Por Pâmella Atkinson (Texto) e Thales Ferreira (Fotos)

Quando a Defesa Civil passou na Vicentina evacuando o bairro, Jair Soares, aposentado de 65 anos, disse que não sairia de casa sem seus cachorros. Foi assim que ele, a esposa Marli Dal Magro, 61, e os seis cães da família foram resgatados pela equipe na rua Renascer e levados ao abrigo da Unisinos, no dia 3 de maio. Os passarinhos foram deixados no ponto mais alto da casa, próximos ao forro. Onde, acreditava-se, “a água jamais chegaria”. Nesta quarta-feira, 29, a família voltou para sua casa.

Ao saírem do abrigo, Jair e Marli receberam colchões, kits de higiene e limpeza, cesta básica, roupas e ração para os cachorros. Os donativos têm sido distribuídos através da Secretaria de Assistência Social de São Leopoldo (SAS) para cada família que deixa os alojamentos da cidade, conforme necessidade e disponibilidade.

O rápido resgate foi fundamental para a sobrevivência da família. “Eu falei ‘eu não vou sair, eu não vou deixar meus cachorros’, eles vieram aqui e ajudaram a colocar os cachorros dentro da kombi. Foi muito rápido”, narra Jair. Tão rápido, que não deu tempo de salvar nada além de documentos. “Tenho muitos documentos médicos que preciso porque eu faço tratamento na Oncologia e no Instituto de Cardiologia. Consegui salvar todos os documentos, mas foi só o que deu para salvar, o resto foi tudo”, lembra Marli com tristeza.

Os 26 dias de alojamento foram difíceis, mas a família pôde contar com a solidariedade de todos ao redor. “A gente conheceu pessoas boas, fizemos amizades, fomos muito bem tratados por toda a equipe: o pessoal da limpeza, os médicos, o pessoal da Assistência Social”, conta a dona de casa, enquanto se despede do ginásio que foi seu abrigo durante quase um mês.

Jair visitou a casa pela primeira vez após a enchente no sábado, dia 25 de maio, para contabilizar os estragos e iniciar a limpeza. Com triste surpresa, encontrou seus pássaros mortos e todos os seus bens destruídos. A água atingiu o forro da residência e pouco pode ser salvo.

A volta para casa é um misto de sentimentos, entre o alívio e a angústia. “É muito bom voltar. Mesmo recebendo um tratamento maravilhoso no abrigo, não tem lugar como a casa da gente. Apesar de não ter nada dentro de casa, a gente tem um colchão, um fogãozinho que é meia boca mas tá funcionando ainda, vai dar para fazer a comida. É uma tranquilidade que dentro da casa da gente é outra coisa”, conta a moradora do bairro Vicentina.

Quando chegou em casa pela primeira vez desde que tudo começou, dona Marli se emocionou com o cenário encontrado. Ao andar pela estrutura da casa, ela relembra a vida que já não será a mesma, entrando em cada cômodo. “Aqui era a cozinha, aqui a geladeira e o fogão. Aqui tinha a mesa, o sofá e as cadeiras. Aqui tinha uma estante, com a tv e as coisas em cima. Aqui era o quarto, tinha um roupeiro, uma estante,uma cômoda e a cama. Aqui também era outro quarto, com roupeiro, com cama, com sofá. Foi tudo, infelizmente o que sobrou foi um fogãozinho aí. As portas foram arrancadas, o forro mofou todo”, relembra a dona de casa.

Perdas que deixaram marcas até mesmo nos animais, que parecem não reconhecer o cenário. “Eles estão assustados. Eles tinham o sofazinho deles para dormir, a caminha deles, e agora não têm mais nada. Eles estão apavorados também”, relata Marli.

O momento agora é de recomeço. “Vamos recomeçar, né? Vamos tentar recomeçar. Tá sendo muito difícil viver tudo isso, muito difícil e muito triste também. Eu não sei dizer como é que vai ser porque ele já tem 65, eu tenho 61 e praticamente já não posso fazer esforço físico nenhum. Eu não sei, vamos ver o que a gente vai fazer. Fazer um pouco por dia, tentar se levantar aos poucos”, fala com esperança a moradora.

A rua Renascer, onde mora a família, ganhou um novo significado. Seu nome e sua história se mesclam às histórias de cada morador atingido pela força da água. Agora Renascer não é mais onde eles vivem, mas é um lembrete sobre a necessidade de recomeçar em meio à dor.

“Agora eu vi que refizeram o dique de novo e a promessa é fazer uma manutenção geral dos diques. Eu não tenho medo nenhum, tô bem tranquilo”, o aposentado fala sobre os reparos realizados pelo Semae e prefeitura na casa de bombas da João Corrêa, por onde a água invadiu o bairro Vicentina.

“Nasci e me criei nesse bairro. Eu passei a enchente de 65 aqui. Então, eu não tenho medo nenhum. Eu tenho muita confiança na administração. Se eu não tivesse, já teria ido embora daqui”, completa Jair. O morador também falou sobre como a comunicação da administração municipal foi importante para que vidas fossem salvas “Toda hora live, toda hora informação. A gente nunca acredita e não quer sair, mas não foi falta de informação”.

Avaliando os danos da casa, seu Jair fala com tristeza, mas com a esperança do recomeço, “A vida em primeiro lugar, o resto a gente vai comprando”.