Atingidos de Mariana pedem que Lula rejeite acordo de R$ 100 bi de mineradoras
Atingidos afirmam que o valor do pagamento deveria ser no mínimo R$ 500 bilhões
“Os valores são totalmente insuficientes”. Atingidos por um dos maiores crimes ambientais da história recente do país, atingidos de Mariana, em Minas Gerais, afirmam que o valor do pagamento deveria ser no mínimo R$ 500 bilhões, e que a Vale a BHP Bilinton, responsáveis pela barragem, colocam a responsabilidade do crime ambiental na conta de todos os brasileiros ao propor apenas o pagamento de R$ 100 bilhões, ao longo de 20 anos.
“Os valores são totalmente insuficientes para a reparação dos danos individuais, das compensações coletivas, da recuperação do meio ambiente, tampouco da inclusão de áreas atingidas que nunca foram reconhecidas pelas empresas. É o caso do Sul da Bahia e algumas regiões do litoral capixaba”, diz trecho da carta que foi entregue ao presidente Lula, nesta quarta-feira (7), após uma jornada de manifestações que iniciou pela manhã. O Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macedo, representou o presidente.
Na carta, o MAB expressa a necessidade urgente de um processo justo e inclusivo para garantir a reparação integral das comunidades afetadas pelo rompimento da barragem em Mariana, também pede que seja realizada uma audiência com Lula.
Durante a manhã, o MAB promoveu um ato em frente à sede do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM). A ação visou denunciar a intervenção da mineradora BHP, que teria destinado R$ 6 milhões ao IBRAM para mover uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra os municípios que buscam indenizações por meio da justiça inglesa. Segundo o MAB, essa tentativa de intervenção representa um ataque ao direito dos atingidos de obter justiça.
O que diz a carta dos atingidos a Lula
Segundo o MAB, os R$ 100 bilhões propostos para um acordo global não são adequados para garantir uma reparação justa. Eles ressaltam que, em comparação com o acordo de Brumadinho, onde a Vale comprometeu-se com valores significativamente maiores, o valor proposto para Mariana deveria ser de, no mínimo, R$ 500 bilhões.
Lucros das mineradoras
O MAB destaca que os valores propostos representam apenas uma pequena fração dos lucros líquidos anuais da Vale. Em 2023, o lucro da empresa foi tão alto que o valor do acordo representaria apenas 10% dos ganhos de um ano. Isso, segundo o MAB, demonstra que o crime compensa para as mineradoras.
Exclusão dos atingidos
A organização denuncia que as negociações têm ocorrido a portas fechadas, sem a participação das comunidades atingidas, o que contraria o espírito de reconstrução e união do país promovido pelo governo. Eles exigem transparência e inclusão nas negociações.
Mau exemplo internacional
O MAB alerta que o acordo proposto pode ser um mau exemplo internacional. A falta de participação das vítimas e a tentativa das mineradoras de impedir ações de reparação em cortes estrangeiras prejudicam a imagem do Brasil no cenário global de justiça ambiental.
Defesa da PNAB
O MAB defende que a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) seja utilizada como referência para um acordo justo. Esta política garante os direitos dos atingidos e uma reparação ambiental adequada, colocando as vítimas no centro do processo de negociação.
Apelo à Justiça
A carta apela ao Presidente Lula para que ele não permita que o judiciário, os governos e as instituições de justiça fechem um acordo sem consultar as vítimas. O MAB alerta que um acordo sem a participação dos atingidos seria mais uma violência contra aqueles que já sofreram muito.
Pedido de audiência
O MAB solicita uma audiência com o Presidente Lula para apresentar suas propostas detalhadas. A organização destaca sua experiência de mais de 30 anos e quase 9 anos de luta das comunidades afetadas na Bacia do Rio Doce e litoral capixaba como base para suas reivindicações.
A carta do MAB reforça a necessidade de um processo de reparação que realmente atenda às necessidades das vítimas e não apenas aos interesses das mineradoras. O movimento espera que o Presidente Lula considere suas preocupações e propostas para garantir um futuro mais justo para todas as comunidades afetadas pelo desastre em Mariana.
Confira a carta na íntegra:
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) solicita que o Governo Federal não aceite a proposta apresentada pelas mineradoras Vale e BHP Billiton na Mesa da Repactuação Rio Doce e solicita uma audiência para apresentar nossas preocupações e propostas que visam um processo que garanta a participação dos atingidos e respeite a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) com inteira responsabilização das mineradoras.
Os valores apresentados pelas empresas, que buscam um acordo global de aproximadamente R$ 100 bilhões, não serão suficientes para garantir uma reparação integral e justa a todas as famílias atingidas, ou seja, pretendem repassar para o governo federal a obrigação de resolver os problemas não solucionados. Há muito tempo o MAB denuncia que, se comparado ao acordo feito pela Vale em Brumadinho, o valor do acordo de Mariana deveria ser, no mínimo, de R$ 500 bilhões. No exterior, os atingidos estão processando a BHP em busca de indenizações e a conta certamente será muito maior.
Portanto, os valores debatidos nas negociações da Repactuação – cerca de R$ 100 bilhões a serem pagos ainda em 20 anos – são totalmente insuficientes para a reparação dos danos individuais, das compensações coletivas, da recuperação do meio ambiente, tampouco da inclusão de áreas atingidas que nunca foram reconhecidas pelas empresas. É o caso do Sul da Bahia e algumas regiões do litoral capixaba.
Na prática, se comparado com o lucro líquido somente da Vale em 2023, durante 20 anos, o crime custará pouco mais de 10% do lucro de apenas uma das empresas envolvidas. Nestes termos, fica evidente que o crime compensa e que o acordo nos termos que se apresenta é apenas de interesse das mineradoras. Defendemos que um acordo coerente deve considerar a centralidade das vítimas e sua reparação integral, não os interesses especulativos e imediatistas de quem há anos segue impune pelos seus crimes. O legado destes prejuízos ficará para os governos resolverem. Quem pagará a conta? Os atingidos? De onde sairá o dinheiro que faltará para garantir a reparação?
Além do imenso prejuízo para o governo federal e para os atingidos, este acordo será um mau exemplo internacional visto que todas as negociações estão ocorrendo a portas fechadas, coordenadas pelo judiciário brasileiro que nega a participação dos atingidos e mantém os documentos em sigilo. Estamos sendo excluídos dos debates no Brasil e ainda tentam nos impedir de buscar justiça nos países de origem das mineradoras.
Nas últimas semanas, a justiça do Reino Unido revelou que a BHP Billiton incentivou o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) a entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir que municípios movam ações de reparação de danos em cortes estrangeiras. A mineradora concordou em pagar R$ 6 milhões ao IBRAM para tentar calar a voz de dezenas de municípios.
Enquanto isso, BHP e a Vale comemoram recordes de produtividade e distribuem bilhões de reais a acionistas, ano após ano. Lucro que não é utilizado para garantir o mínimo necessário para a reparação: água limpa, tratamento para os crescentes problemas de saúde e indenização justa pelas perdas econômicas, culturais, ambientais e sociais causadas pelo rompimento.
Presidente Lula, a forma como este acordo se encaminha ocorre na contramão ao espírito de reconstrução e união do país, tendo a participação social como um de seus pilares. Somos mais de 1 milhão de atingidos que depositam suas esperanças em busca do que nos foi negado. Não permita que o judiciário, os governos e as instituições de justiça fechem um acordo que decide o futuro de milhares de pessoas sem sequer consultar as vítimas do processo, atingidas e atingidos. Não permita que cometam mais uma violência contra quem já perdeu muito, menos a esperança.
É hora de fazer a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) ser a referência para um acordo justo. Assim, o Brasil pode construir um exemplo internacional a ser apresentado no encontro do G20, no Rio de Janeiro, no mês que marcará os 9 anos do rompimento, e na Conferência do Clima (COP 30), que acontece em novembro de 2025, mês que completa 10 anos do crime do rompimento em Mariana. Uma oportunidade histórica de fazer justiça e mostrar para o mundo como tratar crimes socioambientais para garantir os direitos dos atingidos e a reparação ambiental.
Presidente Lula, diante de tamanho desafio e possibilidades, o MAB solicita uma audiência com Vossa Excelência para apresentar nossas propostas, fruto da experiência de mais de 30 anos de atuação no Brasil e quase 9 anos de lutas do povo atingido na Bacia do Rio Doce e litoral capixaba. Reafirmamos o compromisso com um acordo justo e com participação popular, que amplie direitos e busque a verdadeira reparação integral pelo crime socioambiental em Mariana.
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Bacia do Rio Doce – 7 de agosto de 2024
Justiça para limpar essa lama.”
Editado por Cley Medeiros, com colaboração do ‘Revida Mariana’