Com a presença do presidente Lula, ministras e ministros, o governo federal lançou hoje, em cerimônia no Palácio do Planalto, dois planos que contribuirão para a promoção da agroecologia no Brasil: o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) e o Plano Nacional de Abastecimento Alimentar (Planab – Alimento no Prato). O lançamento do Planapo ocorre após vários adiamentos, por prever entre suas iniciativas, o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara).

Na terceira edição, o Planapo tem como objetivo ampliar e fortalecer a produção, a manipulação e o processamento de produtos orgânicos e de base agroecológica. Já o plano Alimento no Prato é uma iniciativa inédita, que tem como objetivo estabelecer um sistema alimentar que viabilize o acesso a alimentos saudáveis de maneira sustentável, com atenção especial aos alimentos da cesta básica. 

O público-alvo inicial de ambos os planos são agricultoras/es familiares, assentadas/os da reforma agrária, povos e comunidades tradicionais, micro e pequenos empreendimentos rurais, cooperativas e associações, mas suas ações têm potencial para beneficiar toda a população brasileira. 

O presidente Lula comemorou o lançamento. “Estamos lançando uma coisa que nunca foi lançada na história desse país. Eu achei uma coisa exuberante, extraordinária, muita criatividade, muita coisa nova, muita vontade política. Agora vocês tem que saber que precisam fazer, porque eu estarei no pé de vocês”, disse, referindo-se aos ministros. “Então, agora é a nossa obrigação fazer as coisas darem certo”.

Ambos os planos foram criados com a participação de organizações da sociedade civil, que incluem a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), e representam um grande passo para que o Estado brasileiro cumpra sua função de assegurar o direito humano à alimentação saudável e adequada, além de apontarem possibilidades para o governo orientar sua estratégia política para o enfrentamento da questão climática. 

“O Brasil nunca teve uma política de abastecimento da forma como está sendo lançada agora, construída a partir da inspiração de experiências populares com a mediação de colegiados nacionais de participação social”, afirma Paulo Petersen, da ONG AS-PTA e representante da ANA na Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo). 

Elisabetta Recine, presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), celebrou o lançamento em nome da sociedade civil. “Lançar o Plano Nacional de Abastecimento Alimentar e o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, no mesmo momento, é uma demonstração e um compromisso de desatar dois dos principais nós que fazem com que a realização do direito humano à alimentação adequada seja ainda um grande desafio: não adianta produzir muito. Não adianta produzir às custas da nossa sobrevivência. Não adianta produzir muito e muitos não se alimentarem”, disse Recine. 

A presidenta do Consea também abordou o papel dos planos no enfrentamento da crise climática. “É urgente ultrapassar a etapa do diagnóstico de que a forma como produzimos e consumimos alimentos é um dos principais contribuidores da crise climática”, defendeu.

O ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA) Paulo Teixeira ressaltou a intersetorialidade da iniciativa e a participação dos conselhos na elaboração dos planos, e anunciou orçamentos para viabilizá-los: R$6 bilhões em recursos associados ao Pronaf, R$115 milhões em fomento visando a inclusão produtiva, R$100 milhões em parceria com a Fundação Banco do Brasil, e uma parceria com a Itaipu Binacional, no valor de R$ 55 milhões, para a reforma e modernização dos armazéns da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). 

Teixeira anunciou também o início de uma nova etapa, a cargo do Planalto, de substituição de agrotóxicos altamente tóxicos e de alta periculosidade. “Diversos químicos já proibidos na Europa e nos Estados Unidos ainda são largamente utilizados aqui no Brasil e esses químicos deverão ser substituídos por biológicos. O melhor de tudo é que os bioinsumos são capazes de garantir alta produtividade, alta qualidade e por um custo menor”, disse ele.

O lançamento simultâneo dos planos revela um aspecto inovador no tratamento da questão alimentar pelo Estado. Isso parte da constatação de que, para alterar o padrão de alimentação da população brasileira, não basta incentivar a produção de alimentos saudáveis, é essencial apoiar a construção de sistemas de abastecimento que façam com que esses alimentos cheguem a quem mais precisa e não tem acesso. 

Para Petersen, trata-se do reconhecimento de que o alimento não pode ser tratado como uma mercadoria como outra qualquer, regulada pelo interesse de grandes empresas. “A lógica que, infelizmente, ainda domina as políticas agrícolas induz à produção de matérias-primas para a indústria de alimentos, que por sua vez entrega à sociedade alimentos ultraprocessados através de grandes empresas do ramo varejista”, ele explica.

Portanto, um aspecto importante dos planos é abordar a questão da alimentação a partir de uma visão de sistema, desde a produção até o consumo. “Se queremos, de fato, superar a tragédia da fome e da insegurança alimentar e nutricional de forma mais abrangente e profunda, precisamos colocar novas  perguntas: que alimentos são produzidos, quem produz, como produz, onde produz, como será distribuído e quem consumirá?”, aponta Petersen. 

O papel dos planos não é, necessariamente, lançar novas políticas, mas articular e dar coerência ao conjunto de políticas implementadas por diferentes ministérios, visando alcançar determinados objetivos estratégicos. Dada a forte relação entre os dois planos, “uma das ideias que estamos debatendo é a de estabelecer um sistema compartilhado de monitoramento do Planapo e do Alimento no Prato”, conta Petersen.

O Planapo é resultado do trabalho coletivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), composta por representantes de 21 órgãos de governo (sendo 14 ministérios) e de 21 entidades da sociedade civil. Já o Alimento no Prato foi criado com a participação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo). Para inspirar sua elaboração, várias organizações que integram a ANA apresentaram suas experiências de produção, distribuição e abastecimento alimentar em oficinas de trabalho

O lançamento conjunto dos planos foi festejado pelos representantes de organizações e movimentos populares que integram a Cnapo. Para Leomárcio Araújo, do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), “lançar os dois planos juntos coloca o alimento na centralidade do governo, com a preocupação de garantir que não seja qualquer alimento, mas um alimento saudável, a partir da agroecologia. Então, hoje se celebra toda a luta de camponeses e camponesas que cuidam da terra, das águas e da vida”. 

Já Ramon Morato, da Rede Maniva de Agroecologia e da ANA Amazônia, destaca a participação social na elaboração dos planos. “Hoje é um dia de vitória pelo lançamento do Planapo, que é uma política como deve ser, com participação popular”, defende. Esse sentimento é partilhado por Philipe Casado, do Movimento Camponês Popular (MCP), para quem “a agroecologia e o abastecimento são pautas conjuntas, que tanto fortalecem a agricultura camponesa, na produção de alimentos saudáveis, como também endereçando esses alimentos para quem mais precisa. 

Mas, essa conquista não veio de mão beijada, na opinião de Adriana Mezadri, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC). Ela, destaca a luta histórica de organizações e movimentos populares pela implementação desses planos. “Essa é uma luta coletiva de muitos anos, que fortalece a produção agroecológica. São políticas concretas para a vida do povo do campo, das águas e das florestas”. A camponesa celebra: “esse é um momento histórico, vencemos e vamos fortalecer ainda mais essa produção para garantir a soberania alimentar do povo brasileiro”.