentos.

O QUE FALTA?

Além disso, é fundamental que as instituições de gastronomia, públicas ou privadas, percebam o potencial transformador de seus cursos não apenas no mercado, mas também na sociedade. A integração de pesquisas científicas com práticas educacionais pode gerar soluções inovadoras para desafios como desperdício de alimentos, sustentabilidade e valorização dos produtores familiares. Ao promover currículos que conectem essas questões com o ensino técnico, as escolas podem formar profissionais mais preparados para enfrentar os complexos desafios do sistema alimentar contemporâneo.

No Brasil, temos mais de 290 cursos de gastronomia, espalhados por instituições públicas e privadas. Mas será que todos eles estão preparados para formar profissionais completos? Tanto nas instituições públicas quanto nas privadas, o foco está em atender às demandas do mercado, mas com abordagens diferentes. Já as instituições públicas, além de oferecerem ensino gratuito, têm o desafio de promover a inclusão social e produzir conhecimento científico. Ambas são essenciais, mas ainda há um longo caminho para integrar o ensino técnico com temas como sustentabilidade, gestão de negócios e preservação cultural.

Um exemplo claro da necessidade de avanço está na evasão. Muitos alunos desistem dos cursos por sentirem que o aprendizado não reflete a realidade do mercado ou por falta de suporte financeiro. Laboratórios bem equipados, parcerias com empresas e currículos mais dinâmicos podem ajudar a mudar esse cenário, mostrando que a educação em gastronomia é um diferencial competitivo.

OLHANDO PARA O FUTURO
Formar cozinheiros e cozinheiras profissionais é o verdadeiro objetivo das escolas de gastronomia. Valorizar ingredientes locais e incentivar a economia regional, enquanto se ensinam técnicas modernas e inovadoras, são exemplos de como a educação em gastronomia pode promover o desenvolvimento sustentável e fortalecer as culturas alimentares.

Mas o futuro também exige um olhar atento para os desafios do presente. A preservação dos biomas depende de práticas sustentáveis, enquanto o combate à fome requer profissionais que compreendam o impacto social de suas escolhas. A gastronomia tem o poder de ser a ponte entre essas questões, promovendo justiça social e desenvolvimento sustentável. Mais do que preparar pratos, cozinheiros e cozinheiras têm o potencial de moldar comportamentos, influenciar políticas públicas e reforçar a importância da cultura alimentar como patrimônio.

Você, que escolheu a gastronomia como caminho, tem em mãos as ferramentas para ser um agente de mudança. Ao resgatar tradições, liderar inovações e abraçar a responsabilidade social, você ajuda a construir um país onde a comida não é apenas alimento, mas também esperança, identidade e transformação. O futuro começa agora, com as escolhas que fazemos juntos, à mesa e na vida.

**Este texto faz parte da série especial “A Dignidade,” em que o professor Gustavo Guterman discute a necessidade urgente de regulamentação e de condições de trabalho justas para cozinheiros(as), com base em exemplos internacionais que demonstram o impacto positivo da regulamentação. Na série, trataremos da regulamentação como um caminho para que cozinheiros(as) tenham seus direitos garantidos e sua saúde e bem-estar preservados, protegendo esses profissionais de condições insalubres e jornadas excessivas.

SOBRE OS AUTORES

” Juntando o nosso tempo de trabalho dedicado à Gastronomia dá 45 anos! Cozinha, gestão, coordenação de cursos, sala de aula, fóruns, congressos, textos, blog, e muita, muita dedicação pela Gastronomia. Por ela, para ela, por respeito a todos que fazem parte, tentamos juntar a experiência dos dois para contribuir com a profissão que garante que as pessoas comam, que garante saúde, alegrias e sentimentos. – Vanessa Santos e Gustavo Guterman, professores de gastronomia e produtores de conteúdo no blog Comida RJ-CE.