O arquipélago está no topo
Como o Japão se tornou essa potência no esporte capaz de estar em toda modalidade que o Brasil compete?
Por Rafael Lisboa e Paula Cunha, para Cobertura Colaborativa Paris 2024
No caminho do Brasil só tem Japão. William Lima e Rafaela Silva perderam para japoneses no judô e Rayssa Leal subiu no pódio para receber seu bronze com duas skatistas japonesas. Brasil vence Japão no basquete, no entanto, foi um jogo difícil.
Segundo o professor Nelson Todt, em entrevista para a BBC, “não é apenas na edição de 2020 dos Jogos, em Tóquio, que leva o Japão ao sucesso. Começa com os primeiros jogos no país, em 1964, os primeiros televisionados para o mundo, foi quando se criou uma cultura esportiva, o Japão queria ser visto naquele momento como uma força mundial”. Segundo o professor, o bom desempenho dos japoneses se deve a uma cultura que valoriza o esporte desde a escola, por patrocinadores e uma política que investe no esporte.
Para entender o investimento do Japão no esporte precisamos olhar para a forte cultura esportiva do país. Isolado do mundo por questões governamentais e territoriais, o Japão tem sua história no esporte iniciada com o sumô há dois mil anos, sendo, na época, reconhecido como uma manifestação religiosa. O acréscimo de outras modalidades ocorreu no século XII, antecedendo por muito, a era dos Jogos Olímpicos modernos. Tradicionalmente japoneses, os esportes tratados como “budo” representavam as artes marciais e como desenvolver corpo e mente a partir disso. No budô, fazem parte esportes como: kendô (forma de esgrima com espadas de bambu), kyudo (arco e flecha), jujutsu (antecessor do jiu-jitsu), entre outros.
A mudança e a abertura para outros esportes, de fato ocorre em 1868, com o imperador Meiji, após a Restauração Meiji, a qual iniciou o processo de modernização e internacionalização da história japonesa com a introdução de esportes ocidentais como beisebol, atletismo, rugby, futebol e patinação no gelo. Dois anos depois, em 1870, foi incluída a Educação Física no currículo escolar, como a prática de remo e tênis. Existia ali a ideia de que os esportes eram uma maneira “de se obter disciplina mental’’ e de que os japoneses são muito disciplinados.
Com a boa absorção dos esportes por parte da população, as escolas japonesas passaram a realizar, no século XX, os undokai, eventos esportivos que acontecem anualmente no Dia dos Esportes, feriado nacional. Os undokai têm a participação de todos os alunos, que praticam atividades como caminhadas, corridas, natação, competições de esportes com bola, esqui e escalada. Segundo pesquisadores, esses eventos’oferecem aos participantes oportunidades de cultivar virtudes como cooperação, solidariedade, trabalho em equipe e responsabilidade’. Além disso, segundo a matéria da BBC, os japoneses têm atividades extracurriculares, os chamados bukatsu, que as crianças escolhem qual atividade esportiva ou cultural querem fazer em seu horário livre, tendo a possibilidade de participar de amistosos nos finais de semana ou dias de folga. Não é à toa que no Brasil nossas estrelas da ginástica também começaram quando pequenas.
Segundo o site Inteligência Humana “O governo japonês investe significativamente no esporte, tanto ao nível de elite quanto de base.(…) Os atletas japoneses são treinados de forma rigorosa e científica”. Entre os investimentos estão programas de treinamento com treinadores de alto nível, construção de infraestrutura de última geração e tecnologia inovadora. Desde a derrota do país na Segunda Guerra, surgiram empresas como Honda e Toshiba, derivadas do período conhecido como ‘’milagre econômico japonês’’. Nesse período, um número crescente de graduados queria continuar participando dos esportes e foram atraídos por grandes corporações que estabeleceram clubes esportivos internos com parte dos lucros obtidos durante os períodos de crescimento, o que também favorecia as empresas pela promoção de marcas.
O Japão que se reerguia tinha um foco em modernidade, incluindo os “esportes modernos”. Os autores do livro Esportes no Japão afirmam que os japoneses, assim como seus ancestrais do período Meiji, estavam reconstruindo as organizações e a infraestrutura material dos esportes: ’’Eles queriam não apenas a oportunidade de participar em esportes tradicionais e modernos, mas também o reconhecimento internacional de suas conquistas atléticas’’. Que atleta não quer reconhecimento internacional, não é? Por esse tempo, um esporte que atraiu muito a atenção foi o beisebol, modalidade que não está em Paris, mas que o Japão levou medalha de ouro nos Jogos de Tóquio, em 2020, além do futebol, que teve um público crescente a partir da ida de Zico para o Kashima Antlers. Tamari Masauki, respeitado escritor de esportes, afirma que ‘’Os patrocinadores corporativos utilizaram o esporte como ferramenta de publicidade e promoção’’, apesar da queda desse investimento a partir dos anos 90 devido às crises econômicas.
Grandes eventos também atraíram os japoneses para esportes de alto rendimento, sendo provas disso, a criação do Festival Nacional de Esportes, evento que acontece anualmente desde 1946, e a participação dos primeiros Jogos Asiáticos, em 1951, onde se consagrou como o melhor medalhista. Segundo pesquisadores, esses eventos ‘’promoveram entusiasmo dos japoneses pelas grandes competições esportivas’’. Com isso, o Japão se candidatou para sediar as Olimpíadas de 1964, 24 anos após a edição que seria no país, porém foi cancelada pela Segunda Guerra Mundial. No 3º lugar da classificação geral e com medalhas no judô e voleibol, esportes introduzidos na edição, as Olimpíadas foram tratadas como um sucesso e colocaram o Japão como um centro esportivo no mundo.
Anos mais tarde, o Japão também sediou os Jogos Olímpicos de inverno em 1972 e 1998 e a Copa do Mundo de Futebol em 2002, com a Coreia do Sul. Os investimentos em esporte foram crescendo ano após ano com um grande aumento na preparação dos Jogos Olímpicos do Rio em 2016. Para isso, foi criado em 2015, um projeto de melhoria da capacidade esportiva para destinar recursos para enviar atletas para competições internacionais com treinadores nacionais. O país também conta com um programa para jovens participarem de competições internacionais chamado J-STAR que avalia os participantes por meio de “medições e avaliações de sua força física e capacidade atlética” para descobrir qual o esporte que mais se adapta a eles e assim, serem treinados por treinadores de alto nível. Doadores de atividades esportivas também têm incentivo do governo, que entende como positivo o apoio ao esporte com deduções fiscais.
O professor Nelson Todt, na matéria da BBC, finaliza afirmando que a visão de longo prazo japonesa pode ensinar ao Brasil: “O Time Brasil faz milagre com aumento de atletas, medalhas e participação feminina a cada edição (…) Temos uma monocultura do futebol. Tem que pensar no olimpismo todos os dias do ano com mídia e investidores”. Pelo jeito, ainda teremos muito Japão no meio do caminho.