Por Roberta Quintino l Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Amazônia seca, Cerrado e Pantanal em chamas, e o agronegócio segue intacto. No Brasil, o agronegócio, setor que se apresenta como motor do progresso econômico, com uma média de 5% do PIB nacional, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), tem papel central no agravamento das ocorrências climáticas, com impactos profundos na biodiversidade e na saúde pública. No entanto, o agronegócio continua a se expandir, submetendo todos nós às suas práticas predatórias.

O que o agronegócio chama de desenvolvimento econômico é, na verdade, um ecocídio patrocinado pelo próprio Estado, que, somente em 2024, direcionou mais de R$ 400 bilhões ao setor por meio do Plano Safra. Além disso, o agronegócio se beneficia de isenções fiscais em toda a sua cadeia produtiva, inclusive na dos agrotóxicos. Estima-se que, só em 2021, o Brasil deixou de arrecadar quase R$ 13 bilhões com as isenções de impostos sobre agrotóxicos.

Em um contexto de crescente degradação da biodiversidade, o governo dificilmente conseguirá implementar ações eficazes para combater os efeitos da crise climática sem enfrentar os interesses do agronegócio. Falar em proteção ambiental e assumir compromissos internacionais, como a COP 30, que acontecerá no Brasil em 2025, sem tratar da redução de agrotóxicos é contraditório.

Dessa forma, os problemas gerados por esse modelo de produção não podem ser ignorados por políticas públicas comprometidas com o bem-estar social, a proteção ambiental e a saúde humana. Nesse cenário, o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) surge como uma política pública essencial para mitigar os efeitos do agronegócio e dos agrotóxicos. O Pronara propõe medidas concretas para reduzir os impactos dos agrotóxicos na saúde humana e no meio ambiente, além de estimular e criar condições para a transição agroecológica e o fortalecimento de sistemas alimentares mais saudáveis para as pessoas e para o planeta.

Porém, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) tem sistematicamente bloqueado o Pronara no âmbito do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), cujo lançamento está pendente. A recusa do MAPA ao Pronara não é uma simples omissão, mas uma ação deliberada para enfraquecer políticas que propõem soluções para a crise ambiental. O Pronara é visto por setores do agronegócio como um obstáculo a seus interesses e aos das indústrias químicas que lucram bilhões com a venda de agrotóxicos no Brasil. No entanto, o programa é uma solução estratégica e necessária para problemas centrais como a preservação da biodiversidade, o combate à fome, a contaminação do solo e da água e, sobretudo, o enfrentamento da crise climática.

Dos 13 ministérios envolvidos no Planapo, apenas o MAPA se opõe à inclusão do Pronara no Plano Nacional de Agroecologia, negando a existência de uma crise climática e a responsabilidade do agronegócio e dos agrotóxicos nesse processo. Devido ao recuo do MAPA, o lançamento do Planapo já foi adiado quatro vezes somente este ano.

A redução dos agrotóxicos e a transição agroecológica para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis, conforme previsto no Pronara, não devem ser vistas como uma alternativa de longo prazo, mas como uma urgência. O agravamento da crise climática e a destruição ambiental causada pelo agronegócio exigem um processo acelerado de reversão desse modelo. Para isso, o Pronara deve ser fortalecido e implementado com seriedade.

Vale destacar que a produção de agrotóxicos está fortemente atrelada à emissão de gases de efeito estufa. De acordo com relatório da Pesticide Action Network UK (PAN UK), 99% de todos os produtos químicos sintéticos, incluindo agrotóxicos, são derivados de combustíveis fósseis, contribuindo para as emissões de gases de efeito estufa. O estudo aponta, por exemplo, que 9,8 milhões de toneladas de CO2e resultaram direta ou indiretamente das operações da Syngenta em 2021. “Isso equivale às emissões anuais de dióxido de carbono de mais de 2 milhões de veículos de passageiros.”

O documento também destaca que “os sistemas agrícolas que não dependem do uso de agrotóxicos, como aqueles baseados em princípios agroecológicos ou na agricultura orgânica diversificada, podem reduzir as emissões de gases de efeito estufa e aumentar a captura de carbono.” Além disso, o Atlas dos Agrotóxicos, publicado em 2023, aponta que o uso de agrotóxicos libera carbono na atmosfera. A contaminação por esses produtos tem levado à perda da microbiota do solo, afetando a produção de matéria orgânica, fundamental para o armazenamento de carbono orgânico. Quando degradado, o solo pode liberar carbono na forma de gás carbônico e metano, agravando as mudanças climáticas. Assim, o uso de agrotóxicos tem acelerado a degradação dos solos brasileiros.

Ou seja, dada a posição do Brasil como um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo, a dependência de combustíveis fósseis no setor agrícola é significativa, agravando os problemas ambientais e contribuindo para a intensificação das mudanças climáticas.

Ao tentar enfraquecer o Pronara, os defensores do agronegócio buscam impor uma hegemonia no modo de produção agrícola, deslegitimando alternativas viáveis e necessárias à produção de alimentos e normalizando a crise climática e seus danos.

Portanto, o Pronara é imprescindível para enfrentar os desafios climáticos e construir um modelo de produção e consumo de alimentos alinhado à soberania alimentar e à preservação do meio ambiente.