A peça Dora, que narra a trajetória da guerrilheira Maria Auxiliadora Lara Barcelos, retorna aos palcos para nova temporada no TUSP Butantã, de 25 de outubro a 3 de novembro. 

Escrita, dirigida e interpretada por Sara Antunes, a montagem mergulha na história de Dora, jovem que, aos 23 anos, se uniu à luta armada contra a ditadura militar, enfrentando prisão, tortura e exílio, até seu suicídio na Alemanha, em 1976. A peça, baseada nas cartas trocadas entre Dora e sua mãe, oferece uma reflexão profunda sobre opressão, utopia e as relações humanas. As sessões serão às sextas e sábados, às 20h, e aos domingos, às 18h, com ingressos gratuitos.

“Dora foi uma figura feminina política no âmbito pessoal, porque o pessoal é político, como diz Simone de Beauvoir, e também na esfera pública.  Ela entrou na faculdade de medicina em terceiro lugar, em uma época em que 90% dos alunos do curso eram homens. Envolveu-se politicamente nas organizações, foi presa, exilada e denunciou a ditadura. Foi muito amiga e parceira de casa de Dilma Rousseff.  É uma figura que entregou o corpo inteiro à luta que acreditava e quero mais do que contar sua morte, desejo trazê-la para vida”, conta Sara Antunes. 

Em um espaço que combina a sala de anatomia de uma estudante de medicina com o corpo de uma guerrilheira durante a ditadura, a obra explora os escritos autênticos de Maria Auxiliadora Lara Barcelos, estabelecendo um diálogo sensorial e íntimo entre Dora e sua mãe. O espetáculo ressoa a história do Brasil nos 60 anos do golpe militar, criando um espaço de reflexão sobre a luta pela liberdade e a preservação da memória daqueles que resistiram à injustiça. 

“O cenário tem aspectos singulares, porque resolvi reunir os papeis, as cartas e os documentos coletados nesses anos todos numa espécie de instalação.  Sempre senti que os documentos da Dora, quando eu estive durante todos esses anos envolvida em outros projetos, ficavam me olhando, me indagando, numa espécie de ‘quando você vai colocar enfim pra estrear?’ Chegou a hora e eu literalmente quero colocá-los em cena” explica Sara. 

A peça propõe uma reflexão sobre a jornada que levou Dora à luta política, transformando o palco em um espaço dinâmico onde sua presença se faz viva, e explora resistência e memória. A trilha sonora inclui Tropicália, Violeta Parra e Torquato Neto, canções que marcaram a época e que Dora ouvia e até recomendava. 

Trajetória da obra 

Em 2016, Sara Antunes começou sua pesquisa após ser convidada pelo diretor José Barahona para atuar no documentário Alma Clandestina. Ao conhecer a história de Dora, ela idealizou um espetáculo, inicialmente planejado para 2020. Com a pandemia, o projeto foi adaptado, resultando no curta De Dora por Sara lançado na Mostra de Cinema Tiradentes, em janeiro de 2021. Em seguida, Dora foi apresentado de forma online em plataformas digitais, e durante a pesquisa, quando os palcos se abriram, fez duas aberturas do processo no Theatro Municipal de São Paulo e na Mostra de Direitos Humanos de João Pessoa. 

Agora a obra completa estreia presencialmente no Sesc Ipiranga. “Essa pesquisa conjuga palavras ‘reais’ em um tempo poético, explorando tanto os processos que levaram o corpo de Dora à luta política quanto a construção de um campo cênico para que ela reviva, em uma espécie de cartografia do ‘encarnar’, fomentando aspectos de resistência e memória”, explica Sara. 

Sobre Dora 

Maria Auxiliadora Lara Barcelos (1945-1976), nascida em 25 de março na cidade de Antônio Dias (MG), é uma figura rica em história, embora pouco conhecida. Estudante de medicina e integrante da VAR (Vanguarda Armada Revolucionária), Dora tinha 23 anos quando foi presa. Foi libertada no grupo dos 70 em troca do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher e banida do Brasil. Viveu no Chile, Bélgica, França e, em 1974, estabeleceu-se na Alemanha, onde, em 1976, aos 31 anos, cometeu suicídio em Berlim, jogando-se na frente de um trem. 

Durante seu tempo na prisão, Dora foi submetida a diversas formas de violações, principalmente de natureza desmoralizante por sua condição de mulher. Foi exposta como objeto de visitação para militares curiosos e sofreu degradação moral diante de seus companheiros. Dora denunciou essas violências durante seu julgamento na Justiça Militar. 

No exílio, ela escreveu: “Sou boi marcado, fui aprendiz de feiticeira… Eu era criança e idealista. Hoje sou adulta e materialista, mas continuo sonhando. Dentro da minha represa, não há lei neste mundo que impeça o boi de voar.