Por: Alice Lichotti

Com 274 atletas, a delegação brasileira que compete em Paris é a quarta maior da história, ficando atrás apenas dos Jogos no Rio, em Tóquio e em Pequim. Mas se engana quem pensa que todos os representantes brasileiros nesta Olimpíada nasceram em terras tupiniquins. 

De acordo com o Censo do Atletas, realizado pelo O Globo, sete atletas da delegação nasceram em outros países, mas passaram a defender as cores do Brasil em algum momento da carreira.

O processo de naturalização não é algo raro na história do esporte olímpico brasileiro. Desde a estreia do Brasil na competição, em 1920, até os Jogos do Rio, em 2016, 52 atletas naturalizados competiram com a amarelinha.

A primeira medalha do judô, por exemplo, a modalidade mais vitoriosa do país, veio através de um atleta naturalizado. Chiaki Ishii nasceu no Japão, se mudou com a família para o Brasil e em 1972 venceu a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Munique.

Em Paris, os naturalizados competem em cinco modalidades diferentes: vôlei, natação, surfe, hipismo e esgrima. Confira a lista:

Julia e Lukas Bergmann

Ponteiros da seleção brasileira de vôlei, os irmãos Bergmann podem ter um feito histórico | Foto: Vôlei Brasil

Filhos de mãe brasileira e pai alemão, os irmãos Bergmann nasceram em Munique, no sudeste da Alemanha, e defendem a amarelinha pelo vôlei. Os dois ainda eram crianças quando a família veio morar no Brasil, se estabelecendo no Paraná. E foi por lá que Julia começou a carreira. O vôlei sempre foi uma paixão da família, mas os pais tratavam apenas como um hobby, foi a atual ponteira da Seleção Brasileira que viu no esporte um futuro profissional. Como um bom irmão mais novo, Lukas logo seguiu os passos da irmã. 

Julia foi convocada para a seleção adulta pela primeira vez em 2019, para disputar a Liga das Nações e posteriormente o Pan-Americano. Na época, a atleta ainda jogava pela liga universitária dos Estados Unidos, onde fazia graduação em Física na Universidade Georgia Tech. Já a primeira convocação de Lukas veio no ano passado, quando Renan dal Zotto apostou no garoto para o Pré-Olímpico, no mesmo ano, ele venceu o Pan-Americano com a seleção.

Na Superliga, Lukas venceu a última temporada com o Sesi-Bauru, sendo eleito a revelação do torneio, além de figurar entre os melhores ponteiros. Enquanto isso, Julia fez sua primeira temporada profissional jogando pelo Türk Hava Yolları, clube turco comandado por José Roberto Guimarães. A dupla chega a Paris com o sonho de se tornar o primeiro casal de irmãos campeões olímpicos pelo Brasil.

Yoandy Leal

Recuperado de entorse no tornozelo, Leal estreou em Paris na derrota contra a Itália | Foto: Alexandre Loureiro/COB

Um dos xodós dos fãs brasileiros, Yoandy Leal nasceu em Havana, capital de Cuba, em 1988, e mostrou seu talento para o esporte ainda na escola, chamando a atenção dos professores de educação física. Antes de chegar ao vôlei brasileiro, Leal se destacou na seleção cubana: aos 19 anos foi convocado para a categoria sub-21 e aos 22 anos foi vice-campeão do Mundial com a seleção principal, justamente contra o Brasil. Esse jogo foi decisivo para que o gigante de 2,02m de altura seguisse os próximos passos de sua carreira, deixando o país natal rumo ao Brasil. 

Como Cuba não tem clubes de vôlei, nem permite que seus atletas da seleção joguem em outros países, Leal veio para terras brasileiras jogar profissionalmente pelo Cruzeiro. Antes de estrear pelo clube mineiro, o atleta cumpriu dois anos de quarentena, procedimento que o governo estabelece para jogadores que deixam o país. Entre 2012 e 2017 escreveu uma história vitoriosa, foram 25 títulos com o Cruzeiro, entre eles 3 Campeonatos Mundiais de Clubes e 5 Superligas. 

A naturalização de Leal veio em 2015, para que ele pudesse jogar pela seleção, uma vez que estava impedido de jogar por Cuba. Entretanto, todo o processo para chegar à seleção brasileira foi uma verdadeira “novela”, o atleta precisou de permissão de ambas as federações, brasileira e cubana, autorização da Federação Internacional de Voleibol (FIVB), além de enfrentar outra quarentena de dois anos — desta vez imposta pela própria FIVB, procedimento padrão quando um atleta que já jogou por uma seleção se naturaliza e pretende defender outra. Sua estreia aconteceu em junho de 2019 contra a Austrália pela Liga das Nações, e marcou a primeira vez que um estrangeiro naturalizado brasileiro vestiu a camisa da seleção de vôlei.

Desde então, Leal é figurinha carimbada nas convocações, sendo peça-chave no time brasileiro. Aos 35 anos, o jogador vai para sua segunda Olimpíada e é uma das esperanças da torcida para a conquista de mais um ouro. 

Nicolas Albiero

Nick Albiero nadou para 1:55.52 nos 200m borboleta e garantiu a vaga em Paris na Seletiva Olímpica de Natação | Foto: Satiro Sodré/CBDA

Filho de pai brasileiro e mãe americana, Nick, como também é conhecido, nasceu em Kentucky, nos Estados Unidos, e tem um longo histórico com a natação. Os pais, Arthur Albiero e Amy Comerford, foram atletas de sucesso, acumulando títulos no circuito universitário de natação americano, e foi a exemplo deles que Nick seguiu na natação, provando que “filho de peixe, peixinho é!”

Representando o Tio Sam, o nadador foi vice-campeão mundial júnior em 2017, e pela Universidade de Louisville, sendo treinado pelo pai, venceu duas vezes o NCAA (National Collegiate Athletic Association). Entretanto, como apurado pelo GE, depois de 20 anos treinando nos EUA, Nick estava desestimulado e pensou em desistir do esporte. Para sair da mesmice, o atleta se mudou para Belo Horizonte, em uma última tentativa de se reconectar com a natação no Minas Tênis Clube. 

Logo depois o nadador começou seu processo de naturalização, se filiando à Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) para representar o Brasil em competições internacionais. De acordo com ele, isso o permitiu abraçar uma herança familiar e homenagear as raízes do seu pai. Aos 25 anos, Nick vai para sua primeira Olimpíada, defendendo as cores do Brasil nos 200m borboleta. Fora das piscinas, o atleta é uma voz ativa na luta contra a homofobia, sendo o primeiro atleta da natação brasileira a se assumir homossexual

Luana Silva

Luana Silva foi a única surfista brasileira a se classificar direto para as oitavas de final | Foto: William Lucas/COB

Outra estreante nos Jogos Olímpicos, Luana Silva é filha de pais brasileiros, mas nasceu em Honolulu, no Havaí. Vivendo no paraíso dos surfistas, Luana começou a gostar do esporte aos três anos, e rapidamente a família adotou o hábito de passar os fins de tarde na praia. Desde os 12 anos a surfista participa do Circuito Mundial de Surfe, tendo disputado desde a divisão Junior, até o Championship Tour, a elite do torneio, categoria em que compete atualmente.

Uma das principais influências de Luana para defender a Brazilian Storm (em português Tempestade Brasileira), termo cunhado para se referir a geração brasileira que domina o surfe mundial, foi a também brasilo-estadunidense Tatiana Weston-Webb. Mas as relações com brasileiros do surfe não param por aí, a atleta namora o também surfista João Chianca, conhecido como Chumbinho, e o casal está competindo junto em Teahupo’o. 

Com apenas 22 anos, Luana é uma das promessas do surfe brasileiro e conseguiu a classificação olímpica através do vice-campeonato de Tatiana Weston-Webb no ISA Games deste ano. Com Tati já classificada, a vitória no torneio garantiu uma vaga a mais para o Time Brasil, e foi Luana quem assumiu a tarefa, sendo a sexta surfista brasileira em Paris. Apesar de estar em sua primeira Olimpíada, a brasileira não se intimidou e foi a única da equipe a se classificar direto para as oitavas de final no mar bravo de Teahupo’o.

Rodrigo Pessoa

Rodrigo Pessoa é o atleta brasileiro com mais aparições em Olimpíadas, oito no total | Foto: Marina Ziehe/COB

Filho de brasileiros, Rodrigo nasceu em Paris, na França, quando seu pai Nelson, cavaleiro brasileiro campeão do Pan-Americano de 1967, disputava uma temporada européia. Aos 51 anos, ele é o atleta mais velho da delegação brasileira e dono de três medalhas olímpicas, sendo o ouro em Atenas 2004 nos saltos individuais o seu melhor resultado. Um fato curioso sobre a conquista é que o brasileiro só recebeu a medalha um ano depois, quando o irlandês Cian O’Connor, então primeiro colocado, foi desclassificado por doping no cavalo Waterford Crystal.

Apesar de ser filho de brasileiro, Rodrigo faz poucas visitas ao país, apenas para ver familiares ou competir. O atleta optou pela nacionalidade brasileira pois assim teria maiores chances de integrar uma delegação olímpica. Em Paris, fará sua oitava participação em Jogos de Verão, número recorde para um atleta brasileiro, depois de competir quase que consultivamente desde os Jogos de Barcelona em 1992 — em 2016 ele não aceitou participar da equipe reserva e ficou fora da competição.

Nathalie Moellhausen

Nathalie Moellhausen fez sua estreia em Paris no sufoco, a atleta sentiu fortes dores em virtude de um tumor no cóccix | Foto: Gaspar Nóbrega/COB

Filha de mãe ítalo-brasileira e pai alemão, Nathalie nasceu em Milão, na Itália, e chegou a representar o país em uma Olimpíada. Depois de se naturalizar brasileira passou a defender o verde e amarelo em competições internacionais e fez história ao vencer pela primeira vez o ouro individual no Campeonato Mundial de Esgrima de 2019 e por equipes nos Jogos Pan-Americanos de 2023. Atualmente a atleta é a número um no ranking das Américas e número oito do mundo. 

Aos 38 anos, Nathalie garantiu a vaga olímpica com o bronze no Grand Prix de Espada, em Budapeste, este ano, em uma sequência de vitórias surpreendente, depois de viver momentos delicados durante a Olimpíada de Tóquio, quando foi eliminada ainda na primeira rodada, e no ano seguinte, devido a problemas pessoais que a impossibilitaram de competir. Em Paris, estreou contra a sensação da esgrima canadense, Rueien Xiao, e emocionou o país ao passar mal durante a competição e mesmo assim voltar para a pista para terminar a disputa.
Com a partida finalizada, o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) divulgou que Nathalie vai passar por uma cirurgia nas próximas semanas para tratar de um tumor benigno no cóccix, diagnosticado em fevereiro e que desde então traz dores crônicas à atleta. Apesar da derrota e o encerramento de sua participação nos Jogos, a esgrimista mostrou toda a garra brasileira ao lutar por seu sonho: “Era o meu sonho, eu me coloquei a serviço do meu sonho, da minha equipe que trabalhou comigo durante todo esse tempo”, disse ao Fantástico.