Os olhos do mundo se voltaram para o Brasil nesta semana e a razão está naquilo que historicamente tem projetado o melhor da nossa imagem no mundo: a nossa Cultura. No centro dos holofotes, está Fernanda Torres, a primeira atriz brasileira a ganhar o Globo de Ouro – um dos prêmios mais importantes do cinema mundial -, por sua brilhante atuação em “Ainda Estou Aqui”, filme do competente diretor Walter Salles, baseado no livro homônimo do jornalista Marcelo Rubens Paiva, uma testemunha viva da emocionante história relatada.

Internamente, com a relevante premiação internacional, reacende-se um sentimento coletivo de orgulho brasileiro. Corroborando, inclusive, com a ideia de que o que faz de um povo uma nação não é apenas o lugar onde se nasce; mas tudo aquilo que o inscreve numa teia viva de signos e símbolos, sentimentos e formas diversas de comunhão, capazes de criar uma identidade. Em outras palavras: a sua Cultura. E é justamente a Cultura brasileira que acaba de ser premiada!

Além de aguçar o sentimento de pertencimento, a premiação de Fernanda Torres emerge também como uma brecha de luz logo após um período obscuro da história recente do país em que a cultura foi covardemente vilipendiada e transformada em um campo de guerra. Como disse a própria Fernanda, em entrevista após a premiação “é muito bonito ver o Brasil orgulhar-se da sua Cultura depois de um período em que a arte e a Cultura foram tão atacadas”.

Penso que ela tem razão. E acrescento que mais bonito ainda é saber que esse orgulho advém de um filme que toma como fio condutor para a sua trama a trajetória de Eunice Paiva, uma mulher aguerrida, antifascista, defensora dos Direitos Humanos, aversa à toda e qualquer forma de autoritarismo; além de se tornar um “exemplo para a família e a democracia brasileira”, como está inscrito em seu túmulo. Uma mulher que lutou, incansavelmente, por justiça – ainda que para isso tenha sido necessário enfrentar as estruturas enrijecidas da burocracia e a tentativa de apagamento histórico.

Aliás, “Ainda Estou Aqui” é um marco na dramaturgia brasileira não só porque traz à cena, de maneira sagaz e comovente, a violência política que acometeu a família Paiva em um lugar do passado; mas sobretudo porque aponta para a necessidade de afirmação da resistência no presente! Em que pese o fato de se passar em um período que machucou fundo a alma nacional, torturou, feriu de morte milhares de pessoas e inundou o país em sofrimento, o filme representa a valentia, a persistência e a defesa da memória e da justiça. E, assim, nos convoca a uma luta que precisa estar mais viva do que nunca: a luta em defesa dos Direitos Humanos e de uma democracia comprometida com a verdade factual. Isto é, a verdade que triunfa estritamente apoiada nos acontecimentos.

E é justamente a partir de uma história real que o filme nos lembra, com uma certa dose de revolta, que em um país de viés autoritário nenhum direito conquistado está a salvo. O que lhes garante um lugar no hall de filmes guardiões da história. Deduz-se daí uma outra importância sua. Afinal, preservar a memória para que ela possa ser revisitada por diferentes gerações, significa estarmos dispostos a aprender com erros do passado e nos capacitar para evitar erros futuros. 

“Ainda estou aqui”, e a sua premiação através de Fernanda Torres, nos motiva, portanto, reafirmar aquilo que está posto: Cultura e democracia são indissociáveis! Afirmar isto, especialmente neste momento em que o país vibra e se emociona com o filme e reafirma sua democracia neste 8 de janeiro, é chamar a atenção para que tenhamos a capacidade de perceber o papel central que a Cultura, quando colocada a serviço de valores democráticos, tem de unir pessoas e incitar a consciência cidadã. Está mais que evidente que é impossível pensar em uma nação grande, civilizada e propícia ao convívio democrático sem um desenvolvimento cultural intenso.

A Cultura, aliada a uma democracia comprometida com a verdade, é pedra fundamental para o projeto inclusivo e libertário de sociedade que precisamos. É ela que dará a solidez necessária a qualquer tentativa de desagregação social, política e democrática que eventualmente surgir. 

E isso só se concretizará, primeiro, se tivermos a coragem de afirmar a democracia como um valor inegociável; e, segundo, se assumirmos posturas concretas do ponto de vista das nossas políticas. Neste sentido, destaco a acertada decisão do governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, de adquirir o livro que deu origem ao filme para a distribuição nas escolas públicas e bibliotecas de toda a Bahia; além de autorizar a reserva de salas de cinemas para os estudantes da rede estadual de ensino. Possibilitar o acesso da juventude a essas obras traduz o compromisso e o entendimento do papel transformador que a Cultura e Educação têm, de gerar conhecimento e consciência para as necessárias transformações sociais. E para reafirmar: ditadura nunca mais!