Organizações pressionam governador de MT para vetar projeto que converte áreas da Amazônia em Cerrado
A própria secretária de Meio Ambiente de Mato Grosso, Mauren Lazzaretth, pediu veto ao projeto já que ele foge do texto original
Organizações socioambientais, povos indígenas e comunidades tradicionais estão em campanha para que o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), vete um projeto de lei que reclassifica áreas de vegetação nativa do estado. Aprovado no último dia 8 de janeiro pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), o Projeto de Lei Complementar (PLC) n°18/2024 converte parte da Amazônia para o bioma Cerrado.
A votação, realizada às pressas e sem anúncio de que a matéria seria discutida em sessão ordinária, foi feita a partir de manobra de uma maioria de deputados estaduais para reduzir a proteção ambiental da região. O bioma Cerrado possui regras de preservação menos rígidas no Código Florestal Brasileiro. A mudança permite, portanto, que até 65% da vegetação reclassificada como Cerrado seja desmatada em propriedades privadas. Na Amazônia o limite é de 20%.
Na prática, o projeto vai possibilitar o desmatamento de 5,5 milhões de hectares de florestas. Em nota de repúdio, o Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT) reivindica que o governo estadual vete o projeto. “Essa mudança impacta mais de 10% do território mato-grossense”, destaca o texto da nota de repúdio.
O texto original é de autoria do governador em exercício Otaviano Pivetta (Republicanos) e previa apenas a substituição da base de dados para classificação da vegetação, adotando o Mapa de Vegetação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no lugar do sistema RADAMBRASIL. Segundo a justificativa inicial, a mudança buscava tornar os critérios de categorização mais objetivos, “evitando interpretações ambíguas ou imprecisas”.
Entretanto, ao longo de sua tramitação, o projeto sofreu alterações substanciais. Uma série de substitutivos integrais, culminando na versão final apresentada pelo deputado Nininho (PSD), alterou significativamente o teor da proposta original. Além de modificar o propósito inicial, o texto final desconsidera as orientações do IBGE para a classificação de biomas. Em vez de seguir critérios que consideram as formas de vida dominantes, a classificação passou a ser baseada apenas na altura média das árvores, o que especialistas apontam como uma abordagem limitada e prejudicial à conservação ambiental.
Tendo em vista essas alterações, a própria secretária de Meio Ambiente de Mato Grosso, Mauren Lazzaretth, se manifestou favorável ao veto do PLC. Em nota, a Sema disse “esclarecimentos devem ser solicitados ao Legislativo Estadual, já que a proposta original não tem nada a ver com o texto aprovado. Quando recebermos o projeto, a Sema vai reforçar o que já havia sido alertado, se posicionando a favor do veto da proposta”, disse.
Para a consultora jurídica do Observa-MT, Edilene do Amaral, a ALMT ignorou todos os alertas das organizações socioambientais. Os deputados teriam utilizado de uma manobra política dúbia para manipular um projeto de lei que surgiu como uma discussão técnica e se transformou em uma estratégia de legalização do desmatamento em Mato Grosso.
“O Observa-MT acompanhou o PLC18/2024 desde o princípio e com base no nosso monitoramento é nítido que houve uma manipulação da proposta durante o seu processo. A maneira como o processo ocorreu só nos leva a entender que a única intenção do projeto é flexibilizar as leis e possibilitar o aumento do desmatamento. Um retrocesso legislativo e ambiental que só colocaria Mato Grosso nos piores cenários e na contramão do avanço em prol da sustentabilidade”, declarou Edilene, consultora jurídica do órgão.
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) classificou a medida como um “ataque direto à preservação ambiental”. Segundo a organização, além de abrir caminho para o desmatamento, a reclassificação ignora a importância das áreas de transição entre os dois biomas, conhecidas como ecótonos, que são fundamentais para a biodiversidade e para o equilíbrio climático.
O governador Mauro Mendes (União) afirmou à imprensa que consultará o parecer da Procuradoria Geral do Estado de Mato Grosso para decidir pela sanção ou veto. “Nessa questão específica, preciso entender um pouco melhor. Eu já ouvi o lado da secretaria [Sema], que está se manifestando pelo veto e explica as razões, vou ouvir a Procuradoria e vou tomar a decisão”, disse Mendes ao ser questionado.
Com informações do Observa-MT, MidiaNews e G1