Por Mads Teraoka, para Cobertura Colaborativa Paris 2024

Beatriz Iasmin Soares Ferreira, soteropolitana, boxeadora Peso-leve, bicampeã mundial, bicampeã pan-americana, medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 e semifinalista nas Olimpíadas de Paris 2024. 

Bia Ferreira dominou o cenário do boxe feminino atual. Em Paris, a atleta se classificou para a semifinal da modalidade na categoria até 60 quilos, garantindo o bronze para o Brasil. Conheça a trajetória da pugilista até aqui e a sua despedida do boxe olímpico. 

A Bia

Foto: Arquivo Pessoal

Bia cresceu em Nova Brasília, um bairro na periferia de Salvador, filha de pai boxeador e mãe artista, sua história com o esporte começou antes mesmo da própria Bia se lembrar. 

Seu pai, Raimundo Ferreira, mais conhecido como Sergipe, foi o responsável por apresentar o boxe à Bia. Bicampeão brasileiro e tricampeão baiano, Sergipe foi um dos grandes nomes do boxe nacional nos anos 90. Apesar do apelido, Sergipe veio da Bahia, fez parte de uma geração de boxeadores mundialmente reconhecida, foi “sparring” (uma forma de treino comum) do pugilista Popó por cinco anos. 

Além de atleta, Sergipe era apaixonado por ensinar a nobre arte, começou treinando e ensinando em uma academia improvisada no quintal de um vizinho, depois construiu a sua própria academia na garagem de casa, foi nela onde Bia conheceu e viveu o boxe. 

 Foto: Reprodução

Com apenas 4 anos, Bia se interessou pelo barulho vindo da garagem de sua casa e perguntou ao seu pai o que acontecia lá, empolgado com a curiosidade da filha, Sergipe adaptou sua academia para que uma criança conseguisse treinar ali e para que sua filha dividisse a sua paixão pelo boxe. Garrafas pets viraram pesos, luvas foram encomendadas para o tamanho de Bia e tudo foi feito para treinar a pequena Bia Ferreira. 

Bia herdou o boxe de seu pai, o gingado e o carisma para comemorar as suas vitórias, vieram de sua mãe. Conhecida por comemorar suas lutas com dancinhas famosas na internet. Bia conheceu a arte de performar com sua mãe, Suzana. Bia acompanhava a mãe, atriz e dançarina nos palcos, assim como acompanhava seu pai nos rinques. Quando pequena, Bia experimentou o teatro e a dança afro e, mesmo tendo se encontrado no boxe, não tem como negar o gingado da baiana nos ringues. 

Foto: Reprodução/instagram

Sobre suas influências e a relação com a Bahia, Bia disse ao podcast do Olympics: 

“Reza lenda que é o carnaval, é o grande incentivador. Mas sabe o que acontece lá? Sempre que posso tocar nesse assunto, eu gosto de destacar. Boxe lá é como se fosse a educação física, sabe? Tem na escola. Então, boxe, capoeira e teatro, eles começam desde cedo na escola. Eu acho isso fundamental. É por isso que saem grandes atores e grandes atletas de lá…”

Com 15 anos, seus pais se divorciaram, e Bia se mudou com seu pai para Juiz de Fora. Na época, não pensava em ser uma atleta de alto rendimento, trabalhou dando aulas de boxe e ensinando crianças à nobre arte. Foi só com 23 anos que Bia resolveu competir de fato com o boxe. Quando teve de decidir se continuaria ensinando, faria uma faculdade ou competiria, Bia pensou “Por que não? Todo mundo fala que faço bem isso aqui. Então vou acreditar”, contou à revista Capricho em 2023.

A Braba

Foto: Alexandre Loureiro/COB

Logo no início da sua carreira competitiva, após vencer a sua primeira luta em um campeonato nacional, Bia Ferreira precisou enfrentar uma suspensão de 2 anos. A atleta já tinha competido em eventos de Muay Thai, o que era proibido pela Associação Internacional de Boxe (AIBA). 

A suspensão quase a fez desistir, pugilista, acreditava ter encontrado o seu caminho, mas com a punição, ela se viu perdida. Mas não desistiu, muito pelo contrário. Bia Ferreira competiu em eventos pequenos e não relacionados à AIBA, foi sparring da primeira medalhista no Boxe feminino do Brasil, a Adriana Araújo, e foi uma dos 20 atletas convidados para participar da Vivência Olímpica na Rio 2016.

Foi através dessa experiência que, quando retornou aos treinos e competições, em 2017, Bia Ferreira voltou com um objetivo claro, as Olimpíadas de Tóquio 2020. Foi convocada para a Seleção Brasileira e, a partir daí, seu caminho estava traçado. 

Enfim, em 2019, Bia Ferreira se torna “A Braba”, como a conhecemos hoje e as medalhas não pararam. 2024 foi um ano vitorioso para a boxeadora, Bia foi campeã mundial e eleita a melhor atleta do campeonato, garantiu o primeiro ouro no boxe feminino para o Brasil nos Jogos Pan-Americanos e ganhou o Prêmio Brasil Olímpico de Melhor Atleta do ano de 2019 no feminino. 

A Braba nas Olimpíadas

Foto: Reprodução/Instagram

Durante a pandemia do Covid-19 que abalou o mundo em 2020, Bia Ferreira contou com a ajuda do seu pai mais uma vez para seguir com seus treinos. Mesmo não podendo treinar da forma que gostaria, a boxeadora manteve o foco nas Olimpíadas e continuou treinando em uma mini academia que montou com seu pai em casa. 

Com isso, a boxeadora chegou com tudo em Tóquio, ganhou todas as suas lutas por 5 a 0 até a semifinal e conquistou a prata em sua primeira participação nos Jogos Olímpicos. 

Sua trajetória foi linda em Tóquio, mas Bia queria mais. Teve mais um ano vitorioso em 2023, onde ganhou seu segundo Pan-Americano e o seu segundo campeonato mundial, se tornou a adversária mais temida em Paris 2024 e uma grande esperança de medalha para o Brasil. 

Além do boxe olímpico, Bia luta no boxe profissional. Ela vem conciliando ambos desde a permissão da AIBA em 2022 e colecionando vitórias nos dois. “É o mesmo esporte, mas é muito diferente. No Olímpico, a gente não fica parado, não tem isso de querer mandar com muita potência os golpes. É consequência, que a gente fala, quando acontece. No profissional, é diferente. A gente treina muito focado nessa potência. Não tão rápido, com tanta explosão, mas com muita força”, explicou Bia, ao canal do Time Brasil, em janeiro.

Nas Olimpíadas de Paris 2024, Bia Ferreira mostrou sua potência e como é uma das maiores pugilistas da sua categoria na atualidade. Infelizmente, o ouro tão almejado pela atleta, não veio. Bia se classificou para a semifinal e enfrentou a atual campeã olímpica, a irlandesa Kellie Harrington, para quem perdeu a final dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Mesmo assim, Bia Ferreira fez história ao conquistar o Bronze em Paris, a sua segunda medalha olímpica.

Foto: Leandro Couri

A atleta já havia comentado sobre essa ser a sua despedida do boxe olímpico e, ao final da luta da semifinal, confirmou que o seu objetivo agora é focar e dar orgulho no boxe profissional. “Não era a despedida que eu queria. Perdi para a atual campeã olímpica, mas eu podia ter feito muito melhor, não foi o suficiente. Desculpa se decepcionei alguém, mas quem mais queria era eu. Agora focarei nos meus objetivos e dar orgulho ainda para o meu país”, afirmou Bia. E encerrou: “Minha missão é deixar eles com orgulho no boxe profissional.” 

A Braba na representatividade

Foto: Reprodução/instagram

Bia Ferreira fez história no boxe brasileiro, mas mais do que isso, Bia Ferreira fez história no boxe brasileiro feminino como uma mulher lésbica. 

Quando Bia foi convocada para a seleção brasileira de boxe, em 2017, existiam três categorias disponíveis no feminino e outras duas boxeadoras convocadas, além dela. Com os pedidos e o exemplo do sucesso de Bia Ferreira, a seleção brasileira feminina passou a ser uma equipe completa, representada nas principais competições, com sua própria estrutura. 

No Pan-Americano de 2023 o Brasil teve a consequência do investimento e conquistou o seu melhor resultado no pugilismo na história da competição. O time, agora composto por seis competidoras, conquistaram quatro ouros, uma prata e um bronze. Todas as seis representantes do Brasil levaram uma medalha na competição, entre elas Bia, que se consagrou bicampeã. 

Além da representatividade entre as mulheres no pugilismo brasileiro, Bia Ferreira é noiva da também atleta Ana Carolina Azevedo. Com 18 anos Bia ligou para sua mãe e disse “mainha, quero falar com a senhora: já fiquei com meninos, mas eu gosto de meninas, mainha, a senhora aceita?”, sua mãe respondeu que não precisava aceitar nada, “Bato nessa tecla porque a vida é dela, o corpo é dela. As pessoas têm que fazer o que querem, e Deus me mandou minha filha desse jeitinho” contou Suzana a Revista Quem. 

Bia Ferreira e Ana Carolina se conheceram no centro esportivo onde treinavam, mas foi durante as Olimpíadas de Tóquio que as atletas se aproximaram na Vila Olímpica. Ao voltarem para o Brasil, o estilo de vida aproximou as duas e a amizade logo virou romance. Hoje, as noivas vivem juntas em São Paulo e ajudam uma a outra na preparação física e mental que requer a prática de esportes profissionalmente. 

Beatriz Iasmin Soares Ferreira fez história no esporte brasileiro e deixou um legado nas Olimpíadas de Paris 2024. Seja onde e como for, Bia Ferreira é Braba, e inspira atletas no mundo todo. A atleta fará falta nas Olimpíadas, mas com certeza continuará a orgulhar o país no boxe profissional, a torcida para ela é garantida. Que legado, Bia Ferreira, você é gigante!