Na COP29, povos indígenas denunciam “colonialismo verde” e defendem transição justa
Líderes participaram da Cúpula Indígena sobre Transição Justa, alertando para o impacto da economia verde em suas terras.
Por Nicole Grell Macias Dalmiglio
Durante a COP29 em Baku, Azerbaijão, na última terça-feira (12), líderes indígenas participaram de uma conferência de imprensa da Cúpula Indígena sobre Transição Justa, organizada pela Earthworks, onde denunciaram os riscos e impactos da agenda de transição energética para suas comunidades. Muitos desses projetos, promovidos sob a justificativa de sustentabilidade, frequentemente ignoram os direitos territoriais e culturais dos povos indígenas. Ao longo do evento, palestrantes enfatizaram que o avanço para uma economia verde não pode ocorrer às custas de suas terras e vidas, defendendo uma transição justa fundamentada em seus valores e direitos.
Rodion Sansa, representante das comunidades indígenas da Sibéria Oriental, abriu o evento com um alerta:
“Os povos indígenas precisam de uma transição que não custe os direitos indígenas e suas terras. Qualquer outra coisa não é progresso, é exploração sob um nome diferente.”
Ele reforçou que a chamada “Revolução Verde” não deve significar mais invasões de territórios indígenas em busca de minerais essenciais para energias renováveis, como níquel, cobalto e lítio, recursos que seguem sendo extraídos de suas terras. Para ele, o futuro verde “não pode ser construído à custa dos direitos e das terras indígenas. Qualquer transição que viole esses direitos representa exploração, não progresso.”
Outro ponto central foi o conceito de “colonialismo verde”, levantado por Sarah Olig, representante dos povos Sami e Inu. Ela destacou que projetos de energia limpa, como parques eólicos, foram impostos nos territórios Sami, na Noruega, em áreas de pastoreio de renas, mesmo após uma decisão da Suprema Corte norueguesa que declarou esses projetos inconstitucionais. “Esse desenvolvimento viola nossos direitos civis e políticos,” afirmou Olig. “Não podemos falar de justiça enquanto sacrificamos nossos direitos e nosso território.” Para Olig, é fundamental que o mundo entenda as “diversidades e complexidades dos povos indígenas” e que a transição energética não se transforme em mais uma corrida por recursos sob o disfarce de uma economia sustentável.
Janine Yasi, representante da América do Norte, reforçou a importância do consentimento livre, prévio e informado como pré-requisito para qualquer projeto que afete terras indígenas. “Estamos usando nossos territórios como colônias de recursos para a infraestrutura de energia atual e futura,” apontou Yasi. Segundo ela, enquanto a transição energética não questionar o consumo excessivo e a exploração indiscriminada de terras indígenas, não será realmente justa. Ela sublinhou a importância de adotar uma abordagem baseada em direitos em toda a cadeia de produção, afirmando:
“Precisamos restaurar tudo o que foi destruído, até que tudo o que é sagrado seja restaurado.”
Nicole Maria Janis, da NDN Collective, trouxe para o debate o projeto PL Sonora, promovido pelos governos dos EUA e do México como uma “solução climática” que inclui a abertura da maior mina de lítio do mundo em terras indígenas mexicanas, com um investimento de US$ 50 bilhões. “Esse projeto apenas leva a mais deslocamentos e violações dos nossos direitos,” declarou Janis. Ela também destacou o impacto desse tipo de iniciativa para as gerações futuras, alertando que os recursos naturais dos povos indígenas estão sendo explorados e drenados para atender às demandas energéticas do presente. “Abrir aquíferos no deserto, onde já enfrentamos secas, para fornecer água para megaprojetos de mineração em nome de soluções renováveis, não é sustentável. Esses projetos continuam a nos prejudicar e a violar nossos direitos.”
O documento final da cúpula apresentou 11 princípios que os povos indígenas consideram essenciais para uma transição justa, entre eles:
- Autodeterminação e soberania sobre terras e recursos;
- Descolonização das políticas climáticas e energéticas, rejeitando o uso de terras indígenas para projetos “verdes” sem o consentimento dessas comunidades;
- Transparência e responsabilidade, exigindo clareza sobre os financiamentos e impactos ambientais ao longo de toda a cadeia produtiva;
- Reparações históricas e a devolução de terras ancestrais aos povos indígenas.
Buddha Garti, da Federação de Nacionalidades Indígenas do Nepal, chamou a atenção para a disparidade entre as promessas de sustentabilidade e a realidade vivida pelas comunidades indígenas asiáticas. Ele ressaltou que muitos projetos de energia renovável, como hidrelétricas, expulsam povos indígenas de suas terras ancestrais, sem que o consentimento livre, prévio e informado seja respeitado. “No Nepal, apenas cinco dos mais de 250 projetos hidrelétricos em construção buscaram nosso consentimento. A transição justa não pode se basear em soluções falsas que nos desalojam e apagam nossa história,” destacou Garti. Ele apontou que as autoridades locais veem o consentimento indígena como um obstáculo, o que tem levado ao apagamento cultural e histórico desses povos.
Ao final do evento, os líderes indígenas fizeram um apelo à comunidade internacional para adotar esses princípios e repensar suas políticas de transição energética. “Esta é uma chamada para todos nós,” concluiu Yasi. “Os povos indígenas continuarão na linha de frente, defendendo uma transição que seja verdadeiramente justa e transformadora.”
O acesso à conferência na íntegra está disponível no seguinte endereço: https://unfccc.int/event/earthworks-indigenous-summit-on-just-transition-indigenous-people-s-principles-and-protocols-for-a, e o documento completo pode ser consultado em: https://www.indigenoussummit.org/summit-outcome.