O Centro de Cidadania LGBTI Claudia Wonder, localizado na zona oeste de São Paulo, passa por um momento de incerteza depois do anúncio de mudança na sua administração. Após um processo de licitação realizado pela Prefeitura de São Paulo, a gestão do espaço, que desde 2020 está sob o comando da ONG Casarão Brasil, será assumida pelo Instituto Claret – Solidariedade e Desenvolvimento Humano, uma organização de origem católica e sem experiência de trabalho com a população LGBTQIA+.

Essa mudança gerou apreensão entre os assistidos e defensores dos direitos LGBTQIA+, que temem que o novo gestor não atenda de forma adequada às necessidades específicas da população. Diante dessa preocupação, membros do Centro de Cidadania apresentaram uma denúncia formal à Coordenadora do Núcleo de Defesa de Diversidade Sexual e de Gênero (Nudiversis), detalhando irregularidades no processo de seleção e apontando riscos de descontinuidade nos serviços e de perda de vínculos construídos no território.

A denúncia argumenta que o Instituto Claret, vencedor da licitação, “não possui experiência na execução de programas, projetos ou serviços específicos para a população LGBTQIA+”. Eles alegam que a entidade apresentou apenas uma ação pontual como justificativa de experiência, o que, segundo os denunciantes, “não poderia jamais demonstrar o conhecimento com este público,” mostrando que a organização não está suficientemente preparada para oferecer suporte adequado às demandas da comunidade. Além disso, os denunciantes chamam atenção para o fato de que o edital de chamamento público especifica que “organizações religiosas” estão impedidas de participar da licitação. A inclusão do Instituto Claret, que possui vínculos claros com a Igreja Católica, é vista como uma “violação das regras editalícias”, o que levanta questionamentos sobre a transparência e legalidade do processo seletivo.

Em resposta, tanto a gestão do prefeito Ricardo Nunes quanto o Instituto Claret negam qualquer irregularidade no processo. A Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania informou, conforme publicado na Folha de S. Paulo, que o Instituto Claret, de acordo com seu estatuto, é uma pessoa jurídica de direito privado na forma de associação, com objetivos de educação, cultura, assistência social e esporte, sem fins lucrativos. A pasta afirma que a entidade “está apta a participar do edital de chamamento público, uma vez que não se trata de organização dedicada exclusivamente a atividades ou projetos de fins religiosos.” O Instituto Claret reforçou sua posição: “Somos uma Organização da Sociedade Civil como qualquer outra, e ao longo de 38 anos de atuação, trabalhamos com parcerias públicas visando sempre o acolhimento, o cuidado e a inclusão de pessoas, sem distinção.”

Contudo, ainda conforme a Folha, especialistas em direitos constitucionais e religiosos questionam a isenção do Instituto Claret de suas raízes religiosas. Segundo Hédio Silva Junior, doutor em direito constitucional e fundador do JusRacial e do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras, “ela é uma associação religiosa. Toda sua diretoria é formada por padres,” evidenciando que, mesmo como Organização da Sociedade Civil, sua fundação e gestão mantêm forte vínculo com a Igreja Católica.

Lobby político

Outro ponto importante da denúncia é o possível lobby político entre membros da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) e o Instituto Claret. O documento sugere a existência de articulações políticas que teriam favorecido a classificação do Instituto, mesmo sem o cumprimento das exigências de experiência no atendimento à população LGBTQIA+. Segundo o texto, “tudo isso demonstra um possível lobby político entre SMADS e SMDHC, e instituições envolvidas com apoio de parlamentares extremamente conservadores e com discurso de ódio contra a população LGBTIQI+.”

“O Instituto Claret tem inúmeras parcerias com a SMADS, conforme termos de colaboração juntados no chamamento, e o presidente do instituto apoiou a campanha de ex-Secretário da pasta de assistência social”, diz o documento.

A denúncia ainda traz à tona o temor de que, além da troca de gestão, o Centro de Cidadania Claudia Wonder possa ser transferido para uma localização diferente, dificultando o acesso da população LGBTQIA+ que atualmente frequenta o espaço. Para os assistidos e defensores da causa LGBTQIA+, a transferência para outro local comprometeria a continuidade de serviços vitais e o vínculo de confiança construído entre os profissionais e o público atendido, fator essencial para a eficácia do atendimento psicossocial. Como reforça o documento, “a permanência do Centro de Cidadania na Região da Lapa, zona oeste, é fundamental para garantir o acesso a serviços essenciais, promover a inclusão social e atender às demandas da comunidade local.”

Os Centros de Cidadania LGBTI+ da Prefeitura de São Paulo foram criados em 2015, durante a gestão de Fernando Haddad (PT), para desenvolver ações permanentes de combate à LGBTfobia. Atualmente, há uma unidade em cada região da cidade. Esses equipamentos atuam em dois eixos principais: o enfrentamento direto à LGBTfobia e a promoção dos direitos LGBTQIA+, assegurando que a população vulnerável tenha acesso contínuo a serviços de saúde, suporte jurídico, psicossocial e oportunidades de capacitação.

Atuando há quatro anos no local, a Casarão Brasil desenvolveu uma estrutura robusta de atendimento multidisciplinar, que inclui suporte psicossocial, socioassistencial, jurídico e capacitações profissionais. Somente em 2023, a equipe realizou mais de 4 mil atendimentos, impactando centenas de pessoas, muitas delas em situação de vulnerabilidade e sem contato familiar, para as quais o Centro tem sido um espaço de acolhimento e pertencimento. Esse trabalho contínuo e especializado, alinhado às necessidades da comunidade LGBTQIA+, trouxe reconhecimento público e apoio da sociedade civil.