No dia 27 de setembro de 2023, povos indígenas, ambientalistas, indigenistas e pessoas por todo país comemoraram a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) ao concluir o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, fixando a tese do Marco Temporal como inconstitucional. Contudo, meses depois, a ameaça continua.

Em uma manobra ardilosa, a bancada do agro no Congresso passou por cima da decisão do Supremo, transformando a então tese na Lei 14.701/2023, que foi aprovada no mês de dezembro do mesmo ano, sem levar em conta inclusive os vetos feitos pelo presidente Lula (PT).

Na Corte, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e solicitou que a Lei do Genocídio Indígena, como é conhecida, seja declarada inconstitucional e suspensa até a finalização do julgamento da ADI.

O ministro Gilmar Mendes sugeriu então reuniões de conciliação com membros do Senado, Câmara dos Deputados, Governo Federal, dois governadores e um representante da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP).

Além disso, o Supremo concedeu apenas seis vagas para representantes da Apib, sem considerar que a Articulação é composta por sete organizações regionais de base que representam mais de 200 povos indígenas do Brasil.

Porque as conciliações são ruins?

“Essa decisão do ministro Gilmar Mendes contraria a Constituição, mas também o próprio Supremo. Nós já estamos vivendo os efeitos da Lei do Genocídio Indígena e os ministros não podem voltar atrás do que foi dito. Queremos que eles nos ouçam e não coloquem nossas vidas na mesa para negociação”, diz Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

Foto: Sergio Lima / AFP)

A decisão de Mendes não foi avaliada pelos demais ministros da Corte e não considerou as solicitações do movimento indígena, como a suspensão dos efeitos da lei. À época, a Apib repudiou a decisão de Mendes e disse que estava sendo ignorada pelo ministro.

Em resumo, as conciliações abrem espaço para negociar os direitos indígenas já conquistados e rediscutir o Marco Temporal, que já havia sido considerado inconstitucional. 

“Eles são maioria e não estão interessados em defender os nossos direitos na Câmara, mas nós vamos nos mobilizar ao redor do país. Iremos nos manifestar em todos os territórios, cidades e redes sociais! Nossas bases, indigenistas, organizações dos movimentos sociais, celebridades e comunicadores estarão conosco”, diz Kleber Karipuna, representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) na coordenação da Apib.

A escalada de violência

Enquanto não há uma suspensão da lei, há uma indefinição quanto à adequada interpretação constitucional acerca do tema, o que abre brecha para que disputas por territórios acabem por prejudicar ainda mais os povos indígenas, que já são historicamente negligenciados pelo Estado.

Um exemplo disso é o que ocorre no Mato Grosso do Sul. No último final de semana, um grupo armado atacou indígenas Guarani Kaiowá em retomadas na Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica, em Douradina (MS). Pelo menos dez pessoas foram feridas, duas em estado grave.

Além disso, no final da tarde deste domingo (4), perfis ruralistas nas redes sociais começaram a divulgar notícias falsas, as fake news, afirmando que os Guarani e Kaiowá “invadiram” mais fazendas em Douradina (MS), indo além das sete retomadas em que já se encontram dentro dos limites da Terra Indígena Lagoa Panambi, o que serviria de pretexto para cometer mais violência contra os indígenas.

Cansados da paralisia do governo federal nos processos de demarcação e da vigência da Lei 14.701, os indígenas têm feito movimentos de retomada em diversas partes do país, o que tem gerado conflitos diretos de indígenas com fazendeiros e invasores de terra. 

A demarcação da terra indígena Panambi-Lagoa Rica, seria a solução definitiva para o fim dos conflitos que se arrastam há anos entre ruralistas e indígenas, mas que, assim como tantas outras TI´s, vem tendo seu processo de demarcação se arrastando há anos. 

Enquanto ela não ocorre e as discussões sobre os direitos indígenas continuam, na prática, o Estado continua a proteger quem tem mais poder financeiro, neste caso, os fazendeiros. 

Indígenas de Douradina há semanas denunciam que o Departamento de Operações de Fronteira (DOF) fotografa documentos e ameaça com autuação apoiadores e indígenas das retomadas.

“DOF, Polícia Militar, eles se envolveram em vários ataques contra o nosso povo. Tem caso de despejo forçado, sem autorização da Justiça, que a PM fez”, contou um integrante da retomada ao Cimi (Conselho Indigenista Missionário).

Ainda de acordo com o Cimi, nem mesmo a presença de órgãos do governo intimidou os criminosos no último final de semana. 

Relatos de conivência surgiram quando um dos agentes da Força Nacional teria dito: “Pega teu povo e sai daqui ou vocês vão morrer” pouco antes do ataque.

Assim como em Douradina, dezenas de outros casos de escalada de violência contra indígenas têm acontecido, impulsionados pelos conflitos legislativos a cerca da vida dos Povos Originários. 

Resistência

Para esta semana, a Apib convoca lideranças e organizações indígenas e indigenistas para uma mobilização nesta segunda, dia 05, uma resposta do movimento indígena à negociação dos direitos indígenas proposta pela câmara.

A mobilização será feita em Brasília, às 18h, na Praça dos Três Poderes. Além disso, as lideranças também convocam quem queira se juntar à luta em suas redes sociais, mostrando solidariedade e pressionando políticos a se engajarem na pauta, contra esse que pode ser o maior dos passos para um caminho de genocídio dos povos indígenas.