Por Igor Travassos*

É inegável que estamos em um mundo em transe. Um planeta adoecido, vítima da constante exploração de seus recursos. A triste realidade – e também inegável – é que estamos em um mundo completamente desigual. Enquanto 1% das pessoas mais ricas do mundo poluem o equivalente a outros 66%, os mais pobres, esses últimos sequer têm o que comer.

Nos fóruns internacionais, debate-se a passos de tartaruga sobre a redução das emissões de carbono, o financiamento climático de 1 trilhão de dólares necessário para alcançar as metas e estruturar os países mais pobres para lidar com a crise climática, ao mesmo tempo em que os eventos extremos deixam um rastro de destruição e morte por onde passam. Os eventos extremos materializam o racismo ambiental – em Porto Alegre, por exemplo, as áreas mais atingidas pelas enchentes foram as áreas mais negras e, consequentemente, as mais empobrecidas, segundo o núcleo do Observatório das Metrópoles em Porto Alegre.

Mas, além desse cenário de desastres, é importante relembrar que o racismo ambiental não é algo novo e nem está somente ligado às mudanças climáticas, mas à ideia colonial de negação da posse e do território. São, desde empreendimentos privados em bairros negros que aumentam o custo de vida e acabam expulsando essas populações para outras zonas das cidades, até a não concessão das terras – como a demarcação das terras indígenas e a titulação dos quilombos.

Até em territórios reconhecidos pelo Estado, ou cuja posse é de uma comunidade tradicional, a ameaça é constante. O não-lugar ao qual a população negra é submetida está ligado à privação da liberdade, da identidade e da subjetividade.

Em um país em que as oportunidades de emprego e a remuneração para pessoas negras estão longe de ser equiparadas às das pessoas brancas – com pessoas negras recebendo cerca de 40% a menos do que uma pessoa não negra, como aponta o DIEESE em estudo lançado para o Dia da Consciência Negra – a falta de moradia segura, acesso ao saneamento, além da ineficiência dos serviços de saúde, mobilidade, lazer e educação, são quase inerentes à população negra e periférica brasileira e aos territórios negros.

O artigo 225 da Constituição Federal diz que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” No entanto, qual é a cor daqueles que morrem nos desastres? Qual é o perfil racial dos territórios que têm as menores taxas de acesso à infraestrutura urbana ou aos serviços básicos? Essas perguntas ecoam constantemente nas cobranças das lideranças e dos movimentos negros Brasil afora, mas, infelizmente, a resposta continua sendo o silêncio.

As instituições – públicas e privadas – encontraram no racismo ambiental a ferramenta mais consistente para operar a segregação, a eugenia e o extermínio da população negra. Diante disso, fica cada vez mais evidente a necessidade de ações de prevenção, adaptação às mudanças climáticas e resposta aos eventos climáticos extremos, a partir de uma perspectiva antirracista, feitas com as populações mais impactadas, que convivem com o território e o conhecem de forma intrínseca à sua identidade, cultura e permanência.

Assegurar o direito à cidade, ao território, à terra, à vida e ao bem-viver das pessoas negras está longe de ser uma reparação; é o mínimo.

Igor Travassos é comunicador, ativista socioambiental, integra a Articulação Negra de Pernambuco, a Coalizão Negra por Direitos e a Rede por Adaptação Antirracista.