Não é cedo demais para dizer: Edvana Carvalho é a atriz do ano

Na coluna de hoje, ela fala sobre o seu primeiro solo – “Aos 50, quem me aguenta?” – trazendo a sua relação com a pauta racial e os dilemas da velhice, além da potente mensagem que quer deixar para as futuras gerações

Edvana Carvalho é dessas atrizes que chegam com os dois pés na porta, pra mostrar a que veio mesmo. Felizmente, as grandes produções ainda não perderam totalmente a boa prática de valorizar quem realmente tem talento. A excepcional atriz, para além dos ótimos trabalhos na TV, também já brilhou em produções de grande prestígio no cinema nacional, como nos filmes “Ó Pai, Ó” e “Os Homens São de Marte… E é para Lá que Eu Vou“. Natural de Salvador, a sublime atriz iniciou sua carreira ainda na escola, passando pelo Grupo de Teatro do SESC/SENAC, chegando à primeira formação do Bando de Teatro Olodum. 

Na coluna de hoje, ela fala sobre o seu primeiro solo – “Aos 50, quem me aguenta?” – trazendo a sua relação com a pauta racial e os dilemas da velhice, além da potente mensagem que quer deixar para as futuras gerações.

Com vocês, a atriz do ano, Edvana Carvalho:

Minha querida, nos conte um pouco sobre o seu primeiro solo, “Aos 50, quem me aguenta?”. Como está sendo essa experiência de estrear um trabalho que toca em um tema tão importante, que é sobre a velhice das mulheres negras? 

Esse solo é a vontade de levar a minha experiência como atriz ao palco sozinha, a falar um pouco da minha trajetória como mulher chegando aos 50 anos, como mulher, como artista, e os percalços que uma artista negra como eu tem que enfrentar na vida, as dificuldades, e também aceitar esse novo corpo. Estar bem com essas coisas, não aceitar mais ser domada por ninguém, nem por homens, nem por sociedade, nem nada. Então, é falar sobre a maturidade de uma forma divertida, jovial, mostrar que são fases da vida e que não é como antigamente se via, chegar aos 50 anos você estava velha e tal, hoje não, você está no auge da sua força, as coisas mudaram, a ciência mudou, o corpo mudou. E nós, que éramos as crianças da década de 1970 do Brasil e éramos a maioria, agora somos a maioria chegando nessa maturidade. 

Então, como é que o mundo enxerga a gente, como é que a gente quer que o mundo enxergue a gente sobre essas coisas aí, maturidade, filhos, sexo, como funciona nosso corpo, quais são as coisas que nós fazemos, desse discernimento do que nós queremos e do que o sistema quer. Aos 50 é baseado na escrevivência da professora Conceição Evaristo, pegar essa escrevivência, misturar com ficção, misturar com as histórias que ouvimos de outras mulheres, com as quais crescemos nos bairros das nossas famílias, das mulheres da nossa família também, e levar essa escrevivência para uma dramaturgia no palco.

De onde veio esse sonho de ser atriz e quais as suas maiores referências? 

Acho que isso acontece já na fase da segunda infância, quando eu tenho uns 10, 11, 12 anos. Eu já me interessava muito por histórias, por ouvir histórias, por tentar encenar histórias que ouvia, e aí na adolescência, no colégio, comecei a fazer de todos os trabalhos da escola uma peça com os amigos, depois entro no teatro da escola do Colégio Educacional do Espírito de Carvalho, no São Caetano, e faço quatro anos de teatro ali. Aí me formo no magistério, saio da escola e aí vou fazer quatro anos de teatro no Sesc Senac, ali no Pelourinho, e depois faço parte da primeira formação do Bando de Teatro Olodum, que foi um grupo divisor na vida do teatro, em Salvador, na Bahia, nas nossas vidas, no Brasil, porque é um grupo que surge no início da década de 1990, trazendo essa linguagem da periferia, esses nossos corpos, a nossa dança, o nosso jeito de interpretar, de escrever. Todas as nossas peças no início do Bando são orais, dessa tradição do Bando. Esse ativismo negro no palco, esse corpo que já é um corpo político no palco e a gente podendo montar nossos personagens, nossas histórias, nossa arte.

Então, é daí que vem essa minha vontade de fazer teatro, e eu acho que todas as atrizes e atores negros, o próprio grupo da década de 1950, o TEM – Teatro Experimental do Negro, Abdias Nascimento, todos esses, todos os atores e atrizes e dançarinos pretos que eu vi na minha infância me deram essa força de querer prosseguir nessa profissão. E eu gostaria muito de falar e de homenagear os atores e as atrizes do Bando de Teatro Olodum, que é a minha escola, que me forjaram.

Como você se prepara emocional e fisicamente para os seus papéis, especialmente aqueles que lidam com temas tão profundos e pessoais?

Eu acho que toda preparação é importante para o ator, para o dançarino, para o artista em geral. Utilizar da sabedoria de um, de outro, do que você guardou durante a vida, das experiências que você teve, tecnicamente, também como atriz, também como ser humano, acho que mistura tudo isso. Acho que é ouvir muito as pessoas que estão ao seu redor, contestar quando é necessário, mas está naquela posição de ouvir e de mergulhar na história. Querer contar aquela história é importante. Aí, nesse momento, não é mais dinheiro, não é mais glamour, não é nada. É você querendo contar aquela história e se comunicar com as pessoas que vão te assistir.

Você acredita que as pautas raciais avançaram no Brasil? 

As pautas raciais no Brasil vêm avançando desde que o primeiro indígena foi para o cativeiro e desde que o primeiro africano sequestrado pisou em terras brasileiras. E esses corpos não aceitaram essa escravização. Então a lei começou. Vem caminhando a passos lentíssimos, mas vem caminhando, vem transformando, porque o destino da humanidade é esse: ir adiante, é ir além, retroceder jamais. E eu espero que, para as próximas gerações que estão vindo aí depois da minha, e eu já tô vendo isso, que elas consigam ter destaque. Nas suas carreiras, seja qual for, e ter também destaque financeiro nas suas carreiras, muito antes de chegar aos 50.

Quais são os maiores desafios que você enfrenta na sua carreira e como você os supera?

Acho que não poder me dedicar totalmente, não ter podido me dedicar totalmente à minha profissão de atriz e ter que ter outra profissão, outro emprego para poder sobreviver. Acho que isso, às vezes, ajuda e atrapalha ao mesmo tempo. E como a gente diz, né, tem todas as pautas raciais que atrapalham também, é uma loucura.

Qual legado você quer deixar?

Não quero deixar legado nenhum, eu quero viver a minha vida e fazer o trabalho que eu gosto de fazer, seja na educação, seja no palco, e conviver com as pessoas que eu estou convivendo e que eu ainda vou conhecer, e poder dar o melhor de mim nas coisas que eu faço, com as pessoas que estão ao meu redor. Eu não acredito que quem deixa legado fica pensando em deixar legado. Eu acho que a gente tem que pensar em ser o que a gente é, em ser fiel ao que a gente acredita, em pensar sempre no todo, na comunidade.