SOM indica: DJ Guizado da psicodelia ao suingue brasileiro
Unindo ritmos tradicionais brasileiros e latinos, mistura cultura popular em sets que ressignificam o som brasileiro.
Por Noé Pires
Nascido em Lagoa da Prata, Minas Gerais, Guilherme Lacerda, mais conhecido como DJ Guizado, cresceu embalado pela pluralidade musical dos pais. Djavan, Roberta Miranda, Alceu Valença e Wando dividiam espaço com Dire Straits e Julio Iglesias no microssistem de casa. Desde pequeno, DJ Guizado se encantava pela sonoridade, e revirava as barraquinhas de CDs em busca de descobrir algo novo. Era fascinado pelas compilações e montagens de DJs, e assim começou a imaginar como seria ele próprio estar à frente das pickups.
Sua estreia no universo da discotecagem ocorreu em 2008, quando ainda adolescente, se deparou com a apresentação de Lucas Guadalupe, conhecido como DJ Insolit. Fascinado pela performance, ele decidiu se aproximar do artista, e logo estabeleceu ali o ponto de partida de sua carreira. Guadalupe o ensinou sobre produção musical e discotecagem, e foi então que DJ Guizado mergulhou de vez no universo do psytrance. O amor pelo estilo o levou a dividir palco com nomes relevantes da cena, como 4i20, Freedom Fighters e Capital Monkey. Porém, como todo espírito inquieto, DJ Guizado não se permitiu estacionar em um único caminho.
Após um período de reflexão e estudo, o DJ passou a frequentar as sambadas de coco e cavalo-marinho da Parahyba, cortejos de maracatu e as vibrantes noites de música latina. Essa imersão na cultura tradicional nordestina reacendeu sua chama criativa. Foi nesse momento que ele decidiu trazer à tona toda a sua bagagem cultural para transformar suas performances em uma fusão poderosa de ritmos tradicionais brasileiros e latino-americanos com batidas digitais e sintetizadores.
Atualmente, DJ Guizado é sinônimo de experimentação. Seu trabalho nas pistas é marcado pela imprevisibilidade e pela mistura de sons que nunca perdem de vista o suingue brasileiro. Cada performance é uma jornada sonora que reafirma a riqueza da cultura nacional e a ousadia de quem transita entre o passado e o futuro da música. Além disso, o DJ também assina a produção musical do single “Boi da Mata” do projeto “Noé e a Barca”, do remix “O fio da Teia de Aranha” do duo “7 Estrelo”, e os beats e efeitos da faixa “Avuá”, da banda “Alumiô”, reafirmando seu papel como um artista que se reinventa constantemente.
O S.O.M “sistema operacional da música”, o canal de música da mídia NINJA, bateu um papo com o DJ Guizado.
1 – Quais foram as principais influências culturais e sonoras que te inspiraram a combinar ritmos tradicionais, como coco e maracatu, com batidas digitais?
As sambadas do Coco Novo Quilombo, comandadas por Mestra Ana no Quilombo do Ipiranga; o Coco do Mestre Benedito, de Dona Teca, em Cabedelo; os cortejos do Maracatu Pé de Elefante; os batuques no Beco da Philipéia, entre outras manifestações populares parahybanas, são certamente algumas das minhas maiores inspirações. Por outro lado, artistas como Chico Correa, Furmiga Dub e Luana Flores já vem fazendo essa conexão há muitos anos, e são referências quando o assunto é misturar ritmos tradicionais com sintetizadores e graves digitais potentes. São nomes que estão sempre na minha memória afetiva quando crio algo. Outros nomes como Curumin, Pedro Luis, Samuca e a Selva e Felipe Cordeiro estão há tanto tempo nas minhas playlists que aparentemente já fazem parte de mim (risos).
2 – Como sua experiência no psytrance e na cena eletrônica moldou a forma como você se conecta com a música popular brasileira nas suas performances?
É mais correto dizer que as culturas populares brasileiras moldaram a forma como eu enxergo o psytrance do que o contrário. Minha experiência com o psytrance foi marcada por uma forte necessidade de aprofundamento. Eu podia apenas usar meus lisérgicos e curtir a onda dançando, mas ao longo do tempo quis vivenciar isso de forma cada vez mais ritualística. Eu sabia que tinha algo mais profundo e enraizado, e era isso que perseguia.
Quando conheci o coco de roda, o maracatu, o cavalo marinho, a ciranda, descobri o que vinha antes. O poder de organização social que as culturas tradicionais têm é imensurável, e trabalhar nesse campo faz muito mais sentido pra mim. Dançar é uma forma de se autoconhecer, é óbvio, mas também de conhecer os outros e de se forjar enquanto comunidade, de reafirmar tradições que nos trouxeram até aqui e que talvez sejam as bases para superar as mazelas dos tempos atuais.
3 – O que você busca transmitir ao público ao misturar a riqueza da cultura popular com os elementos tecnológicos e digitais nos seus sets?
Quero antes de mais nada honrar o que veio antes. A música e as culturas brasileiras, latinas e caribenhas são riquíssimas em todos os aspectos, e os elementos digitais podem vir para agregar a essa riqueza, no lugar de apagá-las. O que busco transmitir é a minha e a nossa identidade latino-americana, o suingue e o “jeitinho” que fazem parte da nossa forma de lidar com as dificuldades desde sempre, uma música eletrônica do “terceiro mundo”, como convencionaram nos chamar. Quero provocar coesão através daquilo que já temos em comum, mas muitas vezes desprezamos.