Por Fran Paula de Castro, publicado originalmente em agriculturaancestral.com

QUEM VAI PAGAR ESSA CONTA?

Ao utilizarmos o conceito de racismo fundiário ou agrário, não devemos limitá-lo apenas ao não acesso à terra e ao território pela população negra. É fundamental incluí-lo como parte da dívida histórica reivindicada pela população negra no Brasil. Além disso, é preciso somar a essa conta todo o trabalho intelectual e prático do povo negro, que foi responsável por construir a agricultura neste país.

As atividades agrícolas foram realizadas com intenso manejo de territórios diversos e em condições precárias impostas por um sistema escravocrata. Seja nas lavouras, no extrativismo vegetal ou mineral, a população negra movimentou as principais economias do período colonial. Foram também responsáveis pela domesticação de espécies alimentares que sustentaram não apenas os colonizadores europeus, mas toda a sociedade brasileira.

Imagem: Fran Paula

Não existe história da agricultura e da alimentação no Brasil sem o povo preto. Ainda assim, é essa população que tem menos acesso à terra e está mais exposta à fome na atualidade brasileira.

Da mesma forma, ao denunciarmos o racismo ambiental, não estamos nos referindo apenas a como os impactos ambientais historicamente recaíram de forma desproporcional sobre a população negra, mas também ao reconhecimento de que o mesmo modelo colonial e capitalista, fundado na escravidão e no racismo, explora e destrói a natureza de forma desenfreada.

Portanto, essa pauta é fundamental ao abordarmos a reparação histórica. É necessário incluir não apenas os danos ambientais sofridos pelos territórios e corpos racializados, mas também contabilizar o bônus ecológico produzido por essas populações para o mundo.

Esses povos, que se estabeleceram ancestralmente por meio da Biointeração (conceito cunhado por Nego Bispo), descrevem uma relação integrada e harmoniosa dos seres humanos com a natureza.

Imagem: Fran Paula

Diante do agravamento das mudanças e injustiças climáticas no Brasil e no mundo, há uma herança socioambiental preta que precisa ser reconhecida e valorizada. São serviços socioambientais que contribuíram para a conservação da biodiversidade dos biomas brasileiros, como a preservação da vegetação nativa na Amazônia quilombola.

Repudiamos uma ecologia dissociada da luta antirracista, muitas vezes reproduzida por uma branquitude que “mata” pessoas pretas todos os dias, enquanto celebra o sol e dança ciranda na chuva.

No Brasil, o racismo fundiário e ambiental continua sendo lucrativo e legalizado pelo Estado. Contudo, essa dívida histórica e permanente precisará ser paga por todos.

É urgente que a reparação histórica ao povo preto vá além da garantia de direitos básicos. Trata-se de justiça socioambiental, com acesso à terra por meio de uma reforma agrária antirracista e a proteção dos territórios quilombolas e negros, entendidos como parte essencial de uma reparação biocultural.

Por Fran Paula — Quilombola, engenheira agrônoma e pantaneira. Autora do livro Racismo e Sistemas Agroalimentares, pesquisadora e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais em Agricultura, Desenvolvimento e Sociedade (CPDA/UFRRJ). Integra a Aliança Científica Antirracista e é autora do portal de conhecimento agriculturaancestral.com.