*Por Viviana Santiago

Faz um ano que Mãe Bernadete foi brutalmente assassinada em sua casa no quilombo Pitanga dos Palmares. Alvejada por 25 disparos na presença de seus três netos, a Yalorixá e Liderança quilombola teve sua vida interrompida em 17 de agosto de 2023, mas sua voz não foi silenciada. Mãe Bernadete deixou um imenso legado.

É pela luta de mulheres como ela que o Brasil vem aprendendo a não aceitar casos como esse, tratados antigamente como um mero conflito. Sabemos hoje que a morte de uma mulher, preta, ialorixá e líder quilombola é uma das consequências nefastas do racismo que estrutura as desigualdades brasileiras.

A história da comunidade de Pitanga dos Palmares é, também, marcada pela exploração ilegal de recursos, especulação imobiliária e cobiça de grandes empreendimentos por aquelas terras. Pitanga dos Palmares é território Quilombola. 

Mas, a despeito dos interesses predatórios, seu povo resiste às consequências das desigualdades estruturais que permeiam a formação da sociedade brasileira. Faltam recursos e sobram preconceitos. 

A ausência da proteção do estado e do cumprimento da lei abre espaço para a violência. Quilombolas, como Mãe Bernadete, foram vítimas da violência fatal no campo 35 vezes nos últimos 10 anos – uma estatística que inclui seu filho, Binho do Quilombo, cujo assassinato permanece sem resolução. 

Nas regiões Norte e Nordeste, a violência no campo cresceu 35% e 32%, respectivamente, na última década. Só a Bahia, estado onde ela e seu filho foram executados, houve 249 ocorrências de conflitos no campo no ano passado, o maior número dentre os estados brasileiros, segundo a Comissão Pastoral da Terra. 

No campo, mulheres quilombolas, indígenas e extrativistas na preservação da Amazônia são defensoras, protetoras e guardiãs da biodiversidade e constante vítima da ameaça do garimpo ilegal, da exploração da madeira irregular e da grilagem de terras. Como exibido no documentário “Se tem floresta em pé, tem mulher”, realizado pela Oxfam Brasil junto a outros movimentos, a luta delas pela terra, florestas e águas dos rios e contra as alterações climáticas é uma luta pela própria existência.

Mais de 40% das mulheres negras vivem abaixo da linha da pobreza, em comparação com 21,3% das mulheres brancas. O índice de concentração de riqueza mostra que 0,5% da população no Brasil detém metade do crescimento econômico do país, enquanto 90% vive com menos de três salários mínimos por mês.

É imperativo enfrentar a discriminação e o racismo com políticas afirmativas e combater o racismo institucional que precariza a política pública em sua capacidade de atender às demandas da população negra. A democracia deve ser desprivatizada, promovendo maior transparência e participação da sociedade civil. 

Cobramos recursos públicos adequados para políticas sociais, como educação, saúde e habitação, e melhorar a qualidade e o alcance do ensino, especialmente para a população negra e quilombola.

Desta maneira, atuamos para dar continuidade à luta de Mãe Bernadete, temos certeza de que sua vida foi interrompida, mas que sua luta não foi em vão.

Neste aniversário de dez anos, a Oxfam Brasil convida a todas, todes e todos a honrar seu legado, combatendo as causas das desigualdades e construindo um país onde todas as vidas sejam valorizadas e protegidas. 

* Viviana Santiago é diretora-executiva da Oxfam Brasil