Por Hyader Epaminondas

Ambientada no Rio de Janeiro dos anos 1990, a trama de “Impuros” acompanha a vida de Evandro do Dendê, interpretado por Raphael Logam, que se envolve no mundo do tráfico de drogas após a morte de seu irmão. A série mergulha profundamente nas complexidades sociais e psicológicas dos personagens, explorando temas como crime, família, poder e a subjetividade e seletividade da Justiça.

Nesta temporada, a relação entre Evandro e sua mãe, Arlete, alcança um ápice emocional notável. Cyria Coentro oferece uma atuação visceral que captura de maneira poderosa as perdas e o sofrimento de sua personagem. Seu olhar, cego, carregado de ódio e dor, transmite uma profundidade emocional que ressoa intensamente com o público. Paralelamente, Evandro é forçado a confrontar e explorar sua própria vulnerabilidade, enfrentando adversidades que o deixam cada vez mais encurralado, obrigado a navegar por uma tempestade de emoções e desafios, enquanto a Geise de Lorena Comparato toma para si o protagonismo da série com cenas memoráveis.

A série não se esquiva de verdades inconvenientes, o realismo presente na ambientação é uma marca registrada de Impuros e o que inicialmente se apresenta como uma simples e genérica história de polícia e traficante se transforma em uma verdadeira odisseia ao longo dessas cinco temporadas sobre a comunidade carioca que vive à margem da sociedade. Com uma abordagem sensível e profunda, Impuros desvela as complexidades e os desafios enfrentados pelos moradores dos morros cariocas, entrelaçando sua narrativa com uma subjetividade fenomenal e uma riqueza semiótica que analisa e interpreta minuciosamente cada aspecto do que é mostrado em cena silenciosamente.

Apesar do roteiro da série ser pontuado por diálogos imponentes e gírias locais que conferem autenticidade ao ambiente e à cultura retratada nas interações e relacionamentos dos personagens, equilibrando humor e drama, é a atuação corporal que realmente sustenta a narrativa. A maneira como os personagens se movem, gesticulam e ocupam o espaço é fundamental para transmitir uma conexão subentendida com as injustiças sociais que permeiam a trama para comunicar sentimentos e tensões, que acabam sendo essenciais para a compreensão plena da trama, principalmente nessa temporada.

Um elenco magnífico

O trio principal da série são pilares indispensáveis da narrativa Raphael Logam equilibra vulnerabilidade e determinação, mesmo quando o ritmo frenético da temporada não lhe oferece momentos de pausa. A deterioração emocional e física de seu personagem, imerso em um caminho cada vez mais sombrio e sem saída, é retratada com uma autenticidade que torna impossível desviar o olhar.

Lorena Comparato, por sua vez, entrega uma interpretação verdadeiramente multifacetada como Geise, demonstrando uma habilidade impressionante ao transitar entre fragilidade e força com uma naturalidade quase surreal, reproduzindo até uma referência sutil à cena icônica do cruzar de pernas de Sharon Stone em Instinto Selvagem. Sua capacidade de alternar entre o espanhol e o português, com um toque cômico, oferece um alívio sutil ao tom sério exigido pelo papel. Em diversas ocasiões nesta temporada, Comparato não apenas complementa, mas domina o papel de protagonista com uma intensidade magnética.

Sua presença em cena é irresistível, explorando as camadas mais sutis de sua personagem com uma harmonia que revela nuances de violência e profundidade não explicitamente mostradas pela série, enquanto assume de vez o comando do núcleo da Bolívia e a produção do Ouro Branco até o surpreendente momento do final aberto dessa temporada.

Cyria Coentro, como Arlete, personifica a resiliência e a dor de uma mãe que lida com as consequências das escolhas de seu filho. Sua atuação é visceral e emocionalmente carregada, proporcionando um contraponto poderoso às tensões presentes na série, apesar de pouco tempo em tela, assumindo um papel secundário agora numa trama paralela relacionada ao seu filho.

A harmonia quase surreal entre a comédia e o drama é um dos pontos fortes de Impuros. O núcleo cômico, composto por Gilmar (Leandro Firmino), Wilbert (Sérgio Malheiros) e Burgos (Gillray Coutinho), introduz uma aura ácida e bem-humorada, repleta de piadas inteligentes que aliviam a tensão nos momentos mais pesados, cada um com seus respectivos arcos narrativos que exaltam ainda mais suas individualidades, mesmo orbitando em volta de Evandro. De forma contida, mas marcante, a advogada Juliana, apelidada de “Terninho” e interpretada por Késia Estácio, chega para apimentar, trazendo uma nova dinâmica recheada de momentos de humor genuinamente engraçados com o núcleo do Dendê.

O núcleo da Polícia Federal na quinta temporada se perde em clichês e tramas desnecessárias, mesmo com a excelente adição de MC Carol como Marcelão, que, com sua presença carismática, torna o núcleo mais agradável com momentos genuínos de humor, se apropriando das cenas com uma energia contagiante, sendo um exemplo claro de como um talento forte pode revitalizar um enredo saturado.

O foco excessivo nos atos de corrupção do agente Morello, interpretado por Rui Ricardo Diaz, faz com que a história se arraste sem avanços significativos. Embora Diaz ofereça uma atuação impecável, a estagnação do personagem enfraquece o impacto dramático da trama. Esse fator contribui para que o núcleo se torne desmotivador, maçante e repetitivo, especialmente com o retorno de dois personagens cujo arco se apresenta notavelmente redundante. Esse contraste é ainda mais evidente quando comparado com a dinâmica e o desenvolvimento vibrante de outros personagens na série.

A exaustão dos conflitos

Uma cena simbólica destaca a direção primorosa da série: Morello, em um momento de oração, beija uma bala, enquanto Evandro, em paralelo, beija seu fio de contas. Essa imagem poderosa revela as motivações internas de cada personagem, sublinhando a dualidade entre fé e violência, esperança e desespero.

Evandro está focado no futuro e no que é melhor para sua família, dedicado a construir um legado e assegurar um futuro mais seguro para os seus, cada decisão tomada é como um tijolo a mais na edificação de um amanhã promissor, mesmo que suas mãos se manchem de sangue no processo.

Em contraste, Morello está preso ao passado, consumido por uma vingança pessoal que o cega para a destruição que está causando em sua própria vida. Sua obsessão, consumida por uma vingança que o cega para a destruição que semeia ao seu redor, seus atos de corrupção e retaliação fizeram com que ele perdesse a conexão com sua filha, que acabou se tornando tudo que ele dizia supostamente combater. Esta diferença crucial entre os dois personagens destaca a profundidade e complexidade de Evandro, enquanto sublinha a estagnação e futilidade da jornada de Morello.

“Impuros” continua a ser uma série que não tem medo de enfrentar questões sociais complexas, para desafiar e subverter as expectativas, sempre se aprofundando nas motivações e dilemas morais dos personagens ao oferecer uma perspectiva rica e multifacetada da realidade retratada. É uma obra que, apesar de alguns tropeços, se mantém relevante, oferecendo performances memoráveis e uma narrativa rica em significados, mesmo com o vício agoniante de deixar seus finais de temporada em aberto.