A pecuária e a crise ambiental no Rio Grande do Sul – uma perspectiva vegana e popular
O impacto ambiental causado pela produção de carne é uma das razões que explica a oposição do veganismo ao consumo de outros animais, mas nossa reflexão vai muito além
Com as fortes chuvas que abalaram todo o Rio Grande do Sul, vimos diversas reportagens mostrando o prejuízo financeiro dos produtores de carne, que perderam animais e espaço físico para a criação pecuária, numa tentativa de sensibilizar as pessoas através do impacto econômico que o estado vai ter por conta da tragédia causada pelas enchentes. Esse é um discurso totalmente enviesado que não debate o problema a fundo. O Rio Grande do Sul é um estado que se notabiliza pela produção do setor pecuarista, sendo um dos maiores produtores de carne do Brasil, e a pecuária é a vilã de si mesma: num ciclo vicioso, todo o impacto ambiental causado por esse tipo de produção acaba se voltando contra os lugares de maior exploração ambiental.
A luta de classes no Brasil é diretamente marcada pelo avanço do agronegócio e a burguesia, nacional e internacional, sempre se beneficiou dos diversos ciclos de exploração das nossas riquezas naturais. Mesmo não se tratando de políticas revolucionárias, a industrialização do país e melhoria das condições de vida da classe trabalhadora são barradas, pois é necessário nos manter na posição de agroexportadores desde sempre. Porém, é preciso entender que o Rio Grande do Sul, e o Brasil, não são agroexportadores por ser esse o melhor modelo de produção, ou por ser nossa missão divina alimentar o mundo. O sistema capitalista cria demandas e a burguesia agrária local nos impõe um modelo de produção que, enquanto supre as demandas de carne de uma parte privilegiada da população mundial, concentra terra e riquezas nas mãos de poucos e deixa a conta ambiental e social para a população pagar.
O impacto ambiental causado pela produção de carne é uma das razões que explica a oposição do veganismo ao consumo de outros animais, mas nossa reflexão vai muito além. Entender o debate sobre consumo de produtos de origem animal no Brasil é entender nosso contexto histórico. Muito do que consideramos hoje como parte da nossa cultura, brasileira em geral e gaúcha em particular, é, na verdade, colonial e foi trazido pelos europeus, que dizimaram as populações originárias e criaram um processo de superexploração de matéria prima, conseguindo assim enriquecer com a destruição e o impacto ambiental dos territórios indígenas. A carne se torna um produto final de todo esse processo colonial de exploração, sendo mercantilizada de uma forma meramente especulativa e tornando o Brasil o maior exportador de carne bovina e de frango do mundo. O Rio Grande do Sul hoje paga a conta de um sistema econômico mantenedor dessa estrutura exploratória.
Apesar de ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo, convivendo em espaços periféricos das cidades vemos a dificuldade de acesso ao consumo de produtos para alimentação diária. A carne, em alguns lugares, é um artigo de luxo. O veganismo popular promove essa reflexão, compreendendo que as condições materiais devem pautar qualquer debate, em qualquer espaço. É necessário entender a realidade política e a luta contra o capitalismo, pois só há adesão popular se existir possibilidade de o debate se inserir na luta de classes no Brasil. Militantes veganos e veganas são responsáveis por levar a pauta do fim da exploração animal para os espaços de militância. Então, para popularizar essa pauta é necessário ter militantes inseridos e inseridas na realidade de quem não tem acesso aos itens de consumo negados pela burguesia agrária, que visa apenas o lucro com a produção de alimentos. Ao pautar o veganismo ou qualquer pensamento que defenda a diminuição do consumo de produtos de origem animal em espaços populares, devemos ter a sensibilidade de perceber onde os pés estão pisando, para que a boca possa falar e a cabeça pensar com maior clareza.
Através de novos hábitos que não envolvam o consumo de produtos com origem na exploração animal, o veganismo se coloca como uma opção de padrão alimentar com um impacto ambiental e social muito mais positivo. Porém a nossa reflexão não é apenas sobre uma forma de consumo, ela parte do questionamento da forma de produção dos alimentos, entendendo a exploração animal como oriunda das indústrias que exploram. É necessário compreender esse ponto para não individualizar uma pauta que tem como alvo de sua crítica a estrutura mantenedora desse sistema de exploração.
Por isso, além de se opor à exploração animal através do boicote de produtos vindos do sistema que tortura seus corpos e controla suas vidas, nosso veganismo, para ser revolucionário, precisa pautar a libertação animal dentro do debate sobre a forma de produção dos alimentos e sobre os processos sociais que impedem o povo de ter acesso a uma alimentação adequada, de qualidade e em quantidade suficiente.
Estejamos preparados e preparadas para politizar cada vez mais os debates ao redor do veganismo. Não existe militância vegana eficaz sem luta de classes, sem conectar a questão animal ao impacto da produção de carne no meio ambiente e sem entender quem é a burguesia nacional e quem a financia. Assim poderemos construir uma sociedade mais justa e responsável com as pessoas, os animais e o meio ambiente.