por Larah Camargo

Comer, definitivamente, não é uma mera decisão individual: tradições culturais, hábitos familiares, o marketing das grandes indústrias alimentícias e até a disposição estratégica dos produtos nas prateleiras de supermercados influenciam nossas escolhas alimentares. Elas são resultado da interação de diferentes elementos que compõem os chamados “ambientes alimentares”.

O campo da nutrição que investiga os ambientes alimentares busca compreender quais são estes aspectos que influenciam o comportamento do consumidor. Pesquisadora no Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens/USP), a nutricionista Camila Borges explica que, na hora de escolher o que vai à mesa, estão em jogo fatores individuais – como preferências alimentares, cultura regional e familiar, crenças e religião – e fatores físicos, sociais, econômicos e políticos.

A proximidade é um aspecto significativo: “A gente tem a tendência de comer o que está mais facilmente disponível, perto de onde a gente circula e que recebemos mais influência para consumir”, pontua Maria Alvim, pesquisadora do Nupens/USP. Os estudos da área indicam que em locais onde não há oferta de alimentos saudáveis – os chamados “desertos alimentares” – e em regiões em que a disponibilidade de produtos ultraprocessados e não saudáveis é facilitada – conhecidos como “pântanos alimentares” -, a população tende a fazer piores escolhas de consumo. Uma pesquisa recente da UFMG analisou a percepção dos residentes de favelas brasileiras sobre o ambiente alimentar e mostrou que moradores de periferias têm mais dificuldade de acessar comidas saudáveis e consomem mais ultraprocessados.

A renda familiar e o poder de compra também são decisivos: “Quanto menor a renda, mais compromete a alimentação, especialmente a alimentação saudável”, reforça Camila. Um estudo do Nupens/USP de 2020 projetava que o preço da comida não saudável superaria o da saudável em 2026 no Brasil. Mas, recentemente, os pesquisadores constataram que, desde 2022, esse cenário já era uma realidade: enquanto o preço por quilo dos alimentos in natura, minimamente processados e ingrediente culinários passaram de R$ 15,11 para R$ 17,34, o dos ultraprocessados caiu de R$ 21,78 para R$ 18,60 em comparação entre 2018 e 2022.

E apesar de provocarem cerca de 57 mil mortes prematuras por ano no Brasil, na votação da Reforma Tributária que ocorreu em julho deste ano, os ultraprocessados ficaram de fora da cobrança do imposto seletivo. O tributo, conhecido como “imposto do pecado”, foi criado para desestimular o consumo de itens que provocam danos à saúde e ao meio ambiente, como minérios, veículos poluentes, cigarros, bebidas alcóolicas e refrigerantes.

Em uma carta publicada no periódico científico The Lancet Regional Health, pesquisadores apontam que países que implementaram políticas fiscais sobre ultraprocessados e bebidas açucaradas, como México, Chile, França e Hungria, tiveram redução no consumo destes produtos e melhorias nos indicadores de saúde pública, além da diminuição dos custos com tratamento de doenças crônicas no SUS. 

Ana Clara Duran, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (NEPA) da Unicamp, destaca que ações como a tributação e a rotulagem frontal são fundamentais para restringir o acesso aos ultraprocessados: “Todas essas políticas têm o grande objetivo de fazer com que a escolha saudável seja a escolha mais fácil”.

As estratégias do varejo

Supermercados empregam diversas estratégias para convencer o consumidor. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil.

Nas prateleiras dos supermercados, nenhuma escolha é por acaso. O varejo utiliza de diversas estratégias para induzir o consumidor à compra, como posicionar doces e cereais açucarados na linha de visão das crianças e colocar refrigerantes próximo aos caixas para persuadir o consumo impulsivo na última hora. No Brasil, onde 51,9% das compras de comida vêm de supermercados, um estudo mostrou que as aquisições de alimentos em supermercados foram associadas ao maior consumo de ultraprocessados na população.

Camila, que pesquisa sobre ambientes alimentares do varejo, participou do desenvolvimento da Audit-Nova, um instrumento para auditar esses estabelecimentos comerciais e gerar um “índice de saudabilidade” que vai de 0 a 100. Uma pesquisa conduzida por ela analisou 650 comércios de alimentos em Jundiaí (SP) – como supermercados, mercadinhos, açougues, padarias, lojas de conveniência e até farmácias – e constatou que, apesar de os supermercados contarem com uma sessão de hortifruti, a grande maioria dos alimentos presentes eram ultraprocessados. Na epidemiologia nutricional, ambientes que facilitam as escolhas não saudáveis são chamados de “ambientes obesogênicos”.

Para além do tipo de comida disponível, o Audit-Nova também avaliou a quantidade de estratégias promocionais e mercadológicas que estimulavam a compra de ultraprocessados, levando em consideração o preço e a publicidade em torno da aquisição de alimentos não saudáveis: “A gente analisa três grandes fatores que geram este escore. Quanto mais próximo de 100, mais saudável, em teoria, é o estabelecimento. Quanto menor, menos saudável. Nos supermercados, por exemplo, muitas vezes o escore varia de 40 para baixo, porque, apesar de ter uma disponibilidade de alimentos saudáveis, eles também utilizam muitas estratégias para prender o consumidor na compra de alimentos ultraprocessados”, explica Camila.

O papel dos ambientes alimentares institucionais

PNAE garante refeições de qualidade para jovens brasileiros. Foto: Reprodução/ Agência Brasil.

Os ambientes institucionais, como escola, faculdade e trabalho, onde as pessoas costumam passar boa parte de seu dia, também exercem forte influência nos hábitos alimentares. Nas escolas públicas, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) garante uma alimentação saudável e adequada, colocando restrições de que máximo 20% de sua verba seja utilizada para a compra de alimentos processados ou ultraprocessados – e ainda estabelece restrições quanto à compra de determinados produtos, como temperos prontos e macarrões instantâneos.

No entanto, não existem legislações no país até hoje que regulem o comércio em torno dessas escolas, considerado uma extensão do ambiente escolar. “As crianças e os adolescentes passam um terço do dia na escola e ali consomem uma grande parte das calorias diárias. Atualmente, tem muita literatura que mostra como essa disponibilidade de alimento não saudável no entorno influencia no consumo desses jovens”, analisa Maria Alvim, que pesquisa sobre ambientes alimentares escolares.

A última edição do Atlas Mundial da Obesidade apontou que até 2035, o Brasil pode ter até 50% dos jovens entre 5 e 19 anos com obesidade ou sobrepeso. Alvim avalia que é urgente estabelecer políticas públicas que regulam a venda de alimentos nos territórios escolares e também em escolas privadas, que não são contempladas pelas regras do PNAE nas suas cantinas e restaurantes: “A alimentação que a gente pratica na infância e na adolescência tem uma relação muito direta com a alimentação que a gente pratica na vida adulta, então a escola, sendo um lugar de aprendizado, tem uma influência muito grande na hora de moldar nossos hábitos alimentares para o futuro – o que tem implicações diretas no desenvolvimento de doenças crônicas”, pontua Maria. 

O crescimento (e a tentação) do delivery

Imagem: iStock

Os estudos sobre ambientes alimentares também têm investigado as redes sociais e os aplicativos de delivery, chamados de ‘ambientes alimentares digitais’. Segundo dados do SPC, o número de usuários de aplicativos de delivery no Brasil cresceu em 24,4% entre 2019 e 2021,  impulsionado pela pandemia de Covid-19. O setor segue em expansão, com crescimento de até 8% ao ano, de acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).

Uma pesquisa realizada em Belo Horizonte (MG) analisou dois aplicativos de entrega mais utilizados e revelou que quase 80% dos estabelecimentos cadastrados comercializam bebidas ultraprocessadas e 38% ofereciam lanches ultraprocessados. Em contraponto, as refeições com predominância de legumes e verduras representavam apenas 16% das opções comercializadas. A análise também apontou que pizzas, hambúrgueres e outros lanches ultraprocessados eram os mais populares nas plataformas de delivery.

Camila Borges atenta para o fato de que as estratégias utilizadas nesses aplicativos são mais refinadas, porque levam em conta a personalização do consumidor a partir dos dados que seus algoritmos recebem, por meio de táticas como anúncios direcionados, cupons de desconto, combos promocionais e entregas gratuitas. Outro agravante é que esses ambientes virtuais não seguem as regras de rotulagem: “Frequentemente, não encontramos a lista de ingredientes nos sites dos mercados, nem a tabela de composição nutricional, muito menos o selo frontal nos produtos.  Isso dificulta ainda mais para o consumidor ter informação sobre o alimento no momento de compra”.

O aliciamento dos ultraprocessados

A falta de tempo para cozinhar é outra barreira para as pessoas comerem bem. Segundo dados da YouGov, 31% dos brasileiros dizem não ter tempo para cozinhar. Neste sentido, a pesquisadora Maria Alvim entende que os ultraprocessados respondem a lógica do imediatismo, que demanda cada vez mais praticidade e rapidez no dia a dia.

Os dados da última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) indicaram que a aquisição de alimentos in natura ou minimamente processados caiu em quase 4% na década passada, enquanto a participação dos ultraprocessados na dieta brasileira saiu de 12,6% em 2002-2003 para 18,4% em 2017-2018, referente ao total de calorias.

Por outro lado, ela explica que este tipo de produto está associado a padrões alimentares não-saudáveis: “Por que o ultraprocessado faz mal? Falamos de características intrínsecas e extrínsecas a ele”. As intrínsecas se referem a composição nutricional desbalanceada destes produtos, tipicamente com pouca fibra e com grandes quantidades de açúcares, gorduras, sal e aditivos químicos e cosméticos – como adoçantes, emulsificantes, saborizantes e texturizantes.

Estes aditivos, presentes em mais de 80% dos ultraprocessados, servem para conferir sabor, cheiro e cor aos produtos e estão associados ao vício e à dependência. Uma pesquisa publicada no British Medical Journal analisou 281 estudos de 36 países diferentes e atestou que 1 em cada 7 adultos são viciados em ultraprocessados.

Já as características extrínsecas se referem aos comportamentos compulsivos associados ao consumo destes produtos: “O ultraprocessado te empurra para uma hiperfagia. Eles são feitos para você comer rapidamente e em maior quantidade. A porção é grande, não tem fibras e não precisa mastigar muito. As pessoas costumam comê-los sem talheres, vendo televisão ou no transporte, sem prestar atenção”, explica Maria Alvim. 

As recomendações do Guia Alimentar Para a População Brasileira, que completou 10 anos em novembro de 2024, atentam para o fato de que comer sem atenção prejudica a capacidade de o organismo “registrar” devidamente as calorias ingeridas, levando-as a ingerir mais calorias do que necessitam.