Por Rafaela Pontes, para Cobertura Colaborativa Paris 2024

Se não fosse pelo marroquino Ramzi Boukhiam, talvez o Brasil tivesse uma medalha a menos na contagem de Paris 2024. 

No ISA Games, em Março, o Brasil precisava de uma combinação de resultados para garantir a vitória por equipes e, consequentemente, mais uma vaga nas Olimpíadas de Paris. 

Gabriel Medina precisava ganhar e nenhum dos dois franceses que competiam na final poderia ficar em segundo lugar. O surfista marroquino Ramzi Boukhiam era uma das variáveis nessa equação. 

Medina fez a sua parte e conseguiu a primeira colocação. Ramzi, que já estava classificado para Paris 2024, fez exatamente o necessário para garantir a vaga de Medina e ficou na segunda colocação, bloqueando os franceses Kauli Vaast e Joan Duru. 

O placar final ficou assim: Gabriel Medina com 16.40 pontos, Ramzi Boukhiam com 15.34 pontos, Kauli Vaast com 14.33 pontos e Joan Duru com 7.10 pontos. Com isso, o Time Brasil ficou em primeiro lugar no ISA Games e garantiu mais uma vaga na disputa Olímpica, que foi para Medina. 

Ao ajudar Medina a garantir sua vaga, Ramzi virou um queridinho dos fãs do surfe brasileiro. 

Medina conquistou a medalha de bronze em Teahupo’o e nos créditos desta conquista tem o nome de Ramzi.

Ramzi Boukhiam, Gabriel Medina, Kauli Vaast, e Joan Duru no pódio do ISA Games | Foto Alejandro Granadilo / Associated Press

Mas a história de Ramzi com o Brasil é longa e vai além do ISA Games de 2024. E nessa história, Gabriel Medina é um dos protagonistas. 

Os dois fazem parte da mesma geração de surfistas e competem juntos nas etapas classificatórias para o Championship Tour (CT). Em 2011, quando Medina venceu o Campeonato Mundial Júnior, Ramzi estava ao seu lado no pódio como finalista. 

Porém, enquanto Medina logo conseguiu se classificar para o CT e competir entre os melhores do mundo, Ramzi ficou dez anos tentando uma vaga. A sorte de Ramzi começou a mudar em 2019. 

No ISA Games, ele garantiu uma vaga para representar o Marrocos nas Olimpíadas de Tóquio. Embora ele não tenha conseguido um resultado muito relevante nos Jogos, a disputa Olímpica lançou a carreira de Ramzi a um novo patamar. 

Em 2022, Ramzi terminou em segundo lugar no Corona Saquarema Pro no Brasil (perdendo para Gabriel Medina) e subiu a quarto no ranking classificatório para o CT. Ele conseguiu manter seu lugar entre os dez primeiros até o final do ano. 

Ramzi conseguiu a tão sonhada vaga para disputar no CT— foi o primeiro surfista norte-africano a conseguir se qualificar. 

Porém, o sonho durou pouco: Ramzi quebrou o tornozelo no início de 2023 e teve que desistir de competir na elite do surfe mundial. 

Gabriel Medina e Ramzi Boukhiam no Campeonato Mundial Júnior em 2013. Foto: Luiz Evangelista / Agência Estado

Mas se existe uma palavra para definir o marroquino, essa palavra é Perseverança.

Ele se recuperou e voltou a batalhar para conseguir a vaga na elite do esporte. Em 2024, a WSL anunciou que Ramzi seria o “wildcard” no CT masculino. Ou seja, caso algum surfista se machucasse ou decidisse não competir em alguma etapa, Ramzi ficaria com a vaga. 

Quando o bicampeão mundial Filipe Toledo anunciou que não iria competir nas etapas de 2024 para focar em sua saúde mental, Ramzi ocupou o lugar de Filipe nos eventos do ano, adicionando mais um capítulo em sua história com o Brasil. 

Foto: Thiago Diz/ WSL

A gratidão que o Brasil tem por Ramzi é recíproca. Enquanto a maior parte dos brasileiros foi conhecer— e admirar— o marroquino após seu desempenho no ISA Games, Ramzi já mostrava sua admiração pelo Brasil há tempos. 

Além de ter crescido profissionalmente competindo ao lado de Medina, Ramzi conseguiu bons resultados em etapas no Brasil e diz gostar de surfar no país. Em 2022, Ramzi menciona Medina como sua maior inspiração no surfe:

“Ele é muito confiante. Ele faz acontecer o tempo todo. Às vezes você vê um cara como eu se esforçando por anos no QS para conseguir um bom resultado. Medina só aparece e ganha as etapas de 10.000 pontos com facilidade.” Disse em  entrevista.

Embora se conheçam há anos, Medina e Ramzi se aproximaram mais depois do ISA Games. O marroquino é fluente em cinco línguas, inclusive português, então a amizade surgiu naturalmente. Hoje em dia, ele diz que considera Medina um irmão

Durante a passagem do CT pelo Brasil em 2024, Ramzi ficou hospedado na casa de Gabriel e, passaram o campeonato juntos, documentando a amizade nas redes sociais (@gabrielmedina e @ramziboukhiam). Ele foi muito aplaudido pela torcida brasileira nas areias de Saquarema e atendeu aos fãs com carinho e simpatia. 

Na cerimônia de abertura das Olimpíadas de 2024, os três representantes do Brasil no surfe masculino tiraram uma foto ao lado de Ramzi— que muitos fãs consideram como um brasileiro honorário. 

https://twitter.com/portalmedinabr/status/1816883460080042466

Apesar de sua carreira não ter seguido um caminho tradicional e ter demorado anos para chegar no nível em que ele desejava, Ramzi diz ser grato aos momentos difíceis

“Para mim, todas as dificuldades valem a pena. Tem momentos em que você tem o pior ano da sua carreira. Você duvida de tudo, mas você continua se esforçando porque você sabe que aquelas pequenas vitórias estão chegando. E quando elas chegam, você esquece de tudo que aconteceu antes.” 

Ramzi Boukhiam pode ter demorado a chegar onde está hoje, mas ele ainda tem um futuro brilhante pela frente como representante do Marrocos na elite mundial do surfe. O surfista atualmente está na 13a posição do ranking mundial e tem potencial para subir ainda mais. 

Infelizmente, Ramzi acabou enfrentando João Chianca nas oitavas de final das Olimpíadas em Teahupo’o sendo eliminado pelo brasileiro em uma das melhores baterias do evento. Mas o bronze que Medina conquistou para o Brasil tem um pouco de Marrocos também. 

Ramzi pode não ter nascido no Brasil, mas sua história e perseverança se assemelham à garra de muitos brasileiros. Esperamos que ele consiga alcançar ainda mais sucesso e que o Brasil continue fazendo parte de outros capítulos de sua história.