COP 30: Por uma ação climática baseada na cultura
Para salvar o planeta é necessário transformar hábitos em escala global que reduzam a emissão dos gases que causam o aquecimento global. A cultura é a melhor plataforma de sensibililização e conscientização que temos em mãos para acelerar essa mudança profunda de paradigma. Por isso, é essencial mobilizar a sociedade civil e o setor cultural para que a COP30 de Belém entregue uma vitória política para a cultura.
Por Andrew Potts, Marcele Oliveira e Thiago Jesus
A ciência climática alerta que ultrapassar a barreira de 2 graus Celsius de aquecimento causará consequências gravíssimas para o clima, os ecossistemas, e para a nossa existência. Enquanto as dimensões sociais e culturais não forem integradas nas políticas climáticas, continuaremos a fracassar no enfrentamento da crise. O modelo global atual de planejamento, financiamento e negociações climáticas é baseado em sistemas de conhecimento dominantes e em soluções tecnocráticas de custo-benefício que ignoram o poder da “ação climática baseada na cultura”.
Para cumprir as metas do Acordo de Paris até 2030 e evitar futuros climáticos catastróficos, precisamos de uma transformação sistêmica sem precedentes na história do planeta. A cultura, em suas diversas dimensões –incluindo as artes, o patrimônio, as indústrias criativa e o bem viver dos povos indígenas, originários e tradicionais–, possui uma capacidade inigualável de diversificar formas de conhecimento, educação e narração de histórias, comunicando a urgência, mobilizando ações e influenciando modos de produzir, consumir e viver sustentáveis e orientados pela justiça social.
Na COP28 em Dubai, o Brasil deu um passo importante nessa direção. A ministra Margareth Menezes lançou o Grupo de Amigos da Ação Climática Baseada na Cultura, uma coalizão copresidida pelo Brasil e pelos Emirados Árabes Unidos, com representantes de mais de 30 países comprometidos em dar o impulso político necessário para integrar a cultura na política climática da UNFCCC, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Essa conquista foi possível graças à mobilização da sociedade civil internacional, que a cada ano ocupa espaços mais relevantes na agenda climática da ONU. Por meio da Chamada Global para Colocar o Patrimônio Cultural, as Artes e as Indústrias Criativas no Centro da Ação Climática, uma campanha de advocacy lançada um mês antes da COP, milhares de defensores da cultura em todo o mundo pressionaram seus representantes nacionais a fazerem parte dessa articulação.
Agora, é fundamental aproveitar esse progresso para garantir uma vitória política para a cultura na COP30. O caminho mais eficaz é assegurar que a “ação climática baseada na cultura” seja incluída na decisão final da COP em Belém de forma abrangente. Essa decisão iniciaria um processo consultivo que poderá, levar a uma conquista histórica nos anos seguintes: um Plano de Trabalho para a Cultura na UNFCCC que inclui as dimensões socioculturais em todos trabalhos técnicos, científicos e estratégicos da Convenção. Esse reconhecimento internacional do papel da cultura no enfrentamento das mudanças climáticas orientaria as políticas e estratégias nacionais e, em última instância, ajudaria a direcionar mais recursos para artistas, profissionais criativos, organizações culturais e comunidades tradicionais que estão na linha de frente das ações climáticas em todo o planeta.
As consequências das mudanças climáticas já são sentidas em todos os cantos do planeta e impactam profundamente a cultura, desde a destruição de patrimônios naturais e culturais até os prejuízos para os setores criativos e, em casos mais extremos, a devastação de identidades e culturas tradicionais. Mas é preciso reconhecer que a cultura não é apenas uma vítima, mas uma fonte de soluções com o potencial de acelerar a ação climática e construir futuros mais justos, resilientes e de baixo carbono.
No Brasil, do apagão às secas nunca antes vistas, com fumaça nos céus e insegurança alimentar se fazendo presente de Norte à Sul do país, com enchentes e deslizamentos que interferem no dia a dia da população. Somado a isso, um cenário político que ainda reflete um negacionismo climático. Uma coisa é certa: nas favelas, periferias e comunidades originárias a educação climática e mudança de paradigmas se faz pela cultura e preservação da memória e identidade. As tecnologias sociais, ancestrais e verdes desses atores protegem os biomas e adiam o fim do mundo. Mas sem política pública eficaz não é possível manter a floresta de pé.
A cultura desempenha um papel fundamental na mitigação e adaptação, que são os pilares das políticas climáticas globais. O patrimônio cultural, por exemplo, que inclui conhecimentos indígenas e práticas tradicionais, permite que comunidades se adaptem aos impactos ambientais, protege territórios e oferece soluções verdes, circulares e regenerativas. Os setores criativos, como a moda, o design, a música e o audiovisual, informam e moldam valores, estilos de vida e padrões de consumo, além de promover coesão social. As artes inspiram ações, estimulam reflexões e ajudam as pessoas a compreender o mundo por meio de narrativas, trocas de ideias e experiências compartilhadas.
Nesse cenário, ambição não é o suficiente. Precisamos de medidas legislativas, institucionalizadas, acordadas nacional e internacionalmente. Políticas que orientem a descarbonização do setor, que adaptem os aparelhos culturais, e criem novos modelos de financiamento para as artes, que direcionem financiamento climático para comunidades tradicionais e organizações culturais na linha de frente das crise climática, e que incluam agentes de cultura nos planos de ação e enfrentamento das mudanças climáticas em todas as esferas. Além disso, fortalecer ações de educação climática através da cultura sobre assuntos essenciais tais como o que fazer com nossos resíduos, ou quais são nossos pontos de apoio em eventos extremos. e aonde estão os planos de adaptações das cidades.
O tempo para mobilizar essa vitória está se esgotando. Para manter essa possibilidade viva, é fundamental que os nossos negociadores, os Ministérios das Relações Exteriores e do Meio Ambiente e Mudança do Clima se alinhem ao Ministério da Cultura para que as decisões necessárias sejam tomadas na COP29 em Baku para assegurar essa conquista para a cultura na COP30. Centenas de vozes culturais no Brasil estão se engajando nessa articulação, mas precisamos transformar essa pauta em uma ação prioritária na agenda da presidência da COP30.
Após uma década de enormes retrocessos políticos, o Brasil voltou a ser um dos principais articuladores globais. A presidência do G20 em 2024, seguida pela realização da COP30 em Belém no próximo ano, coloca o país em uma posição excepcional para liderar as agendas de discussão internacional e orientar a elaboração dos acordos multilaterais que definirão o futuro do planeta. Essa posição geopolítica privilegiada, aliada à extraordinária diversidade cultural e biológica brasileira, fazem da COP30 a melhor – e possivelmente a última – oportunidade que temos para valorizar, preservar e integrar os valores culturais, as práticas tradicionais e os conhecimentos indígenas e quilombolas na revisão dos compromissos climáticos globais.
Estamos há exatos cinco anos do prazo final do Acordo de Paris, mas a cada dia mais distantes de cumprir as metas estabelecidas. A menos que a lacuna cultural na ação climática seja preenchida, as nossas respostas continuarão a falhar. O setor cultural brasileiro precisa se mobilizar e impulsionar a COP30 para que ela seja lembrada como o momento em que o mundo finalmente colocou a cultura no coração da ação climática.