Por Luiza Corrêa, para Cobertura Colaborativa Paris 2024

Durante a infância, todos somos apresentados a vários esportes na escola. Em algum momento na aula de educação física, uma bola sobrará para gente. É nesse tempo que descobrimos o futebol, o vôlei, o handebol e várias outras práticas que se encaminham para tornarem-se paixões pessoais, enquanto já são paixões nacionais para outras pessoas. Revisitamos essas práticas sempre que passamos pela televisão em uma quarta-feira à noite, e encontramos uma partida do Brasileirão de futebol aquecendo os ânimos ou quando estamos zapeando em um domingo de manhã e nos deparamos com mais uma final de Superliga coroando a melhor equipe de voleibol do Brasil. Contudo, onde se encontra o handebol nesta conta?

É estimado pela Confederação Brasileira de Handebol (CBHb) que mais de 1 milhão de pessoas praticam handebol no país, contando confederados e não confederados. É um número bastante alto e, se estende desde os mais jovens, iniciando sua vida no esporte, até os atletas mais experientes. Mesmo integrando a lista dos 8 esportes mais praticados no Brasil, o handebol ainda não se mostra tão presente na vida dos torcedores pela falta de espaço em veículos tradicionais de mídia e  conhecimento do público sobre os campeonatos disputados. Isso afeta não só a Confederação e os clubes, como também os atletas. 

Mineira, nascida em Juiz de Fora, Barbarah Bella é uma das principais pontas esquerdas/pivôs atuantes no país. Durante a fase Sudeste que integra a Liga Nacional de Handebol, a camisa 11 do Pinheiros se manteve entre as artilheiras, tendo sido peça chave para que sua equipe alcançasse o topo da tabela. Como atleta que vive o esporte e também do esporte, Barbarah concordou em conversar conosco para podermos entender melhor qual a situação da Liga Nacional, as perspectivas de futuro e como o cenário brasileiro pode ser impactado por uma possível medalha em Paris. 

Barbarah sempre esteve muito ligada a esportes e práticas físicas. Desde que se lembra, ela praticava capoeira e natação, sem contar os oito anos que praticou balé clássico. Como um seguimento da sua aptidão, depois de um jogo de queimada, seu professor de educação física a convidou para integrar o time de handebol da escola e, desde então, ela nunca mais parou. Aos 14 anos, a menina saiu de Leopoldina, cidade em que morava, em direção a Montes Claros para jogar o módulo 2 dos Jogos Escolares. 

Durante a vida escolar, ela passou pela Liga Hamburguense no Rio Grande do Sul e ainda participou do acampamento da seleção como preparação para o Campeonato Pan Americano de Seleções, com a seleção brasileira juvenil, que ocorreu em Buenos Aires em 2018.

Foto: Reprodução/Instagram

Ainda em 2018, se graduando no ensino médio, Barbarah precisava decidir se seguiria com o handebol, ou se focaria em outras áreas de seu interesse. Mesmo aprovada no vestibular, ela decidiu que valia a pena arriscar uma única vez a possibilidade de jogar em um clube de renome. O clube em questão era a Associação Atlética Universitária Concórdia de Santa Catarina. À época, a equipe de handebol era bicampeã da Liga Nacional e buscava o tricampeonato. Seu sonho alto deu frutos quando, munida apenas de uma mala mal equipada, passou na peneira e começou a integrar o time que conseguiria mais tarde o inédito terceiro lugar na única edição de um Mundial de Handebol Feminino.

Desde então, foram quatro anos jogando pela equipe catarinense antes de se instaurar como parte indispensável do Esporte Clube Pinheiros, em 2022. Em São Paulo, Barbarah já é campeã brasileira e ainda conquistou o campeonato Sul/Centro-Americano de Handebol Feminino duas vezes. Com este currículo, já dá para ver o quão bem a jogadora conhece o mundo deste esporte aqui no Brasil. 

Trajada com o uniforme campeão do último Sul/Centro em 2023, ela comentou sobre como é privilegiada de poder estar alcançando coisas que, no momento, são o máximo que uma jogadora da modalidade em terras brasileiras pode sonhar. A falta de um mundial torna o campeonato continental o ouro para qualquer jogadora sul-americana. Mesmo com esse orgulho em ter conquistado o tricampeonato, a fala vem com um pensamento que não diz respeito apenas à modalidade no Brasil, mas também no mundo: por que o handebol feminino não é contemplado com uma competição internacional como o handebol masculino?

Mesmo que se busque por respostas, é muito difícil cravar uma razão. Barbarah encara isso como um simples reflexo do que é ser uma mulher esportista em uma sociedade onde os holofotes, por norma, se voltam para o esporte masculino. De maneira geral, atletas mulheres estão condicionadas a faixas salariais e recortes de mídia muito inferiores aos que os atletas de modalidades masculinas recebem, independente de desempenho. O cenário pode ser um pouco desanimador ocasionalmente, todavia, ela reconhece estar em uma posição de referência para jovens meninas que podem ou não querer seguir o mesmo caminho  em seu futuro, ao mesmo tempo que entende a importância de se colocar como um modelo de força e resiliência em situações como essa. Na falta de voos mais altos para alçar, a equipe do Pinheiros segue na ideia de se reinventar e se aprimorar. 

“O auge é o que nós do Esporte Clube Pinheiros estamos fazendo. Chegar é o mais fácil, então a gente se pergunta: como manter isso? Não se mexe em time que está ganhando, mas se melhora.” comentou ela. 

Ao mesmo tempo que exaltava as conquistas que ajudou o time a conseguir, Bella também reconheceu que estava em um local de privilégio, trabalhando com um clube que fornece condições para que se desenvolva como atleta e como pessoa. Aproveitou para destacar o departamento médico que chamou de incrível e a profissional que trata da saúde mental das atletas, reiterando que essa não é a realidade em todos os clubes. 

Foto: Reprodução/Instagram

Ainda falando sobre como se entender referência às meninas mais jovens, Barbarah enfatizou a importância de um contato mais direto e próximo com as torcidas para poder haver uma troca que seja benéfica para os dois lados. Pensando sobre as pessoas que geralmente vê na arquibancada nos jogos, ela menciona a necessidade das famílias que podem comparecer, sempre estarem ali torcendo e apoiando as meninas, contudo, destaca a falta que faz ver torcedores presentes. Bella entende que existe uma barreira entre as informações como, horários, dias e locais de jogos e o público interessado em assistir às partidas, ou mesmo o público que não conhece o esporte muito bem, mas é um fã em potencial. Segundo ela, tudo se resume à comunicação. 

“O handebol tem tudo que o brasileiro gosta. É gol e é porrada, o tempo todo. [risos] Então, eu preciso que o meu público ache essas informações com facilidade. Preciso que entre no Google e ache postagens claras com horário, local, tabela atualizada, números… Tudo! A comunicação é a chave!”

Levar mais pessoas às quadras é essencial para que o esporte seja visto da maneira que merece, sendo respeitado e aplaudido e, ainda pensando nisso, conversamos sobre a visão que os outros países podem ter do handebol brasileiro, de acordo com os últimos resultados que tivemos em Paris e nos amistosos que antecederam os jogos. É preciso frisar que, no momento em que essa matéria é escrita, a seleção feminina de handebol acabou de derrotar a Angola com uma parcial de 30-19 e se classificar para as quartas de final. Enquanto a entrevista acontecia, recebemos a notícia que Larissa Araújo, ponta esquerda da equipe, não participaria do restante das Olimpíadas, dando lugar a Ana Cláudia Bolzan, ex-atleta do Pinheiros. 

Em decorrência da notícia, Barbarah aproveitou para exaltar a diversidade e versatilidade das colegas de profissão brasileiras.

“Se você precisar de uma atleta mais rápida pelo meio, a gente tem. Se você precisar de uma mais forte, a gente também tem. Se é um jogo que precisa de finta, você tem pelo menos duas opções no banco. E são corpos diferentes, cores diferentes, pessoas diferentes e todas extremamente talentosas compondo um time. Somos vistas como um material humano diverso e com muita raça dentro e fora de quadra.”

Segundo Bella, o handebol no Brasil, na hora de formar atletas, é extremamente democrático e plural. Enquanto em outros países é possível perceber um padrão físico  desde a base, aqui percebemos uma diversidade que, quando bem trabalhada, pode ser um diferencial. Como exemplo, citou como é incrível que um mesmo país conte com uma goleira alta e rápida como Gabi Moreschi e poder alternar, sem perder a qualidade, por uma goleira de menor estatura e maior mobilidade, como Jessica Oliveira, que no momento não integra a seleção, mas já participou de vários ciclos, sendo, inclusive, uma das opções para integrar o grupo que se tornou campeão mundial de 2013. Nessa mesma leva, lamentou a falta de convocadas atuantes no handebol brasileiro, dizendo que atletas que seguem na escola do Brasil poderiam agregar ainda mais à equipe. Sem contar na importância que é fixar a sua escola de handebol, como uma escola passível de títulos e premiações. 

Foto: Bruno Ruas/CBHb

Pegando o gancho de falar de títulos, perguntei à Barbarah o que uma medalha em Paris poderia significar para o handebol nacional. Extremamente lúcida, a jogadora respondeu que seria um momento de reforçar o que estamos acertando na hora de formar atletas e lançá-las para o exterior no intuito de se aprimorarem. Assim como um momento de tentar colher o que elas estão aprendendo nas escolas internacionais e colocar isso em prática no Brasil, contando questões de dentro e de fora das quadras como outras formas de estrutura e organização das competições. Uma medalha significa abrir ainda mais espaço para se aprimorar e melhorar o que já temos, levando o handebol brasileiro a lugares onde ele ainda não está, seja em quesito de pódio, mídia, ou mesmo em quesito de públicos que até então não o conheciam. O pódio significa visibilidade.

“O brasileiro gosta de time que está ganhando, então uma medalha em Paris faria com que mais gente olhasse para o que a gente está fazendo e agora. Para os times de onde vieram essas jogadoras e para as jogadoras que vão estar lá no futuro. A gente precisa desse olhar com carinho e atenção. A gente precisa que as pessoas venham nos assistir e que as meninas queiram jogar como a gente.”

Foto: Confederação Brasileira de Handebol (CBHb)

Na vista de uma possível medalha e na consagração deste grupo como um dos maiores da história, pedi que Barbarah falasse sobre a necessidade de manter a imagem de jogadoras como, Duda Amorim, Ana Paula Rodrigues e todas as outras campeãs do mundial de 2013 como ídolos do esporte brasileiro e da aquisição de novos ídolos, a exemplo de Gabi Moreschi e Bruna de Paula. Sem titubear, a jogadora discorreu sobre entender as conquistas sendo ações possíveis. Manter essas meninas nesse local é relembrar a todos que o Brasil tem total condições de grandes feitos conquistados por pessoas formadas nas nossas categorias de base.

“O mundial de 2013 não é uma utopia. Nós já chegamos. A gente já fez isso. É possível. Já esteve nas nossas mãos, faz parte do nosso passado e pode muito bem ser o nosso presente.”

A chave para que o Brasil se torne uma liga mais competitiva e visada talvez não se resuma a comunicação, mas passa certamente por ela. Precisamos saber quem são nossas jogadoras agora, precisamos conhecer o nosso futuro e exaltar o nosso passado. Talvez a medalha não venha, mas a questão maior não é essa. Se não for dessa vez, precisamos ter certeza de que existe possibilidade de haver outras vezes. E, se alcançarmos esse objetivo em Paris, precisamos entender como nos manter lá. Barbarah muito bem disse, não se mexe em time que está ganhando, mas se melhora.

Precisamos enxergar as nossas atletas enquanto elas continuam jogando no Brasil e, precisamos apresentá-las toda a força que a torcida brasileira libera. Contudo, para podermos fazer isso, precisamos, sim, de mais informações sobre as competições, mais organização nos campeonatos e um olhar de mais carinho dos organizadores para com o público possível e com as próprias jogadoras e equipes. 

Todos estamos torcendo por um objetivo em comum: a valorização do esporte brasileiro. Queremos plantar no solo do Brasil, para que se colha em competições internacionais, não o contrário. A Liga Nacional é o celeiro da seleção e uma parte importante para o desenvolvimento dessas atletas, então devemos tratá-la como tal. Precisamos de comunicação, organização, clareza e, claro, muito amor ao handebol.