Da pobreza à dignidade menstrual
O que precisa mudar para garantir a saúde e os direitos de pessoas que menstruam?
Por Ana Cecília Antunes
O que é necessário para ter dignidade menstrual? Conhecimento sobre os fenômenos biológicos do corpo. Um banheiro, com privacidade e iluminação. Água, sabão e uma pia para lavar as mãos. Papel higiênico, saneamento básico e coleta de lixo. Ah, não se esqueça dos absorventes! Essas são algumas das bases para a garantia da integridade de pessoas que menstruam segundo o relatório “Pobreza Menstrual no Brasil”, realizado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
Enquanto houver indivíduos utilizando miolo de pão, sacos plásticos, jornais, filtros de café ou roupas velhas para absorver o sangue da menstruação, os direitos humanos serão violados. No Brasil, a precariedade durante a menstruação é enfrentada principalmente por pessoas negras e de baixa renda.
De acordo com os dados reúnidos pelo UNFPA e pelo UNICEF, entre 2017 e 2018, 713 mil meninas não tinham nenhum banheiro em casa ou no terreno da moradia. Oito em cada dez delas são pretas e pardas. Mesmo quando há sanitários, não há acesso ao sistema de esgoto adequado nos lares de 4,8 milhões de brasileiras, sendo 69% delas negras. O fornecimento de energia elétrica também é um problema: 133 mil meninas moram em locais sem eletricidade. Quase 76% delas são pretas e pardas. Além disso, mais de 1,8 milhão vive em espaços onde não há coleta de lixo. A taxa de meninas negras nesse contexto é o dobro da de meninas brancas.
A pobreza menstrual é mais uma das questões com que pessoas em vulnerabilidade social têm que lidar. Em 2018, a Sempre Livre promoveu uma pesquisa com 814 mulheres que menstruam das classes C e D. Do total, 20% das entrevistadas relataram ter dificuldade para comprar produtos para o período menstrual. Em determinadas faixas etárias, o quadro é mais alarmante: 26% das meninas entre 15 e 17 anos não têm nenhum acesso a itens de higiene específicos para menstruação.
Todos esses fatores, somados ao estigma que envolve o período menstrual, podem trazer consequências muito negativas para a vida social e profissional de quem menstrua. Ainda sagundo o estudo da Sempre Livre, 12% das mulheres de baixa renda disseram que sempre ou quase sempre deixam de ir à escola por não terem absorvente. Outros 12% declararam que frequentemente faltam o trabalho por conta de forte mal-estar mentrual. O estado dos estabelecimentos também não corresponde às necessidades das entrevistadas. Por acharem que os banheiros são muito sujos e sem condições de uso, 8% faltam no trabalho e 16% não vão estudar.
A escola deveria ser um lugar propício para a educação menstrual, uma forma de contornar os estigmas em torno do ciclo menstrual. No entanto, a falta de estrutura acaba afastando quem mais precisa dessa orientação. O levantamento do UNICEF e do UNFPA expõe que 1,4 milhão de meninas estudam em instituições que não disponibilizam papel higiênico. Pontua também que a chance de uma criança negra se ver nessa situação é 51% maior que a de uma criança branca. O sabão também é um artigo escasso: 3,5 milhões de meninas não têm acesso na escola. Dessas, 2,25 milhões são negras.
O Dia Nacional da Dignidade Menstrual, 28 de maio, busca reverter essa cenário. Uma das iniciativas governamentais relacionadas é o Programa de Dignidade Menstrual, que consiste na distribuição gratuita de absorventes em farmácias do Programa Farmácia Popular. Veja quem pode e como adquirir:
Quem tem acesso ao benefício?
Pessoa entre 10 e 49 anos inscrita no Cadastro Único (CadÚnico) que:
• Tenha renda mensal de até R$ 218; ou
• Seja estudante de baixa renda da rede pública com renda familiar por pessoa de até meio salário mínimo; ou
• Esteja em situação de rua, sem limite de renda.
Para retirar, apresente a uma Farmácia Popular:
• Documento de identificação oficial com foto e número do CPF
• “Autorização do Programa Dignidade Menstrual”, em formato digital ou impresso, que deve ser gerada via aplicativo ou site do Meu SUS Digital. Acesse o site ou o aplicativo e acionar o Programa Dignidade Menstrual, clicando no campo “Emitir Autorização”. Esse documento terá validade de 180 dias. Para usar o Meu SUS Digital, basta ter cadastro no gov.br.
• A aquisição para menores de 16 anos deve ser feita por seu responsável legal.
• Cada pessoa terá direito a 40 (quarenta) unidades de absorventes higiênicos para utilizar durante dois ciclos menstruais, ou seja, a cada período de 56 (cinquenta e seis) dias.
Para saber mais, acesse a cartilha do Programa de Dignidade Menstrual.