MPF contesta Governo Tarcísio e afirma: ‘Escola cívico-militar fere a Constituição’
Um dos principais pontos de crítica é a criação de dois núcleos de gestão nas escolas
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), emitiu um alerta afirmando que a Lei Complementar Estadual n° 1.398, que institui o Programa Escola Cívico-Militar no estado de São Paulo, fere o modelo de educação nacional estabelecido pela Constituição Federal. Segundo a PFDC, a lei cria atribuições para a força militar estadual que não estão previstas nas normas constitucionais, além de afrontar os princípios da liberdade de pensamento e da gestão democrática das escolas.
Para a PFDC, a regulamentação da matéria é de competência exclusiva da União, conforme previsto nas diretrizes e bases da educação nacional. “A Constituição Federal não permite aos estados estabelecerem modelo de educação diverso daquele definido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Não está no escopo da competência legislativa concorrente dos entes federados a criação de um programa híbrido alternativo, como esse cívico-militar de São Paulo”, sustenta Nicolao Dino, procurador federal dos Direitos do Cidadão.
A Lei Complementar Estadual n° 1.398, de 28 de maio de 2024, implantou o projeto de militarização nas escolas civis públicas estaduais e municipais, que integram a Rede de Ensino de Educação Básica do Estado de São Paulo. Dino destaca que o programa não encontra amparo no modelo educacional do país previsto na LDBEN e viola a atribuição exclusiva da União para tratar do tema.
Um dos principais pontos de crítica é a criação de dois núcleos de gestão nas escolas, um civil e outro militar, composto por militares estaduais da reserva. A seleção de militares da reserva para exercer atividades pedagógicas sem aprovação em concurso público ou formação específica afronta o princípio de valorização dos profissionais de educação. A Constituição Federal prevê a realização de concurso específico para a seleção de profissionais da educação básica, condição necessária ao exercício de funções pedagógicas.
Além disso, a designação de militares para essas atividades configura desvio de função da força militar estadual, ultrapassando os limites constitucionais impostos às suas atividades, que se restringem ao policiamento ostensivo e à preservação da ordem pública. A PFDC encaminhou uma representação ao procurador-geral da República, que analisará se é o caso de acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a constitucionalidade da Lei Complementar Estadual n° 1.398/2024.
Nicolao Dino também ressalta que a Constituição Federal estabelece o princípio da gestão democrática do ensino público, que permite a pluralidade de ideias e concepções pedagógicas, a formação do espírito crítico, a consensualidade, a transparência, a participação e a publicidade. O programa paulista das escolas cívico-militares, ao contrário, poderia reduzir o espaço crítico para diálogo e o desenvolvimento livre do pensamento no ambiente escolar.
Por fim, o procurador menciona a ausência de evidências científicas ou estudos conclusivos que comprovem a melhora no comportamento dos alunos e na qualidade do ensino dentro do modelo cívico-militar proposto pela lei paulista. “É necessário levar em conta a ausência de razoabilidade na presença de força militar estadual na escola com vistas à contenção da criminalidade e ao aumento do controle social em áreas periféricas, considerando a existência de meios próprios – inerentes às atividades de segurança e policiamento – que não se confundem com a militarização dos processos pedagógicos para a promoção e garantia da segurança pública”, conclui Dino.