100 anos foram necessários para primeira conquista olímpica feminina brasileira
A primeira medalha olímpica feminina foi conquistada só em 1996.
Por: Naiana Gaby
Entre os dias 6 e 15 de abril de 1896, em Atenas, na Grécia, aconteceu a primeira edição dos Jogos Olímpicos Modernos, fundada pelo francês Pierre de Coubertin. A edição, no entanto, foi proibida para mulheres. Coubertin era contra a participação delas em qualquer modalidade, e a presença feminina só foi possível alguns anos depois, em 1900, quando 22 mulheres participaram dos Jogos de Paris. Desde então, várias cidades ao redor do mundo sediaram os jogos, que cresceram a cada edição, tornando-se o maior evento esportivo da atualidade.
O Brasil participa dos Jogos Olímpicos desde 1920, tendo conquistado a primeira medalha em 3 de agosto do mesmo ano, quando Guilherme Paraense, tenente do Exército Brasileiro, ganhou o ouro na modalidade de tiro com pistola rápida, durante os Jogos de Antuérpia (Bélgica).
A segunda e a terceira medalha de ouro do Brasil foram conquistadas por Adhemar Ferreira da Silva, em 1952 e 1956, durante as Olimpíadas de Helsinque (Finlândia) e de Melbourne (Austrália), respectivamente. Adhemar competiu no atletismo e levou as medalhas ao disputar as provas de salto triplo.
Em 1980, 1984, 1988 e 1992, o Brasil também conseguiu trazer algumas medalhas importantes para casa, todas conquistadas por homens. E isso não é uma mera coincidência. O contexto histórico e social faz toda a diferença quando falamos de mulheres no esporte, especialmente no Brasil. Vem entender!
A mulher e o esporte no Brasil
Até o final do século XIX, as mulheres brasileiras não tinham chance e nem o direito de praticar esportes. Cumprindo os papéis de esposas e mães, elas eram incentivadas a praticar apenas atividades consideradas mais delicadas, como piano e canto, reforçando o estereótipo de fragilidade. Por outro lado, historicamente, os homens sempre praticaram exercícios voltados para a força.
Pouquíssimas mulheres tinham acesso a práticas físico-desportivas. A maioria delas pertencia a famílias ricas e de descendência europeia, já que, no continente europeu, o incentivo ao esporte para mulheres era uma realidade mais presente do que no Brasil.
Mesmo com um cenário culturalmente difícil, mulheres do mundo todo lutaram por espaço e reconhecimento no esporte, e no Brasil não foi diferente. Em 1932, Maria Lenk foi a primeira atleta brasileira a participar de uma edição dos Jogos Olímpicos (Los Angeles), competindo na natação. Lenk era filha de imigrantes alemães e começou a nadar para tratar alguns problemas respiratórios, mas o que começou como um cuidado médico se tornou algo maior.
Além de ter sido a primeira mulher brasileira a competir em uma Olimpíada, ela nadou a prova dos 200m no estilo borboleta, tornando-se a primeira no mundo a competir com esse estilo de nado, que posteriormente se tornou oficial. A nadadora poderia ter sido a primeira mulher do Brasil a ganhar uma medalha olímpica, se não fosse pelo contexto histórico em que ela estava inserida. No auge da carreira, em 1939, a atleta bateu dois recordes mundiais no nado peito e estava preparada para disputar os Jogos de 1940 e 1944, que foram cancelados devido à Segunda Guerra Mundial.
O início do movimento de incentivo ao esporte feminino no Brasil ocorreu a partir de 1930, quando foi realizado em São Paulo o primeiro campeonato feminino de bola ao cesto (basquete). A partir daí, o esporte começou a se difundir entre meninas em vários centros urbanos do Brasil, e a prática esportiva entre mulheres brasileiras começou a ganhar força.
Após algumas conquistas importantes, veio mais um balde de água fria. Em 1941, um decreto proibiu esportes “incompatíveis” para mulheres. O Brasil vivia a ditadura de Getúlio Vargas quando o documento foi divulgado, com o objetivo de coibir a prática esportiva feminina. “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o CND baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”, determinava o Decreto-Lei 3.199 do Conselho Nacional de Desportos (CND).
Percebe como tudo era (e ainda é) mais difícil? Esportes como lutas de qualquer categoria, polo aquático, rúgbi, halterofilismo, beisebol e até o amado futebol foram impedidos de serem praticados por mulheres. O absurdo era justificado de muitas maneiras. Manchetes de jornais da época diziam, por exemplo, que o futebol era um esporte violento capaz de alterar o equilíbrio endócrino das mulheres. Houve também quem dissesse que a plástica do corpo feminino não era ideal para a prática de esportes, pois o corpo de uma mulher era composto por “ossos frágeis, bacia oblíqua, coração menor, menor número de glóbulos vermelhos…” e por aí vai.
A luta por uma chance e pertencimento ao mundo dos esportes sempre contou com a participação de mulheres potentes, e um ótimo exemplo é Aída dos Santos. Mulher negra, pobre e sem incentivo ao esporte, como tantas outras, driblou inúmeras dificuldades e foi a única mulher da delegação brasileira nas Olimpíadas de Tóquio, em 1964. Viajou para o país asiático sem técnico, sem tênis, sem uniforme e, ainda assim, classificou-se em quarto lugar no salto em altura, a melhor colocação de uma brasileira em todas as edições dos Jogos até então.
A sonhada medalha
O bom desempenho de Aída em 1964 foi superado quando a dupla de vôlei de praia, Jacqueline e Sandra, conquistou o primeiro lugar no pódio durante os Jogos de Atlanta em 1996, cem anos depois do início dos Jogos Olímpicos Modernos. A prata também ficou em solo brasileiro, com a dupla Adriana e Mônica. Essa edição dos Jogos, aliás, foi especial: o Brasil ganhou a medalha de prata no basquete feminino e também o bronze no vôlei de quadra. Todas as medalhas foram conquistadas em esportes coletivos, representando bem a força da mulher brasileira.
Em 2008, durante as Olimpíadas de Pequim, Maurren Maggi se tornou a primeira brasileira campeã olímpica individual quando saltou 7,04 m na final do salto em distância. No mesmo ano, a judoca Ketleyn Quadros conquistou a medalha de bronze na competição.
Nos Jogos de Tóquio 2020, a equipe brasileira conquistou 21 medalhas, sendo 9 delas por mulheres. Mas é quase impossível não pensar em como esse número poderia ser maior se as atletas brasileiras tivessem recebido o mesmo incentivo ao esporte que os homens recebem há anos.
O cenário, apesar de continuar desafiador, tende a melhorar cada vez mais. Hoje, temos grandes nomes do esporte feminino conquistando espaços em todo tipo de prática esportiva que antes eram inimagináveis. Até o final desta edição dos Jogos de Paris, esperamos divulgar mais conquistas e medalhas do que nunca. Seguimos!