‘A Substância’ e a perda do autovalor
Sucesso de body horror chega ao streaming ainda neste mês
Por Sabrina Ventresqui
O recente “A Substância”, dirigido pela francesa Coralie Fargeat, narra a história de Elisabeth Sparkle (Demi Moore), uma atriz cuja carreira está em decadência, agora reduzida a apresentar um programa de televisão focado em exercícios físicos. A trama começa quando Sparkle é demitida pelos executivos do canal por ser ‘velha demais’.
Desesperada com a demissão, a estrela se depara com uma droga sintética vendida ilegalmente chamada apenas de ‘A Substância’, que promete conceder ao usuário ‘uma melhor versão de si mesmo’. Sem hesitar, Sparkle injeta o líquido ‘milagroso’ e não demora para que ela dê origem a uma versão mais nova de si.
É a partir daí que o enredo toma um rumo bizarro, refletindo uma crítica à supervalorização da juventude e explora a perda de autoestima e autovalor pessoal de Elisabeth. Na casa dos 50 anos, Sparkle não brilha mais (desculpe o trocadilho). Isolada, ela não sai de seu apartamento, a não ser para buscar os refis necessários para manter seu clone. Não tem amigos ou qualquer relacionamento afetivo.
É como se ela tivesse atingido sua data de validade. Ela está viva, mas não vive. É como se Elisabeth não tivesse valor e sua vida não importasse mais agora que ela já passou dos quarenta.
Além do roteiro, os elementos visuais acentuam essa sensação. Enquanto Sparkle está em seu apartamento em penumbras, com janelas fechadas, paleta de cores sóbrias e trilha sonora introspectiva, Sue (Margaret Qualley), sua ‘melhor versão’, ostenta roupas vibrantes em ambientes iluminados, além de ter como música tema “Pump It Up”, do Endor, um europop eletrizante.
Nessa toada, o filme critica a sociedade e a própria indústria do entretenimento, que não permite às mulheres envelhecerem, sob pena de perder o valor pessoal e de mercado. De certa forma, o longa também explora a invisibilidade e solidão que as mulheres mais velhas enfrentam.
E claro, há uma dicotomia: À medida que Elisabeth destrói a si mesma para não perder relevância, ela tem seu destino e carreira definidos por um bando de homens hétero, brancos e de cabelos brancos. Afinal, as mesmas regras impostas às mulheres não se aplicam a eles.
Na ficção e na vida real, o gênero feminino não tem permissão para envelhecer, os homens estão mais do que autorizados e ganham elogios por sua ‘boa forma’ e por estarem ‘envelhecendo igual um bom vinho’ quando entram nessa fase da vida.
A carreira deles também segue inabalável, como a obra faz questão de mostrar. Homens não são dispensados por estarem velhos demais. Para eles, o passar dos anos é maturidade e experiência.
Ao final, Sparkle recusa todas as oportunidades de se livrar de sua ‘doppelganger’ macabra. Por achar que não tem valor, ela prefere arruinar e perder a si mesma do que ficar sem o falso amor e admiração das pessoas que a cercam do que aceitar sua identidade. Como bem colocou Naomi Wolf em “O Mito da Beleza” (1991), “o mundo é dirigido por homens de idade; mas as mulheres velhas são eliminadas da cultura”.
“A Substância” chega ao catálogo da MUBI neste Halloween, 31 de outubro.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.