Por: Julia Moreira

Na primeira Olimpíada com igualdade de gênero, a inclusão de mães atletas ainda é um desafio. No entanto, algumas iniciativas em Paris têm se mostrado eficazes para superar estigmas e preconceitos relacionados à maternidade nos esportes.

Pela primeira vez, a Vila Olímpica conta com um berçário, que recebe visitantes entre as 9h e as 21h. Além disso, o Comitê Olímpico e Esportivo Nacional Francês (CNOSF) disponibiliza quartos específicos no H4 Hotel Wyndham Paris Pleyel, em Saint-Denis, para mães que amamentam seus filhos.

Em entrevista à France24, uma das atletas que exigiram o berçário, a judoca Clarisse Agbegnenou, compartilhou os desafios que enfrentou após a pausa na carreira para ser mãe de Athéna, em 2022. “Meu corpo estava totalmente diferente. Foi muito difícil. Às vezes, eu pensava que talvez tivesse sonhado alto e longe demais”, relatou. Após retomar a carreira depois da gravidez, a judoca conquistou o sexto título mundial e a medalha de bronze nas Olimpíadas de 2024, na categoria até 63 kg. Mesmo com as conquistas acumuladas, a atleta destaca o período de insegurança que viveu.

A doutora em Educação Física e ex-atleta da seleção de futebol 7, Maria Thereza Oliveira Souza, destaca que medidas como essa são fundamentais para as mães, já que, devido ao tempo que se afastam do esporte por causa dos filhos, convivem com a insegurança relacionada a contratos. Essa insegurança faz com que muitas atletas considerem a maternidade um plano para após o fim da carreira. “É um exemplo a ser seguido, pois possibilita que as mães estejam em contato constante com os seus filhos enquanto participam de competições profissionais. É a única maneira de lhes dar condições emocionais nesse contexto”, afirmou em entrevista ao NEC.

Mães na delegação brasileira

Entre as atletas da delegação brasileira em Paris, sete passaram pela gestação. Nas categorias de atletismo, as mães são três: a marchadora Érica Sena, a velocista Flávia Maria de Lima e a atleta Tatiane Raquel da Silva. Também são mães a jogadora de futebol Tamires, a jogadora de handebol Jéssica Quintino, a skatista Gabi Mazetto, a jogadora de vôlei Carol Solberg e a judoca Natasha Ferreira, que adotou o filho da irmã quando ele ainda tinha um ano.

Carol Solberg, jogadora brasileira de vôlei de praia. Foto: Reprodução Instagram

Para exercer ambas as funções, enquanto as atletas disputam por medalhas, os filhos e o esporte disputam pelo tempo. Em um relato publicado nas redes sociais, a velocista Flávia Maria expôs que, enquanto viajava para as competições, poderia perder a guarda de sua filha devido a um processo judicial, protocolado por seu ex-marido.

“Toda competição em que eu estava participando, ele estava protocolando um processo na tentativa de tirar a guarda da minha filha. Tentando me desestabilizar. Também utilizando os Jogos Olímpicos como algo para tentar tirar minha filha de mim. Como se fosse um crime ter uma carreira, uma mulher ter uma profissão, e como se fosse um crime uma mãe ter que viajar para trabalhar”, disse a atleta.

Nas redes sociais, a jogadora de handebol Jéssica Quintino, mãe de Zion, também falou sobre o tempo que passa longe do filho devido às viagens. “Você nem entende tudo isso que vivemos, porém ‘aceita’ que a mamãe vive ausente em muitos momentos importantes e especiais para ir para o trabalho”, escreveu a jogadora.

Vídeo: Reprodução Instagram

Motivação dentro e fora de quadra

Fora das Olimpíadas de Londres, em 2012, Carol Solberg decidiu que era o momento de viver outro sonho: ser mãe. Filha de mãe atleta, Carol tem dois filhos, José e Salvador. Em entrevista ao jornal O Globo, a jogadora de vôlei destacou que terá a torcida dos filhos em Paris, que compartilham sua paixão de perto.

“Disputar uma Olimpíada com filhos grandes é especial. Eles participaram da corrida, José correu o Circuito Mundial por dois anos quando era pequenininho. Sabem da importância para mim, sabem que amo jogar vôlei”, apontou Carol.

A skatista Gabi Mazetto ficou fora das Olimpíadas de Tóquio, em 2021, devido à gestação de sua filha Liz. Em Paris, a skatista realizou o sonho de ser uma atleta olímpica. Motivada a ir em busca da medalha, Gabi ressaltou que a motivação também é por sua filha. “Agora eu tenho mais garra. Eu não quero fazer só por mim, mas pela minha família, pela minha filha”, disse em um trecho do documentário A Volta da Fênix.

Incentivos

Para que mais atletas sejam mães e para que mais mães continuem a ser atletas, a doutora em Educação Física Maria Thereza Oliveira Souza vê a necessidade de criar estratégias e medidas que desmistifiquem o relacionamento entre a maternidade e o esporte. “Acredito que o caminho é criar alternativas de acompanhamento dos parceiros ou parceiras para as competições, para que essas mulheres percebam que ter filhos durante a fase esportiva de suas vidas é possível”, apontou.

De acordo com a especialista, a legislação esportiva deve prever regras para essa fase da vida das mulheres. Uma das iniciativas de destaque é a mudança no programa Bolsa Atleta, que passou a permitir que as atletas continuem a receber o valor da bolsa durante a gravidez e no período de seis meses após o nascimento da criança. A mudança, disposta na Lei nº 14.614, sancionada em 2023, também prevê que as mães atletas gestantes ou puérperas tenham prioridade para a renovação da bolsa.

No entanto, ela ainda destaca que também é fundamental exigir a manutenção dos contratos por parte dos clubes profissionais com as atletas mães por mais uma temporada além da gestação. A doutora destaca que, dessa forma, elas terão condições adequadas para voltar ao seu nível técnico e físico com tranquilidade.