Por Renata Souza, Thadeu Henrique* e Yasmin Bondarenko**

Querido Zumbi, 

Imagino como seria escrever-te uma carta, partilhando sobre os tempos atuais. Gostaria de poder lhe contar que os ideais eugenistas foram extintos pela força de nossa luta, que a resistência que semeaste floresceu em plena emancipação, que o racismo foi curado da face da terra, e que os sonhos de nossos ancestrais se realizaram plenamente. 

Confesso-te, porém, que ainda estamos no caminho. Este ano, pela primeira vez, celebramos nacionalmente a data escolhida para te homenagear. O 20 de Novembro ressoa como um marco de memória e reconhecimento da luta pela nossa existência negra, e reverbera nessa terra que reconhecemos por Afro-Pindorama. 

Retomada! Esse grito tem ecoado nessa terra, como aconteceu no dia 15, onde o feriado da Proclamação da República ganhou um novo significado para a população brasileira. Enquanto o Rio de Janeiro sediava o G20, milhares de pessoas em todo país foram às ruas para protestar contra a escala 6×1, exigindo o fim desse modelo que explora trabalhadores, nas correntes invisíveis da escravidão moderna. O mercado de trabalho está precarizado. A uberização, o aumento da informalidade, a pejotização, se combinam a jornadas exaustivas, desumanas, e com baixíssima remuneração, provando que a luta pela liberdade e dignidade ainda é urgente e necessária. Assim como outrora, lutaste pela liberdade dos nossos corpos, hoje, lutamos pela liberdade do nosso tempo, do descanso e da vida. 

Nossos educadores lutam pela liberdade de nossa mente, carregando nos ombros a responsabilidade de formar consciências críticas e emancipadas. No entanto, tem enfrentado uma batalha desigual contra um Estado que, ao desmantelar seus direitos, tenta incessantemente inviabilizar a organicidade da Educação e oprimir seus profissionais. 

Nas ruas, os professores têm sido alvos de gás lacrimogêneo e opressão policial. Na câmara dos vereadores, o projeto de Lei complementar 186 e o PL 2584, ampliam a quantidade de aulas para os professores, sem aumentar sua remuneração, prejudicando seus direitos básicos e piorando suas condições de trabalho. Além disso, os educadores também reivindicam a revogação da lei 8666, que prioriza a condição de contratos temporários, e impossibilita novos concursos e condições mais favoráveis de trabalho, retrocedendo os direitos conquistados da classe trabalhadora. Um pacote de maldades, que demonstra que o sistema não poupa aqueles que se levantam em defesa da transformação do futuro. Mesmo sob essa série de ataques, seguimos resistindo, provando que educar é um ato político e revolucionário.

E com a mesma garra dos professores que os movimentos sociais fizeram as ruas do ‘Leblon virar Palmares’. Um ato grandioso, em que as pessoas saíram de suas casas para denunciar as violências do estado, mas também para celebrar a existência do povo negro, num lugar que repetidamente nos é negado, corroborando que o direito à cidade nos pertence.

No entanto, Zumbi, sabemos que a luta pela existência não se limita a um dia ou uma data, ou um mês, mas tudo que nos faz chegar até aqui. De novo, de novo e de novo. Aconteceu outro caso de racismo de novo. Uma dor que se renova a cada batalha. “Neguinha”, “Cabelo duro”, “pais que vieram da África”, utilizadas pejorativamente, palavras carregadas de ódio, que tentam nos condenar a uma falta de amor que não nos pertence. Esse ódio não diz nada sobre a gente, Zumbi. 

Me lembro de Aqualtune, de Acotirene, de Dandara, das nossas ancestrais, mulheres negras, que com esforço incansável, na liderança de Palmares, garantiram que a nossa luta resistisse, e que hoje podemos nos inspirar e nos fortalecer através dela. Somos nós, descendentes de Aqualtune, que carregamos em nosso ventre a essência daquilo que eles chamam humanidade, e que nós reconhecemos como Cosmos, como nos ensina Nego Bispo. É pelo nosso sangue, nossa resistência, e nossa história que o mundo se construiu, e é através da nossa luta que ele será reimaginado. 

E apesar de toda dor, posso lhe dizer, que estamos avançando. “Faço questão de botar no meu texto que pretos e pretas estão se amando”, como bem disse Rincon Sapiência. Estamos mais conscientes de quem somos, mais orgulhosos de nossas raízes e mais unidos em nossa luta. A sua história, a sua memória, o seu legado, inspira-nos a seguir em frente, de cabeça erguida, de punhos cerrados, reivindicando tudo que nos pertence. 

Querido Zumbi, seguimos acreditando. Seguimos sonhando, celebrando e lutando para tornar os proximos novembros negros, ainda mais negros. Para que mais nenhuma das nossas crianças pereça, para que nenhuma alma adoeça, para que possamos seguir em frente, inspirando-nos em sua memória, seguimos resistindo. Garantido que resistir é existir, e existir é a mais profunda vitória. 

Com admiração e fé no futuro, 

Suas filhas e filhos de luta!

Vivas, Vivas, Palmares!

Yasmin Bondarenko é Pedagoga formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e mestranda em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Especializanda em Ensino para as relações étnico-raciais na Educação Básica pelo Colégio Pedro II, Yasmin também é ativa em movimentos sociais de Educação Popular e no movimento artístico SLAM, focado nas batalhas de poesias. Acredita na arte como uma possibilidade poderosa de educação contracolonial, com seus estudos dedicados a essa experimentação transformadora.

Thadeu Henrique é graduando em Interdisciplinar em Educação no Campo, pela Universidade Federal Fluminense (UFF), faz parte do Laboratório de Pesquisa e Ensino em História (LAPEH), fundador do Cena – Coletivo Estudantil Negritude e Ancestralidade na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/FFP – Campus São Gonçalo). Militante da Juventude Fogo no Pavio, é muito ativo nos movimentos sociais. Acredita na educação como uma uma porta fundamental para a mudança da sociedade e do futuro.