Deixamos o centro de Cali, na Colômbia, onde estão ocorrendo as atividades da Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP16), e seguimos para duas comunidades na encosta da cidade: vamos para Altos de Mega e Los Chorros. O caminho é longo, o sol está batendo na cidade em um momento em que as temperaturas estão acima de 35 graus Celsius, batendo os recordes dos últimos meses. Subimos na motocicleta que nos foi designada por um dos moradores: carros não podem subir até lá, onde as colinas são cobertas por uma vegetação exuberante. Na subida, a vista panorâmica é de tirar o fôlego. Uma Cali diferente, vista da periferia: “Essa vista vale muito dinheiro, eles estão loucos para construir coisas aqui”, diz meu motociclista.

É assim que chegamos à Assembleia pela Água, que acontece no refeitório de Altos de Menga. Somos recebidos com batatas recheadas e água de panela, clássicos da comida popular, e procuramos uma sombra para ouvir a reunião que será realizada: os membros da Assembleia apresentam uma petição de reivindicações ao Conselho Presidencial. A principal demanda é a falta de água. As comunidades vêm sofrendo com a crise hídrica em seus bairros há mais de 30 anos, mas nos últimos meses a situação só piorou.

Neste contexto de emergência, diversas ações organizacionais têm sido realizadas para tornar o problema visível e a cimeira para a biodiversidade tem sido uma boa montra para mostrar o que está a acontecer naquelas comunidades que não podem participar nas negociações do alto comando nas reuniões. reuniões ministeriais para debater o que fazer com a biodiversidade do país. Não foi à toa que o lema que permeou várias das suas ações foi: “Temos COP mas não temos água”, um apelo coletivo à sensibilização em meio a este acontecimento global.

Água para a cana e não para o povo

No Valle del Cauca, a prática da monocultura ganhou terreno, tornando-se um problema que afeta não apenas a biodiversidade da região, mas também as comunidades camponesas que dependem de recursos naturais como a água. Essa prática, especialmente de cana-de-açúcar, óleo de palma e pinheiro, deixou sua marca nos ecossistemas e no tecido social do departamento. Muitas comunidades camponesas e afrodescendentes enfrentam dificuldades de acesso a fontes desse recurso, e elas foram deslocadas. O impacto das monoculturas se traduz no ressecamento dos rios, na redução dos aquíferos, no ressecamento das zonas úmidas e na perda da floresta tropical seca.

Em 2019, foi obtida uma decisão histórica em favor das comunidades rurales.
No entanto, foi somente no início deste ano que o Conselho de Estado, em segunda instância, não apenas ratificou as medidas tomadas pelo tribunal, mas também exigiu que a Corporação Autônoma do Valle del Cauca cumprisse sua tarefa como entidade: garantir a qualidade e o uso da água.

Essa perda não afeta apenas a fauna e a flora locais, mas também interrompe os ciclos naturais de polinização, dispersão de sementes e controle biológico de pragas, comprometendo a sustentabilidade de longo prazo da região.

Asambleas pela Agua: Altos Los Chorros é Alto de Menga. Fotos: Medios Libres Calli.

Monocultura ou paisagem cultural?
No final de agosto, os prefeitos de Florida, Pradera, Candelaria e Cali se reuniram para assinar um acordo com o objetivo de fortalecer o turismo regional. No entanto, o que mais chamou a atenção foi sua intenção de proclamar a “Paisaje Cultural de la Caña” (Paisagem Cultural da Cana).A iniciativa teve como objetivo consolidar a sub-região como um destino turístico internacional.

Em essência, uma “paisagem cultural” busca capturar a interação entre a dinâmica social e ambiental de uma região, um conceito oficializado pela UNESCO em 1992. Na Colômbia, já existem dois exemplos: a Paisaje Cultural Cafetero e a Paisaje Cultural de las Murallas de Cartagena, ambas protegidas e promovidas pelo Estado. Entretanto, no Valle del Cauca, a ideia de uma paisagem dedicada à cana-de-açúcar não encontrou o apoio esperado.

A proposta foi rapidamente rejeitada. Desde o setor açucareiro até ativistas ambientais e o próprio governo nacional, houve oposição. A Ministra do Meio Ambiente, Susana Muhamad, apontou que a monocultura da cana-de-açúcar tem causado grande destruição ambiental e que a iniciativa não era consistente com o espírito da COP16, que promove a proteção da biodiversidade.

Além da proposta fracassada, a controvérsia trouxe à tona o lugar da cana-de-açúcar na história do Vale. Desde sua introdução na região durante a época colonial, a monocultura deixou uma marca indelével. Durante séculos, as plantações de açúcar estiveram intimamente ligadas à escravidão, um legado racista que ainda persiste na memória coletiva.

No estudo intitulado “Sugar cane in the environmental history of the geographical valley of the Cauca River -1864-2010-” (A cana-de-açúcar na história ambiental do vale geográfico do Rio Cauca -1864-2010-), destaca-se que a maioria das áreas úmidas que existiam na região do Alto Cauca na década de 1950 já havia desaparecido na década de 1980, devido às práticas agrícolas intensivas.

Biodiversidade e direitos
De volta à assembleia, os delegados concordaram com o representante do governo de Gustavo Petro em suas reivindicações. A água é a questão central que também desencadeia outras crises estruturais: moradia, direito à saúde e educação para aqueles que vivem nesses territórios marginalizados e disputados.

Os acordos estão se aproximando, uma mesa de trabalho está se abrindo como uma possibilidade de abrir pontes com o estado e, dada a falta de abertura do gabinete do governador de Cali e a falta de respostas da EMCALI, a empresa de água, para elaborar um plano de diálogo e negociação concreta.

A Assembleia termina e um dos cozinheiros nos traz mais água de panela, desta vez mais racionada. “Temos que cuidar de cada gota”, diz ela com um sorriso. Amanhã é outro dia e as assembleias se reunirão novamente para continuar a se organizar por seus direitos.