Suspensão do X: novas informações revelam que ameaças de morte e exposição de dados de servidores públicos são o X da questão
Diferentemente do que alguns acreditavam, as ordens do STF para remoção de conteúdo descumpridas pelo X, antigo Twitter, não se referiam a conteúdos de natureza desinformativa, mas a crimes de ameaça cometidos contra diversos policiais federais brasileiros
No último sábado (14) os brasileiros acordaram com novas informações a respeito das razões que levaram o Supremo Tribunal Federal a determinar a suspensão do X no Brasil. Diferentemente do que alguns acreditavam, as ordens do STF para remoção de conteúdo descumpridas pelo X, antigo Twitter, não se referiam a conteúdos de natureza desinformativa, mas a crimes de ameaça cometidos contra diversos policiais federais brasileiros.
Há pelo menos uma semana circulam informações sobre esquema liderado por Allan dos Santos que estimulava, desde março de 2024, que militantes bolsonaristas “investigassem” e expusessem, nas redes sociais, dados pessoais de delegados da Polícia Federal. Os delegados vítimas desse esquema eram especialmente aqueles responsáveis por inquéritos criminais que investigavam a cúpula do bolsonarismo. A principal vítima da iniciativa foi o delegado Fábio Shor, que comandou a equipe de investigadores que apuraram os casos das joias sauditas subtraídas pela família bolsonaro para seu acervo pessoal.
Em resposta às incitações de Allan dos Santos, servidores públicos bolsonaristas usaram seus acessos para levantar informações nos sistemas do Detran de delegados da Polícia Federal. Páginas no Twitter administradas por indivíduos, anônimos ou não, iniciaram campanhas de doxxing, expondo publicamente informações pessoais e privadas dos servidores da PF sem o consentimento dos mesmos, como fotos, endereço, dentre outras, bem como realizaram ameaças aos policiais e seus familiares. Num dos casos, o Senador Marcos do Val (Podemos-ES) realizou uma postagem no X com a foto da filha de 5 anos e da esposa de um delegado. Na legenda da foto, lia-se: “Procura-se vivo ou morto”.
Diante desses fatos, o Supremo Tribunal Federal foi provocado a instaurar inquérito para a apuração dos crimes cometidos contra os servidores da Polícia Federal. No curso da investigação, o Ministro Alexandre de Moraes expediu diversas ordens de remoção de conteúdos e contas com exposição de dados e ameaças contra os delegados da Polícia Federal que conduziam as investigações. Foram essas as ordens de remoção de conteúdos que o X descumpriu de modo reiterado, colocando em risco a vida de policiais brasileiros e de seus familiares. Diante das negativas da empresa em cumprir com as decisões da Suprema Corte brasileira é que se desenrolaram os atos seguintes: (i) a fixação de multa de R$ 18 milhões contra o X, (ii) a intimação pessoal dos representantes legais da empresa para o cumprimento da decisão, (iii) a decisão de Elon Musk de encerrar as operações do X no Brasil e interromper o recebimento de intimações judiciais (iv) a decisão do STF para a desconsideração da personalidade jurídica do X de modo a alcançar o patrimônio pessoal de seu sócio, Elon Musk, dentre eles a Starlink, (v) e diante da ineficiência de todas as medidas anteriores, a suspensão do funcionamento do X no Brasil até o cumprimento das decisões judiciais.
Embora Musk repita efusivamente que sua opção por descumprir as decisões do Supremo Tribunal Federal derivam de uma suposta violação de tais decisões à Constituição brasileira, salta aos olhos duas situações.
A primeira é que os próprios termos de uso do Twitter vedam a publicação de “informações privadas de outra pessoa sem a autorização e a permissão expressa dessa pessoa”, além de comportamentos que tenham como objetivo “direcionar abuso ou assédio a outras pessoas nem encorajar demais pessoas a fazê-lo”. Assim, se a decisão do STF para remoção de conteúdos dessa natureza violam o direito fundamental à liberdade de expressão, as políticas do X que vedam esse tipo de conteúdo também seriam políticas violadoras da livre expressão do pensamento.
A segunda é que a ordem jurídica brasileira de modo expresso determina que a responsabilização de um provedor de aplicações, como o X, apenas pode ocorrer nas hipóteses em que tal provedor de modo expresso deixar de cumprir com uma decisão judicial no país, sendo esse regime conhecido como judicial notice and take down. Tal regime de responsabilidade brasileiro que fundamenta-se no art. 19 do Marco Civil da Internet (MCI) é reconhecido internacionalmente como um dos mais protetivos à liberdade de expressão no mundo, já que a empresa apenas pode ser responsabilizada na hipótese de deixar de observar uma decisão judicial, o que efetivamente aconteceu, após o X descumprir de modo reiterado com as decisões da justiça brasileira. Musk, desse modo, contribui para recaia ainda mais desconfiança sobre o art. 19 do Marco Civil da Internet que tem sua constitucionalidade discutida no STF.
Toda essa situação não elide o fato de que existem problemas nas decisões emanadas pelo STF nessas questões. A fixação de multa para usuários que utilizem VPN para acessar o X imputa, aos indivíduos, uma responsabilidade pelos atos ilícitos da plataforma e, por isso, deve ser balizada.
Também foi um equívoco a determinação para remoção de serviços de VPN das lojas de aplicativos e dispositivos. Tal medida poderia representar uma ameaça real à cibersegurança no Brasil e levar a problemas de funcionamento de diversas aplicações, como bibliotecas, serviços de antivírus e diversos outros serviços, públicos e privados, que dependem de VPNs para operar. Felizmente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inadequação de tal medida e a suspendeu no mesmo dia em que fora emanada.